Professores da UnB coordenam projeto, envolvendo 28 instituições, de resgate de espécies de plantas coletadas por missões estrangeiras nos séculos XVIII e XIX e levadas para museus europeus.

Mais de um milhão de amostras da flora brasileira coletadas por missões estrangeiras, durante os séculos XVIII e XIX, e depositadas em museus da Europa, está sendo resgatada por pesquisadores de 28 instituições federais de ensino superior do país. O repatriamento das espécies é coordenado por dois professores da Universidade de Brasília. Paulo Eduardo Câmara, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Botânica, é responsável pelo recuperação das briófitas, popularmente conhecidas como musgos. Carolyn Barnes, professora do Programa, comanda o resgate das plantas fanerógamas.


Pela iniciativa, serão digitalizados, com scanners de alta definição, dados e amostras coletados por botânicos naturalistas que percorreram o Brasil entre os anos de 1858 e 1897. Boa parte das coleções estão no Royal Botanic Gardens de Kew, na Inglaterra, e no Muséum National d´Histoire Naturelle de Paris, na França. O acervo digitalizado constituirá herbário virtual com cerca de 1 milhão de exemplares. "Sem dúvida, uma fonte riquíssima de consulta e pesquisa científica", avalia Paulo Câmara. A coleção digital ficará sediada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Atualmente, os pesquisadores que desejam estudar as plantas precisam ir até estes museus. Com o herbário virtual, a viagem não será mais necessária e o país terá o conhecimento ao alcance de todos.


Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com apoio das Fundações de Amparo à Pesquisa de todo país, o projeto intitulado Reflora teve início no ano passado e prossegue até 2014. Os pesquisadores, no entanto, aguardam recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) para iniciar essa etapa do projeto. Aprovada no ano passado, a verba de R$ 70 mil vai financiar os deslocamentos de especialistas, inclusive associados a instituições de pesquisa do Rio de Janeiro e São Paulo, a Paris e Londres e a aquisição dos equipamentos necessários à digitalização. "Somos a única universidade que ainda não está em campo, simplesmente porque os recursos não saíram. Solicitaremos prorrogação do projeto por causa desse problema de ordem burocrática, que vem impedindo nossa pesquisa in loco", afirma. Em encontro com cerca de 60 professores da UnB e de outras instituições, no último dia 24, o presidente da FAP-DF, Renato Rezende, afirmou que já dispõe de parte dos recursos para quitar todas as pendências com os pesquisadores.


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No caso do grupo de briófitas, o tratamento digital é diferenciado, exigindo estruturas microscópicas para a correta visualização e o uso de máquinas digitais de alta qualidade. "Não se trata apenas de escanear as amostras das plantas, mas também recuperar as informações a elas associadas, como descrição geográfica do local e data de coleta. Isso ultrapassa a mera identificação, pois, além de verificar nomes e atualizá-los, temos de investigar se as espécies ainda existem. Tudo isso exige um trabalho comparativo com catálogos científicos", explica Paulo Câmara. Como exemplo desse esforço, o professor cita a localidade de Arraial dos Couros, hoje cidade de Formosa, uma das fontes de coleta botânica. "Precisamos dispor de conhecimentos de ordem histórica e geográfica para precisar dados e contextos".


MISSÃO CRULS –
 O eixo do projeto é refazer a rota empreendida pelo célebre paisagista e botânico Auguste François Marie Glaziou, que esteve por 30 anos no Brasil, a convite do imperador Dom Pedro II, coletando, classificando e catalogando amostras de plantas, especialmente na região Centro-Oeste e no estado do Rio de Janeiro. "O trabalho do naturalista ilustra o encantamento dos europeus por nossa exuberante e variada biodiversidade", explica Paulo Câmara. "Na época não havia universidades e instituições similares no Brasil que pudessem conduzir esse tipo de trabalho", complementa.


Glaziou também integrou a notável Comissão Exploradora do Planalto Central, a partir da qual foi demarcada a área do Distrito Federal, conhecida como Missão Cruls. As coletas feitas pelo botânico durante a expedição também constituem material de pesquisa para a equipe de Paulo Câmara, "em especial as cercanias onde hoje se encontra a cidade de Brasília". O professor conta que um dos passos do projeto é retomar a rota de Cruls a partir do diário de Glaziou. "O que ele encontrou na época? O que restou hoje? São perguntas que o projeto deseja responder", afirma o pesquisador.


Paulo Câmara destaca que os mais importantes e ameaçados biomas brasileiros, tanto o da Mata Atlântida quanto o do Cerrado, foram mapeados pelo botânico. Tal acervo se encontra hoje no Museu Nacional de História Natural de Paris e no Museu de História Natural de Londres. "Nosso propósito é demonstrar cientificamente uma suposta redução da biodiversidade brasileira, bem como a extinção de diversas espécies".


DESINTERESSE CIENTÍFICO – 
Paulo Câmara, um dos dez pesquisadores de briófitas no país, constata o desinteresse científico e acadêmico em torno dos musgos. "As briófitas são o segundo maior grupo de plantas terrestres no mundo e o seu papel ainda é desconhecido no equilíbrio ambiental. Somente no Brasil são cerca de 900 espécies mapeadas, porém, o número de especialistas ainda é muito pequeno, principalmente diante da importância que esses organismos assumem a partir de suas propriedades farmacológicas e usos antibiótico, antimicrobiano, antibacteriano, antiviral, bem como suas atividades anticancerígenas e alergênicas", destaca. Para ele, "as briófitas ainda são bem negligenciadas nos trabalhos de coletas e inventários, daí a importância dessa pesquisa", conclui.