Metodologias ativas melhoram índices de aprovação e envolvimento de alunos com disciplinas e com colegas, inovando as formas de aprender e ensinar

 

Competição! Batalha! Guerra! Apenas os fortes sobreviverão! Aqui é o lugar dos melhores! Muitas expressões, uma mensagem: atropelar para estar no topo. Quem nunca sentiu essa pressão? Nas escolas e cursos preparatórios considerados de ponta, há uma busca individual e incansável pela maior nota e pela aprovação no vestibular. Depois, cresce a necessidade de se destacar entre os colegas, ter o melhor estágio, ser o melhor no mercado de trabalho.

 

Ir na contramão de tudo isso move Ricardo Fragelli, professor da Faculdade UnB Gama (FGA). Sua busca é pela colaboração, solidariedade e formação humana, com foco no protagonismo do estudante. O desejo por mudanças nas formas de ensinar e aprender o acompanha desde o início de sua graduação, na própria Universidade de Brasília. Aos 18 anos, decidiu que não queria depender do apoio financeiro da família e começou a dar aulas particulares.

 

“Meu objetivo nunca foi ensinar conteúdos, mas fazer com que as pessoas reconquistem a curiosidade natural pela ciência. A aversão do adulto pela matemática vem daquela criança que, em algum momento, teve suas curiosidades roubadas”, comenta o docente, que, já naquela época, apresentava aos alunos problemas divertidos, com o objetivo de trazer a matéria para "um plano mais interessante". "Assim, a pessoa reconquistava sua autoestima e seu gosto pelas exatas", diz.

 

O tempo passou, a carreira na docência se consolidou e, ao longo de sua trajetória, Fragelli aperfeiçoou novas ideias. Hoje, trabalha com três métodos principais – Rei e Rainha da Derivada, Trezentos e Summaê. Ao todo, as metodologias baseadas na aprendizagem ativa e colaborativa já receberam onze prêmios nacionais de educação.

Rei e Rainha da Derivada da UnB, atividade criada pelo professor da FGA, reúne centenas de alunos para resolver exercícios em shopping do Distrito Federal. Foto: Francisco Rodrigues/Divulgação

 

O objetivo inicial das três iniciativas é o engajamento, baseado no propósito de humanização, no olhar cuidadoso para o colega ao lado. Em resumo, a finalidade é promover interação entre os diferentes e potencializar os estudos com base na colaboração bem planejada.

 

“O Rei e Rainha da Derivada é mais voltado para a gamificação, o engajamento, a cooperação e a socialização; o Summaê também é um ambiente gamificado, mas destaca-se pela criatividade e liberdade; e o Trezentos caracteriza-se, principalmente, pela construção de empatia e pelo espírito solidário”, resume Fragelli. “As três metodologias já são aplicadas em todo o país. Atualmente, estamos trabalhando parcerias internacionais para divulgação no exterior”, destaca.

 

Os métodos podem ser usados por qualquer docente, da educação básica ao nível superior. Além de material gratuito, disponível na internet, há cursos específicos para formação de professores. Nos últimos dois anos, foram realizadas cerca de 80 palestras e 40 oficinas com esta finalidade. Mais de mil professores aplicam as inovações em áreas distintas de conhecimento: Medicina, Direito, Fisioterapia, Enfermagem, Odontologia, Engenharia, Arquitetura, Matemática, Física. Os métodos também são objetos de estudo de trabalhos de conclusão de curso e dissertações de mestrado.

 

TREZENTOS – No filme homônimo, um soldado pede ao rei para entrar no grupo de espartanos na batalha contra os persas. O soberano solicita ao guerreiro que ele levante o escudo, e o combatente não consegue. Então, o rei diz: “Nós somos uma unidade impenetrável porque o soldado espartano não se defende, ele defende a unidade que está ao seu lado.” A frase casou perfeitamente com o sentimento de Fragelli. “Na disciplina de Cálculo, percebi que tínhamos um grande índice de reprovação porque cada um se defendia. Decidi que ninguém se defenderia, defenderíamos uns aos outros”. Surgia assim a metodologia Trezentos.

 

O principal objetivo do método, criado em 2013 e mais voltado para o dia a dia da sala de aula, é promover a colaboração entre estudantes, despertando o olhar para o colega com dificuldade de aprendizagem e construindo empatia entre os pares. O professor divide a sala em grupos, mesclando alunos com rendimento alto e insatisfatório – chamados de ajudantes e ajudados, respectivamente. Os estudantes ajudados têm o direito de fazer uma nova avaliação após cumprir metas, como resolução de exercícios e encontros presenciais com o grupo. Os ajudantes podem aumentar suas notas iniciais nos casos de melhora dos estudantes ajudados e também pelo nível de apoio oferecido ao coletivo.

Professor Ricardo Fragelli em momento de emoção do evento Rei e Rainha da Derivada: a ligação para familiares dos estudantes vencedores dos desafios. Foto: Francisco Rodrigues/Divulgação

 

Após as avaliações, são formados novos grupos e estipuladas novas metas. Desse modo, os arranjos dificilmente se repetem e há possibilidade de um estudante que foi ajudado em alguma prova se tornar ajudante e vice-versa. A aplicação do método trouxe resultados surpreendentes na sala de aula. Segundo o professor da FGA, o índice médio de aprovação na disciplina Cálculo 1 subiu de 50% para 95%. A média de notas das turmas cresceu em 40%, as notas dos alunos com baixo rendimento aumentaram 100%, além de 90% dos estudantes declararem se sentir mais tranquilos nas avaliações.

 

“No geral, encontramos nas universidades um panorama de isolamento e reprovações. O Trezentos é um caminho possível para se ter um grupo mais integrado e com aprendizagem mais significativa. Os alunos que eram bons se tornam excelentes. Os que tinham baixo rendimento, excepcionais. Isso porque conseguem melhorar a nota e resgatar o gosto pela matéria”, avalia Fragelli.

 

O método tem adesão e apoio da maioria dos alunos. Como parte do projeto de protagonismo estudantil, o professor coleta depoimentos dos participantes. Ele publicou, juntamente com a pesquisadora Thaís Branquinho Oliveira Fragelli, artigo científico sobre a percepção dos envolvidos. “Foi excelente.” “Um exemplo de vida.” “Uma experiência pessoal riquíssima.” “Um prazer enorme.” “Foi como reaprender a aprender.” “Uma dívida de gratidão.” “[O método] Foi muito bom. Na P1 me ajudou bastante e, depois disso, aprendi como estudar. Também foi muito bom ajudar os outros. Na P2, um garoto que eu ajudei melhorou mais 2.000% e depois veio me agradecer por isso, a sensação que dá é simplesmente incrível”, dizem alguns relatos.

 

Trezentos foi considerado, em 2015, a melhor metodologia de apoio ao aluno do país pelo prêmio Santander Universidades. Em agosto deste ano, a editora Penso lançará o livro Método Trezentos: aprendizagem ativa e colaborativa, para além do conteúdo

Caracterizados e de chapéus, alunos têm momentos de descontração durante Summaê de Integrais da UnB. Foto: Andressa Fragelli/Arquivo pessoal

 

SUMMAÊ – Chapéus, fantasias, imaginação e vontade de resolver exercícios. O nome do jogo lúdico que incentiva a criatividade e a liberdade dos estudantes é a junção da palavra Summae (do latim, somas) com o acento circunflexo (^); ou chapéu do vovô, como aprendem as crianças. Todas as pessoas que se reúnem para estudar determinado tema utilizam um chapéu – característica que marca a atividade e quebra o clima da tradicional sala de aula.

 

Funciona assim: é um evento específico, com data marcada e organização prévia. Um jogo no estilo perguntas e respostas no qual as pessoas se fantasiam para resolver exercícios. Estas questões são propostas por meio de vídeos criativos, produzidos e gravados anteriormente pelos alunos.

 

“Há também uma mesa composta por vários professores. Passamos os vídeos, os estudantes respondem à questão e, depois de algum tempo, um dos docentes resolve a pergunta proposta a partir de chaves de correção. Ou seja, quem conseguiu o resultado de uma determinada forma ganha um ponto, quem fez de outra ganha dois e assim sucessivamente”, explica Fragelli.

 

Para coroar o encontro especial, há premiações para os campeões e ainda são escolhidos os melhores vídeos e os “top chapéus”, além da resolução de um desafio final. Fica a critério dos organizadores aumentar a teatralidade do momento, com apresentações artísticas, desafios paralelos e outras atividades performáticas.

 

Com o tema Summaê, estudar é uma festa – em alusão à animação Viva, a vida é uma festa –, o último evento organizado por Fragelli foi realizado em junho deste ano no cinema de um shopping de Brasília. Cerca de 300 alunos de várias instituições participaram, além de professores de todo o Brasil e outras pessoas interessadas em conhecer a metodologia.

 

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REI E RAINHA DA DERIVADA – A aplicação do método também surgiu dentro da sala de aula, após Fragelli assumir uma turma de Cálculo composta integralmente por alunos não aprovados na disciplina em semestres anteriores. “Eu não podia dar aquela mesma aula que outros professores deram. Ela tinha que ser mais ativa. Como minhas aulas já eram mimetificadas, baseadas em jogo, me veio a ideia do Rei da Derivada”, conta o docente.

 

O intuito da metodologia é inverter a lógica tradicional da sala de aula. É um jogo no qual duplas de alunos – e não o professor – vão ao quadro para resolver questões. O docente propõe o desafio: a dupla que resolver primeiro ganha três pontos; a segunda, um ponto. Os pares se permutam até todos formarem duplas com todos. No final, quem somar mais pontos é Rei ou Rainha da Derivada. 

Concentração e foco para a resolução de exercícios no Rei e Rainha da Derivada. Método incentiva aprendizado autônomo e colaborativo. Foto: Francisco Rodrigues/Divulgação

 

“Como são várias duplas, os estudantes erram e acertam de formas distintas. Eles vão cometer pequenas falhas no início. Porém, com toda essa atenção, foco e colaboração, na oitava questão ninguém erra mais nada. A melhora é impressionante. Eles aprendem muito e de forma autônoma e cooperativa. No diálogo, no debate e na análise”, ressalta Fragelli.

 

O docente conta que a atividade começou numa sala com 15 estudantes. Nos dias de jogos, a turma chegava a ter 40 pessoas, inclusive de outros cursos. “Todos ficavam admirados em como aqueles alunos de Exatas faziam questões mirabolantes e, ao final, ficavam felizes.”

 

Para Fragelli, a metodologia não é simplesmente uma técnica – é uma visão sobre educação. “No método tradicional, o professor domina o quadro, em relação ao conteúdo e a tudo o que vai acontecer. Sabe quais e quando as perguntas serão feitas, por exemplo. Num ambiente verdadeiramente colaborativo, surgirão colaboradores e situações improváveis e o docente não saberá qual o próximo segundo de sua própria aula. Isso é inspirador”, completa.

 

A adesão surpreendente fez com que Fragelli ampliasse o Rei e Rainha da Derivada. A brincadeira saiu da sala de aula e se transformou em um evento, também em um shopping. O primeiro aluno consagrado Rei da Derivada confessou, certa vez, ao professor: “Muito obrigado, eu conheci todas as pessoas da minha turma com essa atividade”.

 

A última edição, realizada em um fim de semana de maio, teve a participação de 400 estudantes. “Até mesmo no intervalo do evento a gente nota que os alunos ficam no quadro, praticando, resolvendo exercícios, estudando. A ciência é isso. Não é só uma necessidade, é uma vontade. É despertar o gosto e a curiosidade das pessoas”, sintetiza o entusiasmado professor.

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