Filme demonstra que o custo das perdas na produção de alimentos não é apenas repassado para o preço final na venda, mas impacta toda a sociedade

Cientistas ambientais fizeram o documentário Quanto Vale 1/3?. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

Luz natural, aprender a usar o tripé, a editar e a fazer roteiro. Essa foi a rotina dos estudantes de Ciências Ambientais da UnB Lucas Gayoso e Camila Nogueira, quando resolveram seguir o projeto pedagógico do curso e produzir um documentário científico para o trabalho de conclusão de curso (TCC). Quanto Vale ⅓? (veja vídeo abaixo) foi apresentado à banca avaliadora, junto com a monografia, no primeiro semestre de 2016. Agora, o filme integra a seleção da oitava edição da mostra Circuito Tela Verde, promovida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).

 

O ano era 2014 quando a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) lançou um estudo indicando os custos, em termos monetários, dos impactos ambientais, sociais e econômicos das perdas e desperdícios de alimentos. Os dados impactaram a dupla de estudantes. Não é por menos. Foi identificado que cerca de um terço da produção se perde. Só em 2012, 1 trilhão de dólares se perderam em desperdício. A quantia é equivalente a 12 milhões de cestas básicas. Munida dessas informações, a dupla partiu para o desafio de produzir um trabalho que causasse impacto na comunidade e que pudesse instigar mudança social.

 

“Popularmente, temos ideia de que o desperdício de alimentos ocorre pela ação do consumidor”, sugere Camila Nogueira. Mas os dados mostram que o problema é anterior aos hábitos domésticos. “O consumidor tem responsabilidade: com maior consciência, pode mudar o comportamento e demandar políticas públicas para a questão. É preciso adotar postura política. O Estado também tem de intervir. O consumidor deve ser atuante e exigir”, acredita a cientista ambiental.

 

“Quando falamos de impacto ambiental, as pessoas pensam em fome, mas há vários outros impactos. Inclusive os que afetam o uso da água, como a aplicação de fertilizantes, que também afeta o uso da terra”, comenta Lucas Gayoso. Segundo o TCC – intitulado Documentário Científico: impactos ambientais associados às perdas e desperdícios de alimentos –, a ideia era “apresentar os impactos ambientais associados a essas perdas e desperdícios e as externalidades não incorporadas que isto gera para a coletividade em termos de custos econômicos”. Em outras palavras: queriam avaliar quanto vale um terço, título do documentário.

 

"Que atitudes e hábitos posso modificar para diminuir meus impactos sobre o meio que me circunda?" Essa é uma das perguntas que o trabalho pretende incutir no espectador. "O que significa, em termos de impactos ambientais, econômicos e sociais, a perda e o desperdício de alimentos?" é a segunda inquietação proposta.

 

DIMENSÃO DO PROBLEMA – Segundo dados apresentados no documentário, o Brasil desperdiça, anualmente, cerca de 35% da produção. E tudo começa no pós-colheita, na separação do produto. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o desperdício se dá em todas as etapas da cadeia produtiva e na armazenagem. Nesse último, pela falta de estrutura ou pela não observância de critérios. Cerca de 70% dos armazéns existentes está abaixo dos padrões técnicos exigidos para a boa conservação. A etapa mais crítica, contudo, é o transporte. As causas são a precariedade das estradas e a má condição dos veículos. São toneladas e toneladas de alimentos perdidos, visto que a maior parte do transporte no Brasil ocorre pelas vias terrestres.

Razões do problema: cerca de 70% dos armazéns está fora dos padrões de qualidade, segundo a Embrapa. Arte: reprodução de Quanto Vale ⅓?

 

“Uma parte da renda do consumidor fica comprometida com os custos oriundos do desperdício. Isso porque, quando chega no mercado menos 30% da produção, as perdas são repassadas para o consumidor“, afirma Jorge Nogueira, professor do Departamento de Economia da UnB, entrevistado para o documentário.

 

“O custo do desperdício para a sociedade é muito maior do que o custo de produção. Os custos de produção não incluem os custos ambientais. O desperdício transcende o custo de produção, porque inclui perda ambiental”, destaca o também professor de Economia Pedro Zuchi, que foi orientador dos estudantes. “Esses dados devem ser tratados com muita atenção pelos órgãos oficiais”, avalia.

 

O documentário destaca a amplitude do desperdício dos recursos naturais, que impacta solo, recursos hídricos, lençóis freáticos, sem contar o efeito de defensivos no ambiente.


PEDAGOGIA – O projeto pedagógico do curso de Ciências Ambientais, cuja primeira turma é do segundo semestre de 2009, prevê outros formatos de TCC além da monografia. Quanto Vale ⅓? foi a primeira experiência diferenciada, até agora. Afinal, meio ambiente é tema que pede transversalidade. Por isso mesmo, o curso tem abordagem multidisciplinar. Inclui Instituto de Ciências Biológicas (IB), Instituto de Geociências (IG), Instituto de Química (IQ), Departamento de Economia (ECO) e Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS).

 

“Monografia é muito importante. Mas não é tudo”, observa Lucas Gayoso, que abraçou o desafio proposto por Zuchi. Como resultado, os dois cientistas ambientais que até então não tinham conhecimento de cinema passaram três meses dedicados à produção do trabalho. A pesquisa ficou registrada na monografia, que inclui todo processo de produção do documentário, memorial, decupagem, autorização de uso de imagem.

 

“Aprender fazendo”, conta Camila Nogueira, ao explicar o lema do curso. E foi isso que aconteceu, cientes da responsabilidade de fazer um documentário bem resolvido para poder expor e fazer com que a mensagem ambiental não ficasse contida no discurso de especialistas. Outra meta era sair da comunicação acadêmica e passar para uma comunicação com a comunidade. E cumprir um dos papéis da academia, que é promover o debate – no caso, o ambiental. Segundo o professor Pedro Zuchi, a contribuição do documentário é trazer para a discussão atual os custos ambientais da produção de alimentos. “E em linguagem bastante acessível”, destaca.

 

A equipe de filmagem foi composta basicamente pelos dois estudantes, salvo alguma colaboração de amigos. A pós-produção contou com ajuda de tio de Lucas. “O processo foi colaborativo, com várias imagens cedidas, e uso de imagens de domínio público”, descreve Camila.


“Também usamos o filme para debater o tema em sala de aula”, afirma Zuchi. Afinal, Quanto Vale ⅓ estabelece diálogo com a multidisciplinaridade das ciências ambientais. E com a sociedade. Não por menos, outras instituições de ensino superior estão exibindo em sala. E o documentário vem alcançando novos espectadores. Agora, o objetivo é colocar legendas em inglês, participar de outras mostras e ganhar o mundo.

 

 >> Confira o documentário ambiental produzido pelos estudantes de Ciências Ambientais da UnB Lucas Gayoso e Camila Nogueira:

 

 

 

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