Doutorando da UnB que passou três meses na Estação Antártica Comandante Ferraz é pioneiro em estudar a etnografia da presença humana no continente gelado e o primeiro a pesquisar sobre a Marinha brasileira.

 

O antropólogo Luis Guilherme Resende passou seis meses na Antártida para realizar sua pesquisa de campo do doutorado pela Universidade de Brasília. A tese desenvolvida pelo programa de pós-graduação em Antropologia Social consiste em observar como militares, alpinistas e pesquisadores fazem ciência e convivem no continente gelado. Guilherme retornou ao Brasil em fevereiro de 2011, depois de ‘morar’ durante três meses na Estação Antártica Comandante Ferraz, praticamente destruída pelo incêndio do último sábado, 25 de fevereiro.


Além da estação, o pesquisador passou dois meses embarcado nos navios brasileiros que servem na Antártida,  Ary Rongel e Almirante Maximiano, e quase um mês em dois acampamentos. "É preciso lembrar que boa parte da pesquisa feita lá está intacta, pois a estação é apenas um dos pilares", explica Guilherme.


Ele conta que conviveu com 49 pessoas na estação brasileira, participou das atividades de limpeza e organização. “O que mais me chamou atenção é que pesquisa e sobrevivência são coisas que se praticam ao mesmo tempo por lá”, conta. “Para avistar baleias, por exemplo, é preciso ter boas condições de navegação. Sobreviver é condição para pesquisar”, explica. Ele é o primeiro antropólogo a fazer um estudo etnográfico da presença humana na Antártica.


A rotina na estação começa cedo, às 5 horas da manhã. “Somos divididos em trios e cada dia um trio é responsável por servir café da manhã e retirar as coisas da mesa. O trabalho se repete no almoço, no lanche e no jantar”, conta. A preparação do almoço fica por conta do cozinheiro da Marinha. Guilherme conta que na estação a disciplina militar não é tão viva em comparação com a rotina nos navios de pesquisa. “Militares e pesquisadores acabam aprendendo a conviver. Muitas vezes militares ajudam em pesquisas e cientistas dão apoio na parte logística”, afirma.


A regra para garantir a higiene na estação é limpar os banheiros duas vezes ao dia, uma pela manhã e outra a noite. Cada banheiro é utilizado por cerca de nove pessoas e cada dia uma fica responsável pela limpeza. No sábado é proibido fazer ciência, todos ficam envolvidos com o faxinão. “É claro que há exceções, mas, em geral, todos, militares e pesquisadores, devem reservar o dia para a limpeza”, conta Guilherme. O domingo é reservado para descanso e confraternizações. “Dia de churrasco, de escutar música e até mesmo tomar um vinho”, lembra.

Guilherme também acompanhou os pesquisadores em dois acampamentos. O primeiro, durante 11 dias, e o segundo, por 18 dias. Os cientistas e alpinistas são levados pelo navio até o local do acampamento. Lá, eles montam a comunicação via rádio. O navio só vai embora quando a comunicação está estabelecida.


Todos os dias, às 21 horas do Brasil, todos os acampamentos e estações de rádios trocam informações. “Ficamos sabendo de tudo o que acontece de mais importante, conseguimos falar até com a estação do Rio de Janeiro”, conta. “Quando teve um terremoto no Chile nós recebemos um alerta de tsunami. Não tinha muito o que fazer, pois o navio estava a 10 horas de distância”, lembra. Na Antártida, os brasileiros seguem a hora do Brasil.

No acampamento, cada pessoa tem a sua barraca dormitório e há barracas de uso comum, onde funcionam a cozinha e o banheiro. Duplas são escaladas para fazer o almoço e o jantar, lavar a louça e eliminar os dejetos humanos. No acampamento não há militares. O chefe é um cientista. Os alpinistas são responsáveis por garantir a segurança. “O alpinista instrui sobre as condições do ambiente e o pesquisador decide o que será feito”, conta.

RESULTADOS – Guilherme passou pela qualificação do doutorado e agora está terminando de escrever a tese Gelo Seco: a colonização científica brasileira da Antártica. Ele percebeu que as identidades dos militares e cientistas ganham novos significados. “Enquanto os militares acabam tendo que resignificar a ideia de missão, os cientistas se militarizam em diversos aspectos”, conta. “No navio, por exemplo, os militares têm que se acostumar com a presença feminina. Lá também observei uma relação mais amena entre praças e oficiais”, conta.


Luis Guilherme passou dois meses à bordo dos Navios brasileiros que servem na Antártida, Ary Rongel e Almirante Maximiano. Ele era acordado com o toque da Alvorada, obedecia a hora de sentar para as refeições, embora não fosse obrigado a ingerir o alimento. "O militar é obrigado a comer, eu podia negar", explica. Nesse período, Guilherme conquistou o respeito dos militares e entrevistou 11 deles. “Sou o primeiro a pesquisar sobre a Marinha brasileira, a ter entrevistas gravadas”, conta. Além dos militares, ele entrevistou alpinistas, pesquisadores e engenheiros do arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.

O antropólogo observou quatro pesquisas científicas nas XXVIII e XXIX Operações Antárticas Brasileiras, de janeiro de 2010 a março de 2011. As pesquisas são de diferentes áreas do conhecimento: arqueologia, paleoclimatologia, oceanografia e biologia celular.