Estudo da docente Maria Fernanda Derntl analisou planos e projetos da época e aponta que capital do país foi pensada para além do Plano Piloto

Arquivo Nacional do Rio de Janeiro

 

A construção de Brasília gerou inúmeros debates antes mesmo de a cidade sair do papel. Além dos impactos da transferência da capital federal para o Planalto Central, as críticas de alguns setores da sociedade também se direcionavam ao projeto urbanístico. A suposta ausência de planos que integrassem os territórios vizinhos ao Plano Piloto, região administrativa planejada dentro do Distrito Federal, é um desses pontos.

 

No artigo Brasília e suas unidade rurais: planos e projetos para o território do Distrito Federal entre fins da década de 1950 e o início da década de 1960, a professora Maria Fernanda Derntl, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília, faz uma análise sobre aspectos do planejamento urbano e rural da capital do país. A pesquisa recebeu o X Prêmio Milton Santos de Artigo, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).

 

A confirmação da premiação do artigo de Maria Fernanda Derntl veio após escolha por júri nacional e internacional. Para a docente, o reconhecimento contribui para evidenciar o potencial de pesquisa realizada no campo da história da arquitetura e urbanismo na FAU.

Professora Maria Fernanda Derntl assina o artigo premiado. Foto: Arquivo pessoal

 

“Essa publicação é fruto de uma pesquisa que vem sendo amadurecida há alguns anos, e também de estímulo ao grupo de pesquisa que coordeno, Capital e Periferia, do qual participam alunos de graduação e pós-graduação da FAU e do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS), além de docentes de outras universidades", explica.

 

Fundamentado em uma documentação inédita sobre o planejamento da organização territorial do DF no fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, o estudo analisa planos e projetos elaborados para distribuição das atividades na área e articulação de um sistema de abastecimento de Brasília baseado no estabelecimento de comunidades rurais. Essa documentação foi localizada no fundo arquivístico do antigo Conselho Coordenador de Abastecimento, que era subordinado à Presidência da República, e é relativa à criação das Unidades Socioeconômicas Rurais (Users).

 

“Essas comunidades visavam garantir o abastecimento de alimentos para a capital, criar um sistema modelar de produção hortifrutigranjeira e fixar, no campo, parte da população que havia migrado para Brasília desde o início das obras [para fundação da cidade]”, pontua Maria Fernanda. Segundo a docente, a intenção de estabelecer populações no campo, diante da migração acelerada e em massa dos trabalhadores, tinha intuito de promover o equilíbrio entre território, população e economia regional.

 

Os planos revelam que as comunidades teriam edifícios de caráter administrativo e de apoio ao produtor – tais como usina de laticínios e armazéns –; serviços como escola, hospital rural, igreja, banco, clube, restaurante, auditório, biblioteca e de apoio para hospedagem de visitantes; e um núcleo residencial para funcionários e técnicos. Maria Fernanda destaca que a ideia era criar um sistema de abastecimento modelar como chave para implantar o que pretendia ser uma nova organização estrutural no Planalto.

 

De acordo com a pesquisadora, a partir dos dados colhidos, foi possível refutar, em parte, a noção recorrente na historiografia de que não haveria em Brasília um planejamento urbano e regional que fosse além do Plano Piloto. “Ainda que esses projetos não tenham sido implementados por completo, eles contribuíram para moldar uma ocupação do território, que veio a estabelecer uma conflituosa convivência entre o rural e o urbano, apesar de muito marcada pela fragmentação e dispersão”, destaca.

Planta e planta de cobertura do auditório e da biblioteca de uma User, de 1959. Imagem: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro/Fundo Conselho Coordenador de Abastecimento

 

CONCEPÇÃO E REALIDADE – Segundo Maria Fernanda, a concepção inicial de Brasília baseava-se em paradigmas de planejamento urbano e regional em voga nos anos 1950, apoiados na existência de um núcleo central, o Plano Piloto, com traçado ordenado e dimensões limitadas. Ele seria separado por um grande cinturão verde de cidades-satélites, também com traçado ordenado e dimensões limitadas.

 

“Esse modelo de descentralização metropolitana é considerado ultrapassado, em razão do alto custo para dispor a infraestrutura e das disparidades sociais que implicou. Mostrou-se insustentável e foi sobrepujado por dinâmicas de urbanização semelhantes a de outras cidades brasileiras”, afirma.

 

Os planos e projetos tratados no artigo destacam iniciativas que não foram implementadas, dada a distribuição e ocupação, em parte irregular, do território do DF. “Em lugar das atividades produtivas antes previstas, foram se estabelecendo empreendimentos especulativos, chácaras de lazer e, a partir do fim dos anos 1970, grandes condomínios residenciais”, detalha.

 

Maria Fernanda Derntl ressalta que, embora a marcante desigualdade na ocupação do território de Brasília seja uma tônica da bibliografia, o modo como ela se estabeleceu ainda será mais estudado. Ela reforça que as regiões administrativas, muitas vezes, são consideradas um subproduto da criação da capital federal, e não parte intrínseca da sua concepção.

 

A docente acredita, ainda, que é necessário rever continuamente os padrões de planejamento impostos no período inicial de construção de Brasília, face às dinâmicas reais de urbanização do território e às novas necessidades, considerando agora o fenômeno da metropolização que já transborda os limites do DF.

 

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