Aumento do crime mobiliza países como o Brasil, mas ações ainda apresentam falhas, segundo pesquisadora da UnB.

Um dos efeitos da globalização é o aumento do tráfico de seres humanos. “O tráfico de pessoas é objeto de redes de crime organizado que atuam de maneira transnacional. Com a maior permeabilidade das fronteiras propiciada pela globalização, a prática desse crime tem aumentado”, analisa a advogada Thalita Carneiro Ary, que defendeu dissertação de mestrado sobre o tema no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

Sua pesquisa descobriu que o número de inquéritos policiais para investigar tráfico de pessoas saltou de 1 em 1990 para mais de cem, a partir de 2005 (veja quadro). Thalita também construiu, a partir da análise de diversos estudos, um perfil das vítimas brasileiras enviadas para o exterior: mulheres de 18 a 21 anos de baixa escolaridade e que trabalham como empregadas domésticas.

O destino mais comum é a Europa, em especial Espanha e Portugal. Os aliciadores, por sua vez, são homens mais velhos (31-40 anos) com alto grau de instrução. Muitos são empresários que mantêm negócios como casas de shows e salões de beleza.

Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a cada ano, cerca de 2,5 milhões de pessoas são recrutadas e exploradas por redes internacionais de criminosos. A grande maioria (98%) são mulheres envolvidas na exploração sexual comercial. Crianças e adolescentes também estão entre as vítimas preferenciais. No Brasil, a entidade estima que pelo menos 2,5 mil pessoas sejam traficadas para o exterior todos os anos.

PREVENÇÃO E REPRESSÃO - Em 2006, o Brasil estabeleceu a Política Nacional de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas. Em 2008, foi criado o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que estabelece um conjunto de ações que envolvem 13 áreas do governo federal e com duração de dois anos. Para a pesquisadora, a Política e o Plano representam avanços significativos no campo da legislação, mas a implementação das ações de prevenção e repressão ainda é falha, pois sua eficácia depende muito do contexto regional e local.

“Tanto as diretrizes da Política quanto as do Plano são muito bem estruturadas, mas sua efetividade acaba desaguando no problema central das políticas públicas desenvolvidas no Brasil: a fase da implementação”, analisa ela. “Nota-se, através dos relatórios divulgados pelo Ministério da Justiça, que esses esforços brasileiros para combater o tráfico de pessoas tendem a perder força na implementação”.

Evidência disso são os dados da Polícia Federal que apontam para um forte aumento do número de inquéritos policiais - o que está associado à intensificação da repressão. Mas a análise dos dados por estado aponta para uma forte desigualdade, que a pesquisadora atribui a fatores locais.

Das 27 unidades da federação, Goiás - uma das principais localidades de origem de vítimas de tráfico - foi a que teve maior número de inquéritos instaurados entre 1990 e 2008: 126. Em contrapartida, no Ceará, outra região de onde vêm muitas vítimas, foram 11 inquéritos no mesmo período. “Acredito que a diferença entre os dois estados se deva à forte atuação do Ministério Público em Goiás, o que não ocorre no Ceará”, explica a pesquisadora (veja quadro).

TRANSVERSALIDADE - Para Ricardo Lins, coordenador do Enfrentamento do Tráfico de Pessoas da Secretaria Nacional de Justiça, o Plano já vem produzindo efeitos, principalmente no que diz respeito ao envolvimento de várias áreas do governo em ações de prevenção e de repressão nas áreas de saúde, educação, combate à violência, trabalho, entre outras.

“O tráfico de pessoas se tornou um tema transversal, presente em ações de várias áreas, o que não ocorria antes”, afirma Lins. Ele cita como exemplo, a articulação das ações de prevenção do tráfico com aquelas no campo da violência contra a mulher. Isso é importante porque, conforme explica Lins, o tráfico de pessoas é um fenômeno complexo. “Por isso, o enfrentamento do tráfico envolve o combate ao preconceito, à violência, de fomento do desenvolvimento, entre outros aspectos”, afirma.

Além disso, está na fase final de redação o relatório de avaliação dos dois anos do Plano, que deverá ser divulgado em breve. Além de aferir resultados, o documento vai servir de norte para uma segunda edição do plano, que o Ministério da Justiça pretende implantar no período 2010-2012.

Outra iniciativa que ele considera relevante são as parcerias com os governos dos principais países de destino, tais como Portugal, Espanha e Bélgica.