Trabalho liderado por Marcelo Hermes-Lima e Daniel Moreira, do Laboratório de Radicais Livres do Instituto de Ciências Biológicas, analisou mais de 90% dos estudos sobre o tema

 

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Mais de 200 artigos de 20 países foram analisados por um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília e da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) com o objetivo de mapear a resposta antioxidante de espécies animais que vivem com pouca concentração de oxigênio – situação conhecida como hipóxia – por até semanas.

 

Marcelo Hermes-Lima e Daniel Moreira, professor e aluno de doutorado do Laboratório de Radicais Livres do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB, respectivamente, que já haviam conduzido estudos a fim de encontrar a explicação bioquímica para a questão estudada há mais de 20 anos no mundo científico, se propuseram nesse segundo momento a analisar todos os artigos existentes em diversos bancos de dados do mundo.

 

O intuito foi identificar o alcance no reino animal do fenômeno batizado em 1998 por Hermes-Lima de Preparo para o Estresse Oxidativo (POS, na sigla em inglês). O POS acontece quando determinados animais que são tolerantes à falta de oxigênio aumentam a quantidade de suas defesas antioxidantes durante algum estresse natural que envolva baixa oxigenação. Um exemplo é que, durante o inverno, certos animais como a rã Rana sylvatica chegam a congelar vivos, causando hipóxia nos tecidos. Nessa situação, aumentam a produção de antioxidantes para cuidar melhor de seus órgãos e tecidos, que estarão sob os efeitos de radicais livres, formados tanto no congelamento como no descongelamento.

 

“Garanto que mais de 90% dos estudos das espécies estão cobertos nesse novo estudo, recentemente publicado pela revista Comparative Biochemistry and Physiology - Part A: Molecular & Integrative Physiology”, afirma o professor.

 

Segundo ele, o propósito do primeiro artigo, publicado em dezembro, era explicar bioquimicamente como funciona o POS nos animais. Neste segundo, o esforço foi classificá-los de acordo com critérios previamente estabelecidos pela equipe e verificar quantas espécies do reino animal – dentre as que são tolerantes à hipóxia – apresentam o fenômeno.

 

O professor Marcelo Hermes-Lima e o doutorando Daniel Moreira, do Instituto de Biologia da UnB. Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

 

“Foi bastante trabalhoso, tivemos que olhar artigo por artigo e ver não só se um parâmetro aumentou, mas quanto ele aumentou. Às vezes, os autores não dão esse dado e nós temos que calcular quanto mudou, fazer tabelas etc. Tentamos pegar 100% dos artigos publicados sobre o assunto, porém, dos mais de 200 selecionados, restaram 142. Isso porque artigos de revisão que não têm resultados originais não entraram. Foi um trabalho minucioso”, relembra o estudante Daniel Moreira.

 

Para realizar a classificação desejada, os pesquisadores do IB verificaram os artigos que haviam submetido os animais a seis diferentes tipos de estresse: anóxia (ausência de oxigênio), hipóxia, congelamento, desidratação severa, exposição aérea de animais aquáticos e estivação.

 

Também estabeleceram critérios que definiam três características: a) se a espécie apresentava aumento da expressão de pelo menos um antioxidante, sendo então classificada como POS positiva pelo primeiro critério; b) o percentual de aumento em sua atividade antioxidante – que, para se encaixar no segundo critério, precisaria subir acima de 50% ou baixar mais de 25% (nesse caso, o resultado seria POS negativo para aquele estresse a que foi submetido o animal); e c) quais espécies tiveram mais resultados positivos do que negativos nos testes realizados em laboratório com as enzimas antioxidantes.

 

“Queríamos saber, em cada situação de estresse, quantos estudos tinham animais que eram POS positivo. E queríamos saber o percentual de POS para cada estresse. Ficamos impressionados que alguns estresses davam POS positivo em 100% das espécies, apesar de haver poucos estudos publicados, e outros davam em menos da metade deles. Aí resolvemos quantificar e fazer um grande mapa de todos os estudos encontrados”, conta Marcelo Hermes.

 

O Rato Toupeira (espécie Spalax judaei) também apresenta o POS.  Foto: Divulgação

 

Das 102 espécies de oito filos que foram analisadas, 91% a 100% apresentaram o POS durante a estivação e a desidratação; 37,5% a 53% na hipóxia; 54% a 77% na exposição aérea; 64% a 74% na anóxia; e 75% a 86% no congelamento. Os seis estresses juntos deram 58% a 67% de espécies POS positivas, dependendo do critério utilizado.

 

“A primeira pergunta sobre o POS foi ‘qual é o mecanismo bioquímico desse processo?’ e respondemos no primeiro trabalho. Depois, nesse segundo artigo, respondemos ‘Qual a abrangência do POS no reino animal?’. Agora, temos uma nova pergunta: ‘Qual a origem evolutiva do POS?’”, revela Marcelo Hermes-Lima.

 

“A ideia é preencher essa lacuna com animais mais simples ou primitivos para ter maior diversidade de resultados. Atualmente estamos fazendo um estudo bem detalhado dos artigos sobre peixes que apresentam ou não o POS. Vamos começar com os peixes ósseos, porque eles têm uma grande quantidade de espécies estudadas, distribuídas em 22 famílias e 13 ordens. Então, esse terceiro estudo se propõe a entender a gênese do POS dentro dos peixes, porque estudar a origem do POS no reino animal é um projeto de muito longo prazo”, explica o professor.

 

EQUIPE – Além de Marcelo Hermes-Lima e Daniel Moreira, trabalharam no segundo artigo do POS os pesquisadores Marcus Sabino, mestrando da Faculdade de Ceilândia, e Larissa Venancio, professora da Universidade Federal do Oeste da Bahia.