Pesquisadores da UnB comprovam potencial de pequenos traumas na ativação de respostas inflamatórias irregulares no organismo. Estudo avaliou conjunto de proteínas dos neutrófilos

Grupo de Proteômica de Neutrófilos/IB

 

Quando um corpo estranho ou um trauma – cirúrgico ou não – afeta o organismo humano, células de defesa, mais conhecidas como glóbulos brancos, são acionadas e formam um verdadeiro exército de prontidão para defendê-lo "com unhas e dentes". Um tipo dessas células, em especial, é o protagonista do sistema imune contra microrganismos patogênicos, como vírus, bactérias, fungos ou parasitas: trata-se dos neutrófilos. Esses pequenos guerreiros utilizam-se de estratégias, como a fagocitose, para atacar os invasores na tentativa de expulsá-los e cicatrizar o tecido atingido.

 

Entretanto, há vários anos, estudiosos têm observado que determinados estímulos sofridos pelo organismo, como traumas graves ou procedimentos cirúrgicos de grande porte, potencializam respostas inflamatórias pela própria ação dos neutrófilos, que fogem ao controle. Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB têm investigado os mecanismos que levam esse tipo celular a reagir de maneira irregular no desenvolvimento de processos inflamatórios.

 

Ao serem ativados por esses estímulos externos mais graves, os neutrófilos em circulação no sangue podem extrapolar a função de defesa e provocar danos em tecidos vizinhos. Em casos extremos, o desequilíbrio da atividade celular também acarreta complicações irreversíveis, como a falência múltipla de órgãos.

Pesquisador Wagner Fontes demonstra como é feita a caracterização de moléculas em um espectrômetro de massa. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

“Apesar de ser um problema conhecido e estudado há muitos anos, ainda não há uma forma de prevenir, tratar ou mesmo diagnosticar precocemente essa situação. Para buscar possíveis diagnósticos ou alvos terapêuticos, antes precisamos conhecer melhor os mecanismos envolvidos”, explica o professor Wagner Fontes. Ele coordena pesquisas desenvolvidas na área no Programa de Pós-Graduação em Biologia Molecular do IB.

 

Uma das mais recentes avaliou, em ratos, efeitos de traumas cirúrgicos de pequeno porte no conjunto de proteínas dos neutrófilos. O estudo, iniciado em 2013, foi realizado em parceria entre a UnB, a Universidade de São Paulo e a Universidade do Sul da Dinamarca. Segundo Wagner, os experimentos buscaram compreender a ativação dessas células nos processos de isquemia e reperfusão – bloqueio vascular por longo período, que impede a circulação sanguínea em um tecido, seguido da restauração do fluxo do sangue – e de laparotomia – abertura da cavidade abdominal para realização de diagnósticos e tratamentos. Além disso, verificaram a interferência na composição e na função celular.

 

“Concluímos que mesmo esse pequeno trauma é suficiente para desencadear respostas compatíveis com uma ativação sistêmica de neutrófilos”, explana o coordenador da pesquisa. Os experimentos, realizados no Laboratório de Bioquímica e Química Molecular da UnB, permitiram analisar e comparar a proteômica de neutrófilos de três grupos de ratos: dois deles submetidos a uma das intervenções e o outro com animais que não passaram pelos procedimentos.

 

ALTERAÇÕES CELULARES – Ao total, foram identificadas 3.816 proteínas nos grupos estudados. Dessas, 2.231 se mostraram exclusivamente não fosforiladas e 1.585 fosforiladas. A fosforilação proteica integra o processo de modificação química das células e desempenha importante papel em suas funções básicas, além do controle da atividade enzimática. Ela pode ainda intervir na conformação da cadeia proteica. Dessa forma, a quantidade de proteínas fosforiladas encontradas indicaria uma intensa regulação das vias de sinalização das células, ou seja, dos sinais utilizados para interação de uma molécula com o receptor celular. "A fosforilação de proteínas é um mecanismo frequentemente encontrado em vias metabólicas e em processos de sinalização celular como um mecanismo de controle. Conhecendo melhor os mecanismos de controle podemos levantar hipóteses sobre como interferir nele", conclui Wagner.

 

Em relação à abundância das proteínas, os pesquisadores encontraram alterações significativas nos grupos submetidos às intervenções se comparado ao grupo não operado. O professor relata que tais modificações afetaram a atividade celular em aspectos como a síntese de proteínas e o metabolismo de ácidos nucleicos – que são responsáveis pela manutenção da informação genética da célula e pela produção proteica. “A alteração de proteínas reflete a alteração de uma célula que é chave no processo da resposta inflamatória”, explica o docente.

 

Arte: Igor Outeiral/Secom UnB

 

Uma das hipóteses levantadas a partir dos resultados é a de que a interferência no metabolismo de proteínas e de ácidos nucleicos esteja relacionada à produção de enzimas e à liberação de armadilhas extracelulares pelos neutrófilos – outro mecanismo de defesa utilizado pela célula para confinar os agentes invasores do organismo e evitar a disseminação deles. No entanto, essa correlação só poderá ser comprovada com novos estudos.

 

Wagner pontua, porém, que as descobertas apontam algumas perspectivas para redução dos danos causados por processos cirúrgicos com a ativação dos neutrófilos. “Isso pode estar relacionado a uma resposta que se tem ao uso de alguns tipos de nucleotídeos – compostos estruturais dos ácidos nucleicos – como o possível tratamento às lesões causadas por esses traumas”, avalia. Apesar do potencial que apresenta, o estudo foi realizado em nível básico e não pode ser aplicado em humanos com as mesmas metodologias.

 

Com o intuito de avançar nas descobertas, outra pesquisa, orientada pelo professor, está em fase inicial e investigará as armadilhas extracelulares produzidas pelos neutrófilos. Os próximos passos envolvem ainda avaliar outros mecanismos individuais de ativação dos neutrófilos para correlacionar com estímulos mais complexos e verificar os metabólitos alterados – moléculas que são produto de substâncias metabolizadas no organismo. Os pesquisadores também analisarão as modificações químicas que acontecem nas proteínas dos neutrófilos, as quais influenciam no comportamento das células.

 

PUBLICAÇÃO – Um estudo coorientado pelo professor da UnB na Universidade de São Paulo observou alterações em proteínas dos neutrófilos de ratos associadas à motilidade e à produção e proteção celular contra radicais livres – moléculas capazes de danificar células sadias do organismo caso não estejam controladas. Dessa vez, os testes incluíram, além da avaliação da proteômica da célula nas condições experimentais já mencionadas, um grupo induzido ao pré-condicionamento isquêmico, ou seja, curtos períodos de isquemia, seguido de reperfusão.

 

“Supomos que os neutrófilos 'aprendem' a ter uma resposta melhor modulada quando são submetidos ao pré-condicionamento, portanto, controlam melhor os mecanismos de migração e defesa contra radicais livres”, explica Wagner Fontes sobre um dos possíveis desdobramentos do estudo. Os resultados foram publicados na revista Proteomics - Clinical Applications, um dos periódicos de referência internacional na área de proteômica. 

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