Publicada na Science, pesquisa liderada por professor da UnB revela nova forma de entender dinâmica nas mudanças da cobertura vegetal da Floresta

Grupo de pesquisa EFL/UnB

 

A preocupação com o desmatamento na Amazônia não é novidade e há décadas é pauta de fóruns ligados ao meio ambiente ou à preservação e conservação da fauna e da flora. No entanto, estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Brasília, em parceria com outras instituições, na Science, prestigiada revista científica, aponta para um perigo mais discreto e silencioso, que tem avançado rapidamente: a degradação florestal.

 

Intitulada Long-term forest degradation surpasses deforestation in the Brazilian Amazon, a pesquisa mostra que a degradação florestal superou o desmatamento na Amazônia brasileira no período de 1992 a 2014. O artigo é resultado da atuação de grupo de pesquisa dos laboratórios de Geoprocessamento Florestal e de Manejo e Gestão da Produção Florestal do Departamento de Engenharia Florestal (EFL/UnB).

 

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Também assinam a publicação cientistas da Universidade Estadual Norte Fluminense (UEFN) e da Universidade Estadual de Michigan (MSU), que contribuíram no processamento dos dados. "São mais de 20 anos de investigação, que apresenta os resultados de uma análise que combinou dados de satélite e de campo sobre o processo de degradação florestal que está ocorrendo na Amazônia brasileira", informa o professor da UnB Eraldo Matricardi, que esteve à frente do estudo.

 

Segundo o docente, geralmente se discute muito o desmatamento, por ser mais visível, e a degradação é pouco abordada. "O problema é que ela vem crescendo e ocupa hoje uma área que, em alguns períodos, foi muito grande e substancial, indo além do desmatamento", alerta. Embora os prejuízos do desmatamento sejam muito graves, a degradação também causa sérios problemas ambientais, dentre os quais podem-se destacar perda da biodiversidade, de serviços ambientais, de produção de água e de estoque de carbono.

 

"Enquanto no desmatamento a floresta é praticamente toda derrubada e convertida em outro uso, ocorrendo uma transformação da paisagem, na degradação a floresta se mantém", diferencia o pesquisador. Ele cita que existe uma definição baseada na quantidade de árvores derrubadas – quando ela é superior a 90% da cobertura vegetal, é caracterizada como desmatamento, e abaixo de 10%, como floresta, que pode estar intacta ou degradada.

A queimada é uma das degradações mais frequentes e pode causar danos irreversíveis ao ecossistema. Foto: Grupo de pesquisa EFL/UnB 

 

NÚMEROS ALARMANTES – Em função da série temporal utilizada no estudo, foi possível comparar a dinâmica dos eventos do desmatamento e da degradação florestal na Amazônia. No período entre o início da década de 1990 e o ano de 2014, a degradação superou o desmatamento: um total de 337.427 quilômetros quadrados de florestas foi degradado, enquanto contabilizou-se 308.311 quilômetros quadrados desflorestados. 

 

Para fazer esse levantamento, foram utilizados os dados de satélites da série Landsat 5 e 8, assim como as bases de dados de desmatamento produzidos pelo Tropical Rainforest Information Center (TRFIC), da MSU, e pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). "O que fizemos foi extrair toda a extensão desmatada e passamos a analisar somente as áreas cobertas por florestas. A partir daí, detectamos diferentes tipos de degradação, comparando as imagens", elucida Matricardi.

 

De acordo com o professor, quatro tipos de degradação foram considerados: fogo, extração seletiva, efeito borda no decorrer do desmatamento e fragmentos pequenos. "Infelizmente, os números podem ser até maiores, pois não conseguimos detectar todas as áreas afetadas. Em alguns casos, a degradação é tão sutil que não foi possível contabilizar", salienta.

 

Na extração seletiva de madeira, por exemplo, são tiradas poucas árvores (pode ser apenas uma ou dezenas): "Mas nesse ato de tirar apenas uma árvore no meio da floresta, ao derrubá-la e levá-la consigo, há impactos e danos pelo caminho", diz o pesquisador.

 

Para complementar os dados de satélite, os pesquisadores também fizeram expedições de checagem à Amazônia para fazer observação em campo e validar os números. Atualmente, a equipe está incluindo os resultados dos últimos anos, após 2014.

O professor Eraldo Matricardi menciona que a pesquisa já está sendo atualizada com dados de anos mais recentes. Foto: Grupo de pesquisa EFL/UnB

 

NOVO OLHAR – Uma das principais contribuições da pesquisa é que ela amplia o entendimento da dinâmica espaço-temporal e a interação dos processos de degradação e desmatamento de florestas tropicais. Consequentemente, o estudo aprofunda o nível de entendimento desses fenômenos na região amazônica.

 

Conforme esclarece o docente da UnB, até então a degradação era vista como um processo do desmatamento. "As pessoas iam até a floresta, tiravam madeira, e na sequência, desmatavam. Verificamos que isso ocorre no desmatamento, mas existe um processo isolado de degradação, em que as pessoas estão indo, degradando e a floresta está ficando em pé", resume.

 

Com isso, há um fenômeno espacialmente desassociado do desmatamento e que até então se limitava mais às áreas concentradas no arco do desflorestamento na Amazônia, mas que agora avança também para o centro da Floresta. "A interiorização da degradação florestal para regiões de novas fronteiras de ocupação na Amazônia é um processo de afastamento em relação aos locais desmatados que está ocorrendo em todos os estados que compõem o bioma", observa Matricardi.

 

Tal conclusão representa uma nova forma de entender as dinâmicas que controlam as mudanças na cobertura vegetal não apenas na Amazônia brasileira, mas em outras florestas tropicais existentes na Terra.

 

Em paralelo, também foi possível notar que as áreas de florestas degradadas ou impactadas por alguma atividade humana passaram a ser mais frequentes na paisagem a partir dos anos 2000. "É um fenômeno que existe e está empobrecendo as florestas e se espalhando de forma muito acelerada pela Amazônia. Quanto mais degradação, maior o risco de problemas ambientais."

 

COMO REVERTER – Da mesma forma que o desmatamento é muito mais fácil de ser detectado nas imagens de satélite, em função da transformação visual abrupta, seu monitoramento e fiscalização também são mais perceptíveis. Já a degradação florestal demanda um sistema de controle mais sofisticado, uma vez que sua interferência na cobertura vegetal pode ser de difícil identificação.

Alguns tipos de extração de madeira são tão seletivos que não puderam ser mensurados no estudo. Foto: Grupo de pesquisa EFL/UnB 

 

É preciso considerar, na opinião de Matricardi, a relevância desse fenômeno, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto ambiental. "Devido a sua abrangência, ele tem que ser levado em conta na elaboração de políticas públicas, intensificando as ações de controle e fiscalização", acredita.

 

Nesse sentido, não bastam os planos para coibir o desmatamento e queimadas, há que se incluir, no contexto de políticas públicas específicas, outros tipos de intervenção antrópica, como a extração seletiva, a fragmentação e a degradação de determinadas áreas.

 

Para o pesquisador, é possível recuperar florestas degradadas, mas é necessária intervenção, que muitas vezes vai além de estratégias de proteção e demanda medidas mais intensas, como replantio de algumas espécies. "Têm florestas que sofreram queimadas subsequentes, por exemplo, que dificilmente vão se recuperar sem a adoção de técnicas próprias", lamenta.

 

A esperança dos pesquisadores é que a publicação na Science, periódico de alto impacto, possa ajudar a dar visibilidade ao problema da degradação em nível global. A efetivação de ações de conservação e recuperação é imprescindível para que as florestas consigam cumprir sua função na biosfera, prestando seus serviços ao ecossistema e a todo o planeta.

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