COMBATE À COVID-19

Em parceria com o laboratório Sabin, equipe quer entender como o vírus se espalha na epidemia, como ele muda ao longo do tempo e se as mudanças causam alterações nas propriedades biológicas virais

Imagem do sequenciamento em tempo real. Os pontos verdes indicam que a amostra está sendo sequenciada. Foto: Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia/UnB

 

Munidos da infraestrutura já existente no Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia do Departamento de Biologia Celular da UnB, os professores virologistas Bergmann Ribeiro, Tatsuya Nagata, Fernando Lucas de Melo e o biomédico Ikaro Alves de Andrade foram os primeiros a sequenciar o genoma do coronavírus no Distrito Federal.

 

A UnB é a terceira universidade do país a realizar tal feito. “Mostramos que temos a capacidade física e intelectual de ajudar no sequenciamento de mais genomas. Pois não basta só a infraestrutura, também temos a experiência para fazer isso. Mostra que a UnB é uma das poucas que tem a expertise nessa área de genoma de vírus”, ressalta o professor Bergmann.

 

O procedimento foi possível depois que os pesquisadores do Sabin Gustavo Barra, Ticiane Santa Rita e Pedro Goes Mesquita obtiveram a concordância de um paciente infectado – que havia feito o teste em uma unidade do laboratório Sabin em Brasília – e disponibilizaram a amostra para os pesquisadores da Universidade de Brasília. “A parceria do Sabin foi fundamental”, frisa Fernando Lucas de Melo, do departamento de Fitopatologia, e especialista nesse tipo de sequenciamento.

 

Os insumos (reagentes químicos) necessários para o sequenciamento vieram de São Paulo. Eles foram obtidos com a professora Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IMT-USP). “Os insumos são bem específicos, é preciso mandar sintetizá-los. Eles têm um custo elevado e demoram para chegar, então entramos em contato com a primeira pessoa do Brasil que conseguiu fazer o sequenciamento do coronavírus, a professa Ester Sabino. Ela nos enviou parte de seus insumos para completar o que já tínhamos”, explica o professor Bergmann Ribeiro, que também é membro do Comitê Gestor do Plano de Contingenciamento da Covid-19 da UnB (COES).

Equipamento para sequenciar o genoma do coronavírus saiu do Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia da UnB. Processo levou cerca de 8 horas. Foto: Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia/UnB

 

PROCEDIMENTO – O sequenciamento consiste em fazer a extração do ácido nucleico do vírus (que, no caso do coronavírus, é a molécula de RNA que constitui o genoma viral) e sequenciá-lo por meio de um equipamento específico para essa finalidade. A máquina saiu do Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia da UnB e foi levado até o Sabin, para um processo que dura cerca de 8 horas. Estava montado o primeiro genoma do coronavírus no DF.

 

“A partir disso, podemos comparar esse genoma com os outros que já foram sequenciados no mundo. Sequenciamos pedaços aleatórios. Depois, o computador monta esses pedaços aleatórios no genoma, e analisamos onde estão os genes do vírus, o material genético”, explica Bergmann.

 

Os pesquisadores descobriram com esse primeiro sequenciamento que o vírus sequenciado teve provavelmente uma entrada a partir da Europa ou Canadá. “Não é um vírus que estava circulando aqui, ele provavelmente chegou de fora, mas eu não consigo a informação exata. Só sabemos que o paciente infectado é um homem, que está bem de saúde, e que não viajou para o exterior”, explica Fernando.

 

Os pesquisadores constataram que o vírus sequenciado tem semelhanças com o vírus do Canadá, mas isso não quer dizer que ele tenha vindo do Canadá. “Esse vírus é muito parecido também com essa linhagem da Holanda e Suíça”, completa o virologista.

 

A figura abaixo (clique para ampliar) mostra a análise que compara a base de vários genomas sequenciados ao redor do mundo. A comparação serve para saber com quais vírus uma determinada amostra sequenciada se parece mais. Em vermelho, estão os vírus sequenciados no Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília); em preto, estão os que foram sequenciados fora do país. O último em vermelho com a seta é o vírus sequenciado pelos pesquisadores da UnB.

 

A imagem assemelha-se a uma árvore com vários galhos, onde cada galho representa um vírus. Galhos mais próximos significam que a sequência também é mais próxima, ou seja, que são parecidos. “Já são quase três mil sequências desse vírus no mundo todo. Quanto mais sequências, mais conseguimos fazer as comparações”, explica o virologista Bergmann Ribeiro.

Genomas do coronavírus sequenciados no Brasil (vermelho) e no mundo (preto). Informações estão em bancos de dados públicos. Imagem: Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia/UnB

 

Se as amostras brasileiras (em vermelho) estivessem todas agrupadas, isso iria indicar que o vírus entrou uma vez no Brasil e ficou se espalhando aqui dentro. Porém, não é o que se descobriu. “O que conseguimos concluir é que é uma entrada independente de outras entradas, ou seja, é uma nova entrada do vírus no Brasil. Não é um vírus que estava circulando aqui. Esse [que sequenciamos] provavelmente é de algum estrangeiro que trouxe o vírus para cá ou de uma pessoa que estava fora do Brasil. Se todas as sequências fossem muitos parecidas, significava que apenas um vírus entrou aqui e se espalhou”, explica o professor Fernando.

 

“É difícil concluir muita coisa com uma sequência só. Mas já podemos dizer que esse vírus é muito parecido a outras sequências da Europa; ele tem três ou quatro mutações em relação aos vírus da Europa”, completa.

 

PRÓXIMOS PASSOS – A ideia dos pesquisadores é fazer esse primeiro sequenciamento para depois sequenciar diversas outras amostras, que serão obtidas no Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen).

 

“Vamos tentar sequenciar o maior número possível de amostras da rede de saúde pública do DF. É importante que a gente sequencie muitos genomas, de muitos pacientes diferentes, do início, do meio e do final da epidemia. Assim vamos conseguir fazer um documento genético de tudo o que aconteceu com o vírus enquanto ele estava circulando por aqui no DF”, explica o professor Fernando.

 

O recurso para realizar os próximos sequenciamentos serão obtidos por meio de projeto aprovado em chamada pública para iniciativas com foco no combate à Covid-19 realizada pelos decanatos de Pesquisa e Inovação (DPI) e de Extensão (DEX) e pelo Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de combate à Covid-19 (CPIE) da Universidade da Brasília.

  

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O aporte é destinado principalmente para a obtenção dos insumos para o sequenciamento. “Ao conseguir mais insumos, podemos sequenciar centenas de vírus”, destaca o professor Bergmann. Além disso, juntamente com professor Tatsuya, ele está aguardando verba para outro projeto submetido ao mesmo edital, que visa criar um kit de diagnóstico rápido.

 

APROFUNDAMENTO – Realizar o sequenciamento do vírus enquanto a epidemia está acontecendo permite dizer, por exemplo, a partir de quantos lugares essa epidemia começou (se veio somente de uma localidade ou de várias), se veio de dentro ou de fora do Brasil, ou ainda verificar se Brasília está enviando o vírus para outras regiões dentro do Brasil.

 

“À medida que conhecemos esse genoma, conseguimos fazer a reconstrução epidemiológica que antes ficava oculta. É a genealogia do vírus: podemos ver, por exemplo, qual linhagem de vírus dá origem a outra linhagem. E aí conseguimos fazer a documentação dos fluxos de migração do vírus para responder perguntas como: ele entrou em Brasília quantas vezes? Veio de onde, da Europa, dos Estados Unidos? Quantas mutações aconteceram no genoma? Acontece que esse vírus não é um vírus que muda demais”, explica Fernando.

 

O sequenciamento permite, portanto, saber de onde estão vindo os vírus que estão infectando as pessoas e se as estratégias adotadas pelos governantes estão surtindo efeito.

 

“Vamos conseguir entender quais foram os primeiros casos aqui, de onde eles vieram e que estratégias funcionaram. Será que ter fechado escola funcionou? Fechar os aeroportos teria funcionado? Algumas respostas vão ser mais imediatas, outras vão precisar de mais sequências lá para o final da epidemia para entendermos o que aconteceu”, completa. 

Virologistas Bergmann Ribeiro (à esquerda) e Fernando Lucas de Melo integram primeira equipe que sequenciou o genoma do coronavírus no DF. Foto: Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia/UnB

 

MUTAÇÕES – Quando o vírus entra numa célula, ele replica e vai sofrendo modificações ao longo do tempo. São muitas replicações: milhões de vírus saem de uma única célula infectada. Alguns desses vírus vão adquirindo mutação. E quando ele infecta uma pessoa, ele replica em milhares de células, produzindo milhões de vírus. Então uma pessoa que é infectada, é infectada com parte desse vírus e o vírus muda de pessoa para pessoa.

 

“Ao analisar uma sequência de um vírus que surgiu lá na China, por exemplo, e que está aqui no Brasil também, nota-se que ele já adquiriu algumas modificações na sequência do genoma. Aí é possível rastrear”, explica Bergmann.

 

Para entender a mutação que o vírus sofre, uma imagem interessante é da brincadeira do telefone sem fio: cada vez que uma pessoa transmite a informação a outra pessoa, se ela falar muito rápido, aquela informação vai ser passada de forma diferente, errada. O vírus se copia muito rápido e não tem nenhum mecanismo que corrige os erros, então quanto mais pessoas ele infectar, quanto maior for a epidemia, mais erros ele vai acumular. Significa que ele se copiou muitas vezes.

 

“Então a ideia é que, a partir do momento em que ele começou a circular epidemicamente em humanos, o vírus começa a acumular mutações”, explica o virologista Fernando Lucas de Melo.

 

“A grande questão é que não sabemos ainda se essas mutações vão mudar alguma coisa no vírus. Por enquanto, vamos começar a ver um monte de mutações aleatórias. É possível que, daqui a algum tempo, a infecção vá se adaptando em humanos, e que o vírus melhore a sua capacidade de replicação, e então ele vai acumular algumas mudanças e pode conseguir infectar mais. Um outro cenário é o vírus começar a acumular as mudanças nos sítios de ligação dos anticorpos, e conseguir infectar a mesma pessoa mais de uma vez, como o vírus da gripe (influenza)”, completa.

 

Porém, os pesquisadores garantem que não se sabe ainda como vai ser com o coronavírus. É possível que as mudanças adquiridas ao longo do tempo permitam que ele escape do sistema imunológico do ser humano ou não. Os professores afirmam que é preciso ainda um ano de circulação epidêmica para poder descobrir isso.

 

EXPERIÊNCIA PRÉVIA – O Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia do Departamento de Biologia Celular da UnB é especialista em vírus. Lá, os pesquisadores já sequenciaram diferentes tipos de genomas de vírus, como de insetos, abelhas e vírus humano. Entre eles, estão o zika, arbovírus (causador da dengue) e o CHIKV (causador da chikungunya).

 

“Esses vírus são muito importantes, porque são vírus emergentes. E agora com o aparecimento do coronavírus, resolvemos ajudar, fazendo o sequenciamento também dele”, explica o professor Bergmann Ribeiro.

 

O trabalho de sequenciamento é feito por meio de projeto em vigor desde 2017 por meio de recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). “São recursos que ajudam muito e que dão a infraestrutura para fazermos o que estamos fazendo agora. A Ciência precisa de recursos públicos e nós somos muito gratos à FAPDF, que vem apoiando a pesquisa no DF já há bastante tempo. Queremos que ela continue apoiando; não só ela, mas os outros órgãos de fomento à pesquisa do Distrito Federal”, ressalta Ribeiro, que realizou o sequenciamento do coronavírus também com recursos de seu projeto de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

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