Pesquisa da UnB mostra, de forma inédita, que nanoformulação à base do óleo reduz proliferação de células tumorais e que as nanopartículas são mais estáveis, mais resistentes e com menor toxicidade para células não tumorais

Mateus Hidalgo/Creative Commons

 

O cerrado é considerado a savana mais rica do mundo: detém 5% das espécies de todo o planeta e 30% da biodiversidade do Brasil. Além disso, no bioma, existem mais de 220 espécies de uso medicinal. O pequi e o buriti são algumas delas. O pequi é um fruto proveniente do pequizeiro (Caryocar brasiliense) muito utilizado na culinária das regiões Centro-Oeste e Sudeste e parte do Nordeste. A polpa do fruto é rica em carotenos, antioxidantes e vitaminas, com importantes propriedades para a saúde humana.

 

O potencial terapêutico do óleo de pequi é portanto inegável. Porém, parte dos compostos bioativos presentes no óleo apresenta uma limitação para o seu uso na biomedicina: ele é hidrofóbico, ou seja, não é solúvel em água. Isso reduz as possibilidades de vias de administração e interação com células e tecidos. Não é possível, por exemplo, injetar o óleo de pequi diretamente no sangue do paciente, que é principalmente aquoso.

 

A fim de contornar o caráter hidrofóbico do óleo de pequi para fins terapêuticos, pesquisadores do Laboratório de Compostos Bioativos e Nanobiotecnologia (LCBNano-FCE/UnB) da UnB têm estudado como a nanotecnologia pode ajudar por meio de nanoemulsões.

 

“Com a nanotecnologia, conseguimos proteger os componentes do óleo, evitando a sua degradação. Além disso, conseguimos melhorar a associação de seus componentes com as células-alvo”, resume Graziella Anselmo Joanitti, da Faculdade de Ceilândia (FCE/UnB), professora nos programas de pós-graduação em Nanociência e Nanobiotecnologia e em Ciências e Tecnologias em Saúde, coordenadora da pesquisa e do LCBNano.

 

Uma nanoemulsão é um “pacotinho” com nanogotículas do óleo. As nanopartículas são compostas por duas fases, uma aquosa e uma oleosa, formando gotículas em escala nanométrica, com tamanho entre 20 e 500 nm. Desta forma, essas nanogotículas podem transportar compostos bioativos hidrofóbicos (como o óleo de pequi) favorecendo assim o aumento de sua atividade terapêutica, reduzindo sua toxicidade e melhorando a estabilidade de seus componentes.

Professora Graziella Anselmo Joanitti é coordenadora da pesquisa e do Laboratório de Compostos Bioativos e Nanobiotecnologia (LCBNano-FCE/UnB). Foto: Arquivo pessoal

 

ANTITUMORAL – Um dos focos das pesquisas do LCBNano é o uso da nanoemulsão do óleo de pequi para o tratamento e a prevenção do câncer de mama, que possui grande número de incidência entre as mulheres no Brasil e no mundo.

 

O trabalho resultou em artigo coletivo, assinado por 15 pesquisadores do LCBNano e de outros Institutos e laboratórios da UnB, intitulado Nanoemulsion-based systems as a promising approach for enhancing the antitumoral activity of pequi oil (Caryocar brasilense Cambess) in breast cancer cells, publicado na revista Journal of Drug Delivery Science and Technology da editora Elsevier.  

 

No artigo, os pesquisadores mostram que é possível colocar o óleo de pequi em nanogotículas e dispersá-lo em água. Além disso, apontam, de forma inédita, que a nanoformulação reduz a proliferação de células de câncer de mama. E, segundo a professora Graziella Joanitti, esses foram os grandes diferenciais do trabalho. “Isso foi um resultado incrível! Com a nanoformulação, há perspectivas de se ampliar as vias de administração do óleo de pequi. Não precisa ser só a via oral. Mostramos também no trabalho que as nanopartículas são estáveis, resistem a diferentes temperaturas e a diferentes condições e tempo de armazenamento. Também mostramos os efeitos nas células tumorais”, completa Graziella.

 

O estudo, que conta com recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), também fez testes em células não tumorais e constatou que o produto apresenta uma baixa toxicidade para essas células.

 

Em 2017, a equipe depositou um pedido de patente da nanoemulsão do óleo de pequi junto ao Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT/UnB).

À esquerda da foto, solução aquosa e surfactante; à direita, a nanoemulsão composta por solução aquosa, surfactante e óleo de pequi. Foto: Arquivo pessoal

 

QUIMIOTERÁPICOS – A professora Graziella ressalta que, apesar dos resultados positivos, não é possível atribuir um efeito milagroso ao óleo de pequi. “Nós avaliamos efeitos antitumorais promissores. Porém, a pesquisa está em fase inicial e ainda são necessários mais estudos”, destaca.

 

É possível que a associação do óleo de pequi com outras terapias já existentes para o tratamento do câncer possa resultar em um sucesso terapêutico ainda maior. Associar as nanoemulsões de óleo de pequi com quimioterápicos e também com outros compostos da biodiversidade brasileira é justamente o foco da tese de doutorado de Alicia Ombredane, do programa de pós-gradução em Nanociência e Nanobiotecnologia da UnB, orientada pela professora Graziella.  

 

“Estamos tentando melhorar ainda mais o efeito do óleo de pequi, adicionando outras moléculas anticancerígenas e moléculas derivadas de plantas, para conseguir aprimorar ainda mais os seus efeitos antitumorais. O objetivo é ver se conseguimos um efeito combinado, no sentido de potencializar o tratamento”, explica Alicia.

 

A doutoranda conta que já realizaram testes em células de câncer de mama in vitro, com resultados positivos. O próximo passo são os testes in vivo em camundongos. “Ainda não temos estudos em humanos, mas, caso os resultados finais sejam positivos, pode virar, sim, um tratamento complementar aos já existentes”, completa Alicia.

 

A pesquisadora afirma que pode ser possível ampliar a aplicação do tratamento para outros tipos de cânceres e outras doenças, como as respiratórias, inflamatórias e microbianas, por exemplo.

O estudo de Alicia Ombredane, do programa de pós-gradução em Nanociência e Nanobiotecnologia da UnB, associa as nanoemulsões de óleo de pequi com quimioterápicos e outros compostos da biodiversidade brasileira. Foto: Arquivo pessoal

 

BIODIVERSIDADE – O estudo mostra como o uso da nanotecnologia, que é uma das áreas científicas mais promissoras atualmente, pode potencializar a aplicação de moléculas da nossa biodiversidade, a exemplo do pequi.

 

A professora Graziella explica que podemos usar a nanotecnologia para agregar valor aos recursos naturais. “Podemos expandir a aplicação de compostos naturais nanoestruturados para o mercado e reforçar a necessidade de uma economia sustentável para a conservação da biodiversidade – a bioeconomia”, relata a pesquisadora.

 

Isso por que, segundo ela, a agregação de valor a compostos naturais por meio da nanotecnologia impulsiona uma cadeia de produção sustentável, englobando desde as cooperativas de famílias que extraem o óleo de forma sustentável, passando pelas indústrias (cosmética, farmacêutica e alimentícia), até as pesquisas feitas nas universidades.

 

>> Quer saber mais sobre as pesquisas de nanotecnologia da equipe do Laboratório de Compostos Bioativos e Nanobiotecnologia (LCBNano-FCE/UnB)? Confira alguns vídeos curtos (drops) na página do laboratório na internet e em seu perfil de mídia social.

 

Além dos estudos para entender melhor a ação do óleo de pequi no câncer de mama, o laboratório investiga potencial terapêutico e preventivo de outras substâncias a base de óleos derivados da biodiversidade brasileira, como buriti, andiroba, açaí e copaíba.

 

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.