Guarino Colli, do IB, afirma que é preciso ampliar e acelerar atuação para conservar espécies. No mundo, um quinto delas pode deixar de existir em breve

S. Blair Hedges/UT


As escamas, a cauda, os dentes afiados e o modo de locomoção, muitas vezes rastejante, nem sempre ajudam a atrair olhares simpáticos da sociedade para os répteis. Subvalorizados, de modo geral, eles vêm sofrendo ao longo dos anos principalmente por ações diretas humanas, sobretudo quando estas alteram os ambientes naturais. Esse fator é apontado por estudiosos como uma das maiores ameaças às espécies e subespécies desse grupo.


De acordo com artigo recentemente publicado na revista internacional de alto impacto Nature, 21% de todos os répteis do mundo correm risco de extinção. O número foi retirado da última Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas divulgada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que contou com a colaboração de mais de 900 cientistas de 24 países em seis continentes. A equipe, diversificada, analisou as necessidades de conservação de 10.196 espécies.

 

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Segundo Guarino Colli, professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da Universidade de Brasília e um dos coautores do artigo, o grande número de répteis viventes – cerca de 12 mil espécies – e a falta de empatia com esses animais fizeram com que eles fossem menos representados em avaliações anteriores.


“Há mais espécies de répteis do que de mamíferos, de anfíbios e de aves. Então, além da dificuldade de avaliar por causa do número de espécies ser maior, tem o fato de que, para a população, de maneira geral, quando se fala em réptil (jacaré, cobra, calango...) existe uma certa aversão ao invés de ter uma atração; normalmente é um sentimento de repulsa. Todo mundo fica preocupado se o panda vai ser extinto, o tigre, a onça pintada, mas quase ninguém fala de serpentes extremamente ameaçadas ou da tuatara", desabafa o docente.

A tuatara é o único representante vivo da ordem Rhynchocephalia (Sphenodontia). Hoje ainda pode ser vista na Nova Zelândia. Foto: Bernard Spragg

 

A tuatara, encontrada na Nova Zelândia, é o único membro vivente de uma linhagem que evoluiu no período Triássico, entre 200 e 250 milhões de anos atrás. O estudo publicado na Nature chama atenção para o tamanho do impacto que teria a extinção de espécies como esta: “Se cada um dos 1.829 répteis ameaçados fosse extinto, perderíamos um total de 15,6 bilhões de anos de história evolutiva – incluindo inúmeras adaptações para viver em diversos ambientes”. 


Guarino Colli destaca que, além da perda da história evolutiva daqueles seres, haveria também prejuízo em relação à diversidade genética, a qual poderia fazer falta em diversos aspectos.


“Se pensarmos nos genes, temos uma aplicação direta disso, seja em pesquisas, biotecnologia, agricultura, saúde. E quando falamos em engenharia genética, essa informação da diversidade genética, além de tudo, é útil para nós. E é estratégica, porque pode ser que haja muita informação ali que não usamos hoje, mas que pode ser importante no futuro”, pondera.

 

Para o docente, proteger os animais ameaçados de extinção é cuidar também do contexto maior em que estão inseridos. “Em última análise, é o ar que respiramos, é a água que bebemos, são os nutrientes que precisamos para as plantas, as culturas que alimentam a sociedade, a população humana. Porque usamos essas espécies como um termômetro para um diagnóstico do estado de saúde do ecossistema”, explica.


“Se estamos perdendo essa espécie, estamos perdendo outras, ou seja, estamos perdendo os ambientes naturais e os serviços que esses ambientes prestam para a nossa sociedade – falamos em serviço ecossistêmico, que é água, ar, qualidade de vida”, complementa o professor.


Agora, com os números atualizados da necessidade de proteção para 10.196 espécies de um total de 12 mil, aproximadamente, a expectativa dos pesquisadores é ter um panorama global do estado de conservação dos répteis. Assim, será cada vez mais possível comparar esse grupo com outros animais e avaliar se as medidas de conservação adotadas para mamíferos, aves e anfíbios, por exemplo, acabam incidindo também sobre ele.


FLORESTA X DESERTOS – Embora os répteis sejam bastante conhecidos por viver em ambientes áridos, como os desertos na Austrália, na África ou na América do Norte, a maioria das espécies mais vulneráveis é encontrada em ambientes fechados, como florestas.

Professor do IB Guarino Colli integra grupos brasileiros e internacionais de pesquisa para o mapeamento, o registro e a conservação de répteis. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

De acordo com o estudo, 30% dos répteis que habitam florestas estão em risco de extinção, em comparação com 14% dos répteis em ambientes áridos. A explicação é que, na floresta, eles sofrem ameaças como a exploração madeireira e a conversão desse ambiente para a agricultura.


“Esses números foram um pouco surpreendentes”, afirma o professor da UnB. “Mas é fácil explicar por quê: a principal ameaça à conservação das espécies de répteis é a conversão dos ambientes, ou seja, o uso da terra, principalmente para agricultura e pecuária. E isso não ocorre nas áreas áridas, porque ali não tem água. Então, mesmo que haja uma riqueza maior de espécies lá, a taxa de perda de ambientes naturais é muito mais alta em florestas.”


Guarino Colli ressalta que uma grande preocupação dos pesquisadores é com as espécies que vivem em áreas de pequenas distribuições geográficas, como as chapadas dos Veadeiros, dos Guimarães e Diamantina, e a Serra do Cipó, no caso do Brasil.


“É como se fossem ilhas, que têm um ambiente que é único e não ocorre em outro lugar, são isoladas. O maior número de espécies ameaçadas é de espécies com pequenas distribuições geográficas. Então, para elas, não tem outro jeito: tem que proteger as áreas onde elas ocorrem. Muitas delas já ocorrem em áreas protegidas, mas outras não ocorrem”, declara.


Colli lembra que seu grupo de pesquisa, em um estudo específico para o Cerrado, constatou que, entre as espécies que têm pequenas distribuições geográficas na região, 80% a 90% não estão em áreas protegidas.


“Significa que muitas dessas espécies vão ser extintas em breve, caso não haja uma mudança, e não estamos vendo mudança. Está havendo piora”, avalia.

 

As possibilidades, segundo o docente do IB, são estabelecer reservas ecológicas e restaurações de áreas degradadas que sejam capazes de contemplar os répteis da nossa fauna.

Laboratório de Herpetologia da Universidade tem o quarto maior acervo de répteis do país. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB


IMPACTOS – O fato de existir a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, na visão de Guarino Colli, já é positivo no sentido de chamar atenção da sociedade para o tema. Abre-se a possibilidade de novos debates, estudos, leis. Muitas vezes até se consegue barrar projetos de empreendedoras que não estejam levando a situação dessas espécies em consideração na hora de construir estradas, ferrovias, entre outros.


No Brasil, também existe a Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, do Ministério do Meio Ambiente, elaborada a partir da parceria com diversos especialistas pertencentes a mais de 200 instituições nacionais e internacionais.


A última, divulgada no último dia 8 de junho, traz 1.249 espécies e subespécies da fauna ameaçadas de extinção – o que corresponde a quase 6% das já mapeadas –, e entre estas, há nove espécies extintas. Na lista, há 71 répteis.


MUDANÇA JÁ – Os autores do estudo publicado na revista Nature observam que medidas urgentes e direcionadas de conservação ainda são necessárias para proteger algumas das espécies de répteis mais ameaçadas, como lagartos endêmicos de ilhas que são ameaçados por predadores introduzidos e aqueles que são mais diretamente impactados pelos seres humanos. Segundo eles, a caça é a principal ameaça a tartarugas e jacarés, por exemplo, que têm metade dos seus representantes em risco de extinção.

 
Os resultados da avaliação global dos répteis servem como uma linha de base que pode ser usada para medir mudanças no risco de extinção e acompanhar o progresso da recuperação de espécies ao longo do tempo. Esses achados também serão importantes para ajudar a orientar a alocação de recursos de conservação por meio da identificação das principais áreas de biodiversidade e outros locais onde a gestão ativa poderia evitar extinções.


“Existe uma mudança, mas essa mudança é muito lenta”, avalia Guarino Colli. “Ela deve ser mais rápida, o mundo todo está falando isso.”


COP 15 – No terceiro trimestre deste ano, em data ainda a ser definida, haverá a próxima etapa da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica e sua Conferência das Partes (COP15) em Kunming, na China. A expectativa, segundo o docente, é que se coloque o tema na pauta global.


“Essas reuniões são muito importantes, porque quando as Nações Unidas endossam ou defendem uma pauta, os Estados, países membros, vão ter que fazer algo minimamente para colocar na agenda. E o Brasil tem colocado”, afirma Colli. 

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