Artigo de pesquisadores da UnB, em parceria com cientistas da Unifal, UFPEL e UFSC, revela barreiras no acesso ao contraceptivo em grandes cidades

Da UnB Agência

A Contracepção de Emergência (CE), popularmente conhecida como pílula do dia seguinte, é uma ferramenta fundamental na proteção dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Estudo recente realizado por pesquisadores da Faculdade de Ciências da Saúde (FS/UnB) revelou, porém, que o acesso a essa importante forma de contracepção ainda enfrenta desafios significativos.

 

A pesquisa é desdobramento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Ana Carolina Pinheiro, graduada em Farmácia. “Tudo surgiu quando eu fazia estágio em uma Unidade Básica de Saúde e precisei fazer o descarte de muitas caixas vencidas de CE. Comecei a questionar se algo estava errado no acesso ou se era resultado de falta de conhecimento”, explica a egressa. 

 

O artigo, publicado, em inglês, em novembro de 2023, também é assinado pelos pesquisadores Bárbara Alves, Cláudia Pedrosa, Ivan Zimmermann e Rafael Santana, da UnB; Tiago Reis, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal); Andréa Bertoldi, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL); e Silvanar Leite, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

>> Leia: Availability of emergency contraception in large Brazilian municipalities: a guaranteed right?

 

O estudo analisa a disponibilidade à CE (levonorgestrel), em municípios com mais de 500 mil habitantes. O levantamento foi realizado por formulário enviado aos gestores das Secretarias Municipais de Saúde (SMS) e por pesquisa na lista de medicamentos padronizados pelos hospitais dos mesmos municípios. 

 

“Queríamos entender se esse direito estava realmente sendo garantido. Percebemos, contudo, que, ao invés de ter o acesso facilitado, elas encontravam barreiras”, revela Ana Carolina. “Esses entraves naturais são questões como o não funcionamento da UBS à noite e aos finais de semana. Mas há outras questões”, reforça o professor do departamento de Farmácia , Rafael Santana.

A pesquisadora Ana Carolina Pinheiro (Farmácia/FS/UnB) é a autora principal do estudo sobre a dispensação dos contraceptivos de emergência. Foto: Arquivo Pessoal

 

“Temos o problema da necessidade de prescrição, notada em quase 80% dos municípios analisados. Isso inviabiliza o uso por conta da demora”, pontua Rafael. Ele explica que, em outros países, a prescrição pode ser realizada por farmacêuticos e enfermeiros, por exemplo, o que garante a utilização rápida, já que o medicamento só tem efeito quando ingerido em até 72 horas após o ato sexual. 

 

O estudo revela ainda que o acesso hospitalar também é incerto. Apesar de 67% dos locais afirmarem disponibilizar o medicamento, em apenas 21% o CE consta entre os itens padronizados. Os resultados são preocupantes obstáculos para as mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica ou vítimas de violência sexual.

 

Os especialistas destacam que o estudo evidencia necessidade de medidas do poder público para garantir o acesso adequado ao CE em todo país. Ana Carolina Pinheiro lembra que essas medidas “são essenciais para promover a igualdade de gênero e proteger os direitos das mulheres”.

 

Entre as possibilidades para aprimorar o acesso ao contraceptivo de emergência no sistema público de saúde, Rafael Santana destaca a necessidade da dispensação – ato farmacêutico de distribuir um ou mais medicamentos a um paciente – sem prescrição médica; da ampliação dos pontos de acesso aos finais de semana e em regime de 24 horas.

 

Além disso, o docente ressalta a indispensabilidade de adoção de manual unificado e mais claro para orientar a distribuição do método contraceptivo. “Estamos elaborando um novo estudo sobre o protocolo de atendimento à mulher, com a perspectiva de ser material de referência. Esperamos que possibilite o treinamento dos profissionais quanto à prescrição e temos a expectativa de entregá-lo ao Ministério da Saúde”, revela.

 

DIREITO CONQUISTADO? – A Contracepção de Emergência (CE) está disponível no Brasil desde 1996, quando foi adotada como uma das estratégias de planejamento familiar. Em 1998, passou a ser utilizada em serviços de atendimento a vítimas de violência sexual.

 

No país, o uso é regulamentado por diretrizes e o acesso garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas não é claro o suficiente para que haja a unificação do atendimento, como aponta o artigo.

“Esse artigo é inovador, pois havia nada sobre a dispensação. O que demonstra que temos direitos, mas ainda são muito feridos. Umas das principais dificuldades é que ainda acham que o CE é um abortivo, o que não é”, salienta a farmacêutica.

Professor da FS, Rafael Santana foi o orientador do TCC que originou o artigo publicado. Foto: Arquivo pessoal

 

Além da dificuldade de acesso pelo SUS, os pesquisadores falam sobre os julgamentos às mulheres. “Outros estudos que revisitamos revelaram que 95% das mulheres paulistas obtiveram o produto em farmácia. Sabemos, contudo, que mulheres mais pobres podem não estar utilizando o método, o que atrapalha o planejamento familiar. Isso pode acontecer pelas barreiras de acesso, por falta de informação e por manuteção de mitos”, comenta Rafael.

 

“Escutamos histórias de muitas mulheres que contaram terem se sentido julgadas no ato da compra. Por isso, a compra geralmente é feita pelo parceiro. O acesso nas UBS, por meio de uma equipe preparada, evita não só críticas e preconceitos, mas possibilita o acolhimento a essa mulher e oferta de informações sobre métodos contraceptivos de barreira", reflete Ana Carolina. 

 

A pesquisadora reforça que a contracepção de emergência é ferramenta essencial para o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Seja porque o método de contracepção para evitar uma gravidez indesejada falhou, ou por ter ocorrido violência sexual, “garantir o acesso facilitado, universal e equitativo é crucial para a promoção da saúde e da autonomia das mulheres”, frisa.

 

INDICAÇÃO – O levonorgestrel é um medicamento destinado à prevenção de gravidez após uma relação sexual desprotegida, quando há suspeita de falha do método contraceptivo usual, ou em casos de violência sexual. Deve ser tomado em até 72 horas após o ato sexual, pois sua eficácia diminui com o tempo, não sendo recomendado para uso contínuo.

 

Seu mecanismo de ação pode inibir ou atrasar a ovulação, dificultar a entrada do espermatozoide no útero, ou alterar a passagem do óvulo ou espermatozoide pela tuba uterina. Não impede, contudo, a evolução da gravidez após a implantação do ovo no útero, de forma que é um medicamento que não interrompe a gestação, portanto não é abortivo. 

 

"A pílula do dia seguinte é, inclusive, uma opção que evita a mulher realizar um aborto ilegal. É uma questão de saúde pública e muitas não sabem disso", lamenta a farmacêutica. 

 

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