Professores reunidos em encontro de debates pelos 100 do filósofo canadense questionaram uso do termo criado por Marshall McLuhan para descrever a realidade atual

 

O filósofo Marshall McLuhan cunhou, na década de 60 do século passado, o polêmico conceito de aldeia global para descrever um mundo em que todos estariam interligados em uma cultura unificada por meio da tecnologia. Meio século depois, muitos acreditam que esse tempo já chegou graças à internet. Vinícius Pereira, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), discorda de tal visão. Na abertura do Seminário 100 anos McLuhan, nesta quinta 10, ele defendeu que a utopia concebida pelo canadense está longe de ser alcançada.


Marshall McLuhan revolucionou a reflexão sobre as novas tecnologias de comunicação no século XX – na época a televisão, o cinema e o rádio. O pensador canadense elaborou ideias que são referência até hoje para os estudos na área: como a de que os meios de comunicação funcionam como uma extensão do homem. McLuhan, que completaria 100 anos em 2011, era um teórico da comunicação e educador, morto em 1980. Criou da frase "o meio é a mensagem", para definir a influência da televisão, entre outros meios eletrônicos, no modo de pensar da sociedade ocidental contemporânea.

“Para entender o conceito de McLuhan é preciso imaginar uma cidadezinha pequena”, observa Vinícius. “Nela, a principal forma de comunicação é o boato”. O especialista lembrou como o boato monopoliza o conteúdo das conversas. “Ele só é compreendido se existe uma experiência comum entre os interlocutores”. Ou seja, se eles se conhecem bem. Por exemplo: numa cidadezinha do interior, quando alguém conta uma fofoca sobre o namoro de Mariazinha com Antônio, isso só faz sentido para a população local, que tem relações íntimas com a dupla. Ao contrário de McLuhan, Vinícius defende que a internet diminuiu o número de referências compartilhadas. “Ela criou grupos muito distintos, mas ligados entre si” (pela rede mundial de computadores). O professor aprofunda a tese no livro “Estendendo McLuhan: Da aldeia global à teia global”.


Paulliny Gualberto, recém formada em jornalismo, aproveitou o momento aberto para a participação da plateia presente para lembrar que McLuhan era otimista sobre o uso das novas tecnologias. “Ele ressaltava como os negros, por exemplo, passavam a ser convidados a participar da televisão e do rádio”. A estudante perguntou se a aldeia global não poderia ser considerada uma realidade, já que as novas tecnologias permitem que vários grupos sociais tenham uma função no todo.


INCLUSÃO -
 Vinícius respondeu chamando a atenção para o modo como a mídia trata grupos minoritários. “A inclusão só ocorre sob rígidos padrões e controles”, destacou. O jornalista Francisco Pereira, que também estava entre os espectadores, contou que a aldeia global de McLuhan é usada como argumento contra a reserva de 30% da programação televisiva para a produção regional. “O patronato diz que a proposta não faz sentido, visto que já vivemos nessa utopia” (a aldeia global), conta Francisco, que é sindicalista e defensor da regulamentação do artigo 221 da constituição – que prevê o espaço.


Junto com Vinícius na primeira mesa do evento, o filósofo mexicano Jesús Martinez destacou que McLuhan concebia a comunicação como uma forma de transformação social. “Quem entra em contato com uma nova tecnologia muda a forma como percebe o mundo”. Outro aspecto do pensamento do canadense ressaltado por Jesús foi seu conceito sobre o papel da arte na criação de um conhecimento ligado às questões da atualidade. “Para ele, o artista é quem mais tem consciência da natureza do momento presente”.


Para Jesús, a proposta do artista Ricardo Dominguez, professor da Universidade da Califórnia, reúne os dois pontos da teoria de McLuhan. Dominguez adaptou um celular com acesso ao sistema de GPS para ter um design acessível por qualquer usuário – independente do nível de instrução. “A tecnologia permite a imigrantes na fronteira entre Estados Unidos e México encontrarem água e abrigo no deserto”, conta Jesús. Depois de organizações humanitárias distribuírem os aparelhos entre imigrantes, Dominguez chegou a ser alvo de investigação do FBI. "A atitude ousada dele se insere no entendimento de McLuhan do papel revolucionário da arte e da tecnologia”, afirmou Jesús.


O Seminário 100 Anos McLuhan promove debates sobre a obra do autor até esta sexta, 11 de novembro. Acesse programação e transmissão ao vivo aqui.

 

Todos os textos e fotos podem ser utilizados e reproduzidos desde que a fonte seja citada. Textos: Secom/UnB. Fotos: nome do autor - Secom/UnB

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