Diante dos 130 mil doutores titulados no Brasil nos últimos 20 anos, sociólogo Manoel Santana Cardoso defende um novo modelo de relacionamento entre as universidades e o setor produtivo.

Nos últimos 20 anos, foram titulados 130 mil doutores no Brasil – um aumento de quase nove vezes na escalada pelo conhecimento acadêmico. No entanto, para o país alcançar um efetivo e continuado progresso social e econômico, é necessário instituir um novo modelo de relacionamento entre os centros geradores de saber e o setor produtivo. A afirmação é do Coordenador Geral de Programas Estratégicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Manoel Santana Cardoso, em tese recentemente defendida na Universidade de Brasília.


Por considerar bastante expressivo o aumento na titulação acadêmica, o pesquisador investigou se esse contingente corresponde às urgências do país. Segundo ele, “considerando-se tanto a extensão do país quanto as graves e persistentes desigualdades sociais, a resposta ainda é negativa”. Manoel, no entanto, pondera que o mercado brasileiro está pronto para absorver esses doutores, passando a valorizar os profissionais que investem em pesquisa.


INOVAÇÃO E SETOR PRODUTIVO –
Para ilustrar essa afirmação, a partir de cruzamento de informações colhidas em várias fontes – pesquisas, relatórios oficiais, artigos e fontes primárias –, o pesquisador conta que aproximadamente dois terços dos doutores titulados no Brasil estão envolvidos em atividades de pesquisa e desenvolvimento, incluindo a iniciativa privada. “As empresas têm perseguido inovação e sustentabilidade. Soluções tecnológicas inovadoras atravessam toda a cadeia produtiva. E é claro que a Petrobras precisa ter em sua equipe pesquisadores de ponta para explorar o riquíssimo potencial de pré-sal”, exemplifica.


Conforme observa o pesquisador, estatísticas recentes sobre o número de formados por área de conhecimento ilustram o que a nova realidade econômica do país e o mercado têm oferecido em oportunidades profissionais. Entre os que obtiveram o título de doutorado em 2011, as Engenharias foram campeãs, com 1346 formados - seguidas por Medicina (1297), Ciências Biológicas (1188) e Ciências Agrárias (851). Na distribuição por unidade federativa, a região Sudeste lidera com 7929 doutores, seguida por Sul (2007) e por Nordeste (1535).


“Como segurar na Academia um pós-doutorando com uma bolsa de R$3,7 mil se o mercado oferece remunerações tão mais convidativas?”, indaga. “É fundamental conciliar os interesses – tanto dos pesquisadores e centros de conhecimento quanto das empresas que precisam de pesquisa e inovação”, defende. “Por isso, há a necessidade de um novo modelo de relacionamento entre universidade e setor produtivo.”


Na burocracia pública, por sua vez, entre 1995 e 2008 o percentual de profissionais com doutorado nos quadros da máquina estatal aumentou quase sete vezes, passando de 0,8% a 6,3% - para Manoel Santana, “um incontestável indicativo da busca de excelência de serviços prestados pelo Estado”. "Na Capes, por exemplo, de 400 servidores, 8% são doutores", conta.


ACADEMIA E REDUTO -
Em sua pesquisa, Santana atestou ainda que, “no Brasil, o locus natural do pesquisador é a Academia, o espaço de interlocução com seus pares”. De acordo com seu levantamento, atualmente, dos 83.443 mil docentes atuantes nas instituições federais de ensino superior no país, 45.292 professores dispõem de doutorado. “Esse movimento de procurar, produzir e circular conhecimento dentro das próprias universidades é algo da cultura brasileira”, diz.


Manoel Santana mostrou também como as agências de fomento e os planos nacionais de pós-graduação contribuíram para expandir e consolidar o mercado de trabalho acadêmico brasileiro como ferramenta estratégica de desenvolvimento. “Esses planos constituíram balizadores de uma política de sucesso. Não à toa, em duas décadas, o quantitativo de doutores cresceu mais de oito vezes, saltando de 1.410, em 1990, para 12.217, em 2011”, avalia. Para ele, “os 60 anos de existência tanto da Capes quanto do CNPq influíram na mudança de mentalidade e na indução progressiva à pesquisa”.


PROJETOS -
Apaixonado confesso pelo que chama de “maravilhoso mundo da pesquisa” e servidor da carreira da Capes desde 1997, Manoel Santana, antropólogo de formação, se diz filho da UnB: “Toda a minha vida acadêmica foi aqui, da graduação ao doutoramento. Na verdade, assumo-me como um antropólogo convertido à sociologia”.


De olho no futuro da pesquisa, desenvolvimento e inovação no país, Manoel conjuga sua atuação como coordenador de programas estratégicos na Capes às atividades acadêmicas, “convergindo fascínio pessoal com o propósito institucional que persegue um país mais bem formado e qualificado", adiantando que já está em curso um possível e próximo projeto de doutorado, exatamente na mesma linha de pesquisa: o mercado de trabalho acadêmico e a necessidade de um novo modelo de relacionamento entre o setor produtivo e os centros geradores de conhecimento.