Estudo usa lipídeos da microbiota intestinal com finalidade terapêutica. Resultados mostraram importantes efeitos para tratamento de doenças hepáticas

Mozaniel Silva/Secom UnB

Pode parecer difícil imaginar um tratamento para a saúde que utilize fezes, mas ele existe. Chamado de transplante de microbiota fecal, o procedimento médico ainda não é regulamentado, mas já consolidou-se no Brasil como opção de tratamento contra infecção intestinal grave. Um grupo de pesquisadores da UnB propôs uma nova terapia, ainda mais inovadora, como alternativa para essa e outras enfermidades.

 

Trata-se da utilização isolada dos lipídeos da microbiota intestinal com intuito terapêutico. A inovação é o uso do extrato de metabólitos lipídicos produzidos por bactérias intestinais, eliminando a necessidade de lidar com organismos vivos, como as próprias bactérias, que podem ser patogênicas.

 

“Basicamente, a gente extrai os lipídios das fezes de indivíduos saudáveis para dar para indivíduos doentes. No primeiro momento, focamos na síndrome metabólica, como a obesidade. Mas esperamos expandir para diversas outras doenças, inclusive neurológicas e comportamentais”, explica o líder do grupo do estudo, professor de Farmacologia (FAR/FS/UNB) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Patologia Molecular (PPGPM/FM), Guilherme Santos.

Da esquerda para a direita, as pós-graduandas Pamela Valim e Natalia Montenegro, o professor Guilherme Santos e a graduanda em Medicina e aluna de iniciação científica, Aline Fujita. Foto: Mozaniel Silva/Secom UnB

 

O primeiro estudo dessa linha de pesquisa foi publicado em 2022, na revista Trends in Molecular Medicine, com o título Lípidos da microbiota intestinal: buscando um tratamento personalizado. O texto discute os resultados do trabalho com células, sugerindo ser uma terapia diferenciada.

 

Além do professor, também assinam o artigo as pós-graduandas Pâmela Carneiro e Natália Montenegro e a professora Angélica Amato, além do pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), nos Estados Unidos, Addison Lana. O grupo está com a segunda fase do estudo, desta vez usando modelos animais (camundongos), pronta para ser publicada.

 

“Esse é o trabalho experimental que colocou a ideia em prática em modelos animais. Primeiro eles foram engordados e depois tratados com os lipídeos fecais saudáveis”, explica o professor. “Como resultado, houve um achado inesperado no fígado, muito importante para o tratamento da esteatose hepática”, revela.

 

“Estamos esperando a revisão e publicação desse trabalho, para estender a pesquisa para humanos. Também vamos isolar os grupos de lipídios, que são mais de 550, para testar as respostas de cada grupo”, comenta Guilherme. “Para a próxima fase, precisamos de voluntários e investimento. Com isso, em pouco tempo, já conseguiríamos comercializar essa fórmula como um suplemento alimentar”, salienta.

 

ENTENDA – O transplante de microbiota fecal (FMT) é um procedimento relativamente simples, que transfere bactérias intestinais de um doador saudável para alguém com problemas na microbiota (flora) intestinal. A nova pesquisa se concentra nos lipídios derivados dessa microbiota intestinal, que é uma espécie de comunidade de microrganismos que compõem o intestino, incluindo bactérias, fungos e vírus.

 

Essas bactérias desempenham um papel fundamental na modulação das características individuais, produzindo metabólitos. Assim, a microbiota fecal atua através de moléculas, sendo os lipídeos uma das classes de moléculas que regula as funções do hospedeiro. Eles, por sua vez, são compostos por carbono, oxigênio e hidrogênio e têm um papel crucial na regulação da sinalização celular e no funcionamento do corpo.

 

O professor explicita que a versatilidade do estudo, iniciado em 2018, é promissora, tanto pela possibilidade de expansão para outros tratamentos, quanto por não utilizar organismos vivos. Além disso, o potencial terapêutico é mais barato.

Em laboratório, os pesquisadores realizam a seleção dos extratos de metabólitos lipídicos produzidos por bactérias intestinais. Os lipídios das fezes de indivíduos saudáveis são usados para tratar doenças. Foto: Mozaniel Silva/Secom UnB

 

“Então, em 2019, durante um pós-doutorado na Universidade da Califórnia em San Diego, observei que havia um grupo que trabalhava na caracterização de lipídios. Eu apresentei esse meu projeto e eles tiveram interesse. Foi aí que teve início nossa parceria”, afirma.

 

“Aqui no Brasil, trabalhamos com o modelo experimental de obesidade em camundongos, tratando os animais com o extrato lipídico de fezes. Na UCSD, eles realizaram a lipidômica, que utiliza uma máquina para identificar os lipídios contidos neste extrato de fezes. Recebemos os dados sobre cada grupo e fizemos a análise”, esclarece.

 

INCENTIVO – “Esse artigo, que foi publicado no ano passado, também derivou do meu trabalho de conclusão de curso, em Farmácia. O professor Guilherme Santos era meu orientador e foi lá que começamos a fazer o manuscrito deste texto”, diz Pâmela Valim, mestranda em Patologia Molecular.

 

“Demos continuidade, estruturamos e aprofundamos a questão dos lipídios. Mas toda essa continuidade de trabalho de pesquisa só é possível com as bolsas de incentivo”, avalia a doutoranda Natalia Montenegro.

 

O grupo de pesquisa possui bolsas em aberto. Os interessados podem procurar o Laboratório de Farmacologia Molecular (FarMol/FS) para se candidatar. 

 

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.