Longe da sedução dos laboratórios e das viagens, matemáticos contam com a intuição e desenvolvem seus próprios meios para resolver problemas que parecem impossíveis.

É ao som do clássico Ludwig van Beethoven e dos pagodeiros do Exaltasamba que Diego Marques costuma mergulhar na pesquisa dos números. Não se pense que o jovem professor escolhe o gênero musical inspirador de acordo com o humor do dia. “Coloco os dois CDs de uma vez”, ressalta. Segundo o pesquisador de 27 anos, o estranho hábito funciona como um exercício para o cérebro. “Gosto de tentar me desconcentrar para trabalhar o foco durante os exercícios”, explica ele.


O professor compara o método ao treino de jogadores de futebol, que correm com pesos nos pés para aumentar a resistência física. “Em um dado momento, eu desligo uma das músicas”, conta. “É como se o jogador tirasse o pesos dos pés e seguisse correndo, agora numa velocidade maior”, completa. A malhação intelectual surte efeito. Pelo menos no caso de Diego. Aos 27 anos, além de membro da Academia Brasileira de Ciências ele conquistou o título de doutorado em menos tempo na história da UnB: três meses.


O método de Diego é apenas uma das peculiaridades do universo que envolve as pesquisas em Matemática. Ao contrário das outras ciências, onde pesquisadores se enclausuram em laboratórios ou em viagens de campo, o desafio de solucionar uma equação ou criar um teorema envolve papel, caneta e intuição. A tão misteriosa “intuição” – que segundo Aurélio Buarque de Holanda significa o ato ou a capacidade de pressentir – é peça fundamental na lida com cálculos complexos.


Professor da UnB desde 1974 e atual diretor Instituto de Ciências Exatas (IE), Noraí Rocco explica que todo pesquisador em Matemática tem um pouco de visionário. “Quando estamos debruçados sobre a mesa, focado nos cálculos, temos que enxergar caminhos que não existem”, diz. “Muitas vezes a solução para uma equação surge de um insight, quando menos se espera”, completa ele, ressaltando que a prática constante de exercícios matemáticos ajuda a “fortalecer a intuição” na pesquisa.


Apesar de não abrirem mão de um punhado de canetas e folhas em branco como forma de caminho à inspiração, Noraí e Diego não estão alheios aos avanços da tecnologia. Os dois abusam de ferramentas virtuais para fazer ciência. Segundo eles, o uso de softwares como o MathSciNet – da Sociedade Americana de Matemática – poupa um tempo valioso durante as pesquisas. “Equações mais simples, mas que poderiam demorar horas para serem feitas, o programa soluciona em minutos”, conta Noraí.


PARA QUE? – Toda pesquisa científica tem a perspectiva de transformar conhecimento em benefícios para a sociedade, mas nem sempre. No mundo da Matemática pura, o resultado conquistado com esmero e disciplina budista pode não ter aplicação prática. “O motor dos matemáticos é o desafio de resolver ou mesmo criar problemas aparentemente sem solução”, afirma Diego. “E essas questões não necessariamente surgem da necessidade de uma aplicação prática”, completa.


No século XVII, a descoberta dos números primos – aqueles que só são divisíveis por 1 e por ele mesmo, como 2, 3 e 5 – não tinha outra função além de entreter os matemáticos na busca por novos números que se encaixassem na regra. Três séculos depois, no entanto, achado aparentemente sem utilidade se transformou na base da criptografia: uma das principais ferramentas para garantir a segurança na transferência de dados em transações eletrônicas, como o uso do cartão de crédito via internet.


Entre as áreas de pesquisa da Matemática Pura encontram-se a álgebra, a geometria e a análise. Basicamente, a primeira estuda a relação entre equações – como a famosa regra de três –, a segunda engloba problemas ligados às formas e grandezas – triângulos, quadrados e octógonos – e a última trata da análise dos fenômenos físicos, como, por exemplo, calcular a velocidade de partículas em movimento. “Pesquisas nessas áreas podem ou não ter vínculo com alguma demanda aplicada”, conta Diego.


APLICADA –
 Mas não se pense que a Matemática está alheia do dia-a-dia. Pelo contrário. As relações numéricas estão em toda parte: do planejamento do telhado de uma casa ao sistema de entrega de uma pizzaria. A chamada Matemática Aplicada é aquela vinculada às outras áreas do conhecimento, como a Física, a Arquitetura e a Ciência da Computação. “Nestes casos, as pesquisas que tratam da relação da Matemática com outras áreas ocorrem em laboratório ou no campo”, conta Rocco.


O professor ensina que a tarefa dos matemáticos dessa área é aplicar métodos numéricos em situações mais complexas como, por exemplo, a extração de petróleo do fundo do mar. “Nesse caso é preciso entender a dinâmica de fluídos, pois trata-se de um líquido viscoso em um meio poroso e de difícil acesso”, aponta Noraí Rocco. “E esse entendimento vem por meio de cálculos numéricos”, observa. Entre as áreas aplicadas da Matemática estão a Estatística, a Probabilidade e a Mecânica.


Puro ou misturado, o produto da soma Matemática mais pesquisa é igual à paixão. Somente um apaixonado pelos mistérios dos números consegue a disciplina necessária para lidar com a mais exata das ciências exatas. “Ela é pouco atraente, não conta com os atributos sedutores de um laboratório ou de uma viagem para algum lugar remoto”, afirma Diego. “Mas não há nada mais gratificante do que encontrar a solução de uma equação pelo simples prazer de superar o desafio”, completa.


O Departamento de Matemática da UnB iniciou suas atividades em abril de 1962, ano de fundação da universidade. Além de ministrar disciplinas regulares para as áreas de Arquitetura, Administração e Economia, a unidade fundou um programa de estudos que concedeu os primeiros graus de mestre a pesquisadores da área no Brasil, em julho de 1964.

 

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