O Bean necrotic mosaic vírus causa necroses nas plantações de feijões e não é nocivo a saúde humana, mas a possibilidade de provocar queda de produtividade preocupa especialistas. Novos estudos vão verificar se praga ataca também a soja.

A observação de um professor experiente e a insistência de um pesquisador novato foram responsáveis por uma nova descoberta na área da Biologia. Athos de Oliveira identificou um novo vírus no feijão a partir de uma amostra encaminhada à Universidade de Brasília pelo professor aposentado do Instituto de Ciências Biológicas, Elliot Kitajima, atualmente na Universidade de São Paulo.


O Bean necrotic mosaic vírus é do gênero tospovírus, que geralmente ataca hortaliças e causa necroses em plantas. Embora algumas espécies causem verdadeiros prejuízos às plantações, como o tomate, por exemplo, o novo vírus ainda não mostrou esse poder. Mas a possibilidade de uma queda de produtividade em conseqüência da infecção pelo vírus preocupa os pesquisadores. O Brasil é o maior produtor mundial de feijões, embora não seja líder de exportação do produto.


Athos sequenciou o genoma do novo vírus e comparou com outros do mesmo grupo. O resultado mostrou que ele é geneticamente distante de todos os outros do gênero. “Em geral, esse grupo não infecta feijões de forma sistêmica, e é por isso que ele realmente é muito distinto”, explica Athos, autor da dissertação Bean necrotic mosaic vírus: um novo e distinto tospovírus brasileiro, defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Molecular.


Athos e os especialistas envolvidos no estudo acreditam que o vírus é transmitido pelo inseto tripes, responsável pela transmissão de todos os vírus desse gênero. “Esse inseto é o vetor que carrega os vírus do gênero tospovírus”, explica Athos. O que preocupa os pesquisadores é a possibilidade de que o Bean necrotic mosaic vírus atinja também as plantações de soja. “Se infecta o feijão, pode infectar também a soja”, afirma o Renato Resende, orientador do estudo, que dará início ainda este ano a estudos em laboratório para verificar como a soja reage ao novo vírus. “É importante ressaltar que vírus que infectam plantas não são nocivos à saúde humana, mas, sim, à saúde vegetal”, lembra Athos.


O Bean necrotic mosaic vírus foi encontrado em Piracicaba, São Paulo, numa plantação de 200 m², no campus universitário da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP). “Esse fenômeno é estudado desde 2006 pelo professor de fitopatologia da ESALQ Elliot Kitajima”, conta o pesquisador Athos de Oliveira.


Foi o professor Kitajima que observou na plantação as lesões necróticas, que denunciam sintomas de infecção por tospovírus. Kitajima fez a primeira análise de folhas infectadas utilizando a microscopia eletrônica para tentar identificar partículas virais. A partir desse exame, ele supôs que o vírus pertencia ao gênero tospovírus por conta da composição morfológica das partículas analisadas. “O vírus foi visto em uma plantação pela primeira vez na década de 60 no Instituto Agronômico de Campinas pelo professor Álvaro Santos Costa”, conta Kitajima. Só que até então não havia sido estudado com profundidade.


Kitajima enviou algumas amostras da planta para o orientador da pesquisa. Foi assim que Athos comprovou, com experimentos sorológicos e moleculares, que o vírus realmente faz parte do gênero tospovírus. O Bean necrotic mosaic vírus não é semelhante a nenhum outro vírus pertencente ao mesmo gênero.


O professor aposentado alerta que embora esse vírus não tenha importância econômica, pode ocorrer um crescimento populacional do inseto tripes. “Aconteceu um problema grave com plantações de feijão quando aumentou a presença da mosca branca”, lembra o professor, referindo-se a uma outra praga. Para impedir a contaminação algumas providências podem ser tomadas pelos agrônomos como plantar milho ao redor da plantação de feijão para dificultar o caminho do tripes. Outra saída é entender o ciclo do vírus e tentar fazer um controle do vetor ou também procurar plantar espécies resistentes ao vírus. “Tudo isso ainda precisa ser estudado”, ressalta Kitajima.


BATISMO –
Para entender quem seriam os possíveis hospedeiros, Athos fez testes de sintomatologia e espectro de hospedeiros. O resultado mostrou que das 20 plantas que entraram em contato com o vírus por inoculação mecânica, apenas três apresentaram algum sintoma, como, por exemplo, o nanismo.


O próximo passo foi purificar o vírus para fazer os estudos sorológicos necessários para detectar a presença do vírus em outras plantas. E também para a comparação entre as proteínas dos vírus. Athos injetou o vírus em um coelho para induzir a produção de anticorpos contra o vírus. Foram três aplicações do vírus a cada 15 dias. “Infectei outras plantas e verifiquei que o anticorpo estava funcionando”, disse. Na etapa seguinte, ele comparou o novo vírus com outros do mesmo grupo para identificar as diferenças entre eles.


O nome do novo vírus é composto pelo nome do hospedeiro do vírus, o feijão (em inglês bean), e depois pelos sintomas que causa na plantação, o mosaico necrótico (necrotic mosaic). Para registrar a novidade é preciso submeter um artigo a uma revista científica e depositar o genoma sequenciado no banco de dados GenBank. O nome precisa passar ainda pelo Comitê Internacional de Taxonomia de vírus. “Especialistas do mundo inteiro analisam a nomenclatura. Esse comitê julga todos os vírus de plantas e animais”, explica Renato Resende, que participa do comitê.