Estudo desenvolvido pelo professor Carlos Alexandre dos Santos mostra como aspirações camponesas ainda organizam as comunidades quilombolas do Mato Grosso do Sul.

A melhor tese de doutorado do país em Antropologia foi produzida na Universidade de Brasília. A história dos quilombolas no Mato Grosso do Sul, sob a perspectiva do campesinato e da memória de seus idosos, além da luta política pelo direito à terra dessas comunidades, resultou em mérito e reconhecimento à pesquisa desenvolvida pelo professor-substituto do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Carlos Alexandre Plínio dos Santos. O estudo foi selecionado pelo Prêmio Capes de Tese Edição 2011, divulgado nesta semana. Foram eleitas as 45 melhores teses de doutorado, defendidas em 2010, em diferentes áreas do conhecimento.


Sob a orientação da professora Ellen Fensterseifer Woortmann, Carlos Alexandre demonstrou em sua tese que as aspirações camponesas que orientaram a formação dos primeiros quilombolas são as mesmas que até hoje mantêm as 17 comunidades rurais negras que investigou, no Mato Grosso do Sul. São ideais como acesso à terra, formação de famílias e controle do processo de trabalho.


Para o pesquisador, as interações ocorridas entre ex-escravos da região pesquisada e das fazendas escravocratas do Triângulo Mineiro e do sul de Goiás ocasionaram o que ele chamou de “irmandade”, ou seja, “uma união que tem como principal objetivo a preservação de um projeto camponês”. A partir desse processo, novos núcleos se fortalecem e se organizam, “interligando, até mesmo, territorialidades espacialmente descontínuas”.


O professor explica que “a terra, como núcleo organizador, continua a orientar as comunidades negras rurais, embora, agora, essa luta esteja ressignificada, já que antes era baseada no parentesco e no compadrio, e atualmente está conformada a um campo político representado pelo Movimento Quilombola e pelo Movimento Negro”.


Para o professor, a premiação é mais que um reconhecimento pessoal, mas também das comunidades investigadas em seu estudo. “Esse prêmio é interessante por dar visibilidade a uma luta histórica legítima, especialmente agora, em um momento político conflituoso, onde de um lado estão comunidades negras rurais quilombolas e os movimentos de resistência e de outro, governos estaduais, prefeituras e entidades de interesses agropecuaristas”. O pesquisador cita o julgamento da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, o qual confere direito aos quilombolas quanto à titularidade das terras ocupadas, a partir de ação impetrada pelo Partido Democratas.

IDOSOS - Entre 2006 e 2010, Carlos Alexandre dedicou ao todo doze meses a um trabalho de campo etnográfico e documental. Foram quase cem entrevistas, principalmente com pessoas idosas e nas comunidades quilombolas Dezidério Felippe de Oliveira e Tia Eva. “Como percebi no trabalho de campo, houve uma grande preocupação dos idosos no sentido de que suas memórias não se perdessem, por isso a pesquisa sobre o passado deles e dos seus ascendentes foi central para minha pesquisa”, relata. “Somada à luta pela terra, resgatar essa memória significa recompor uma história que a História Oficial se negou a contar”.


Carlos Alexandre destaca que sua preocupação foi a de não deixar cair no esquecimento os parentes já falecidos, a luta de homens, mulheres e famílias que atravessou gerações por um pedaço de terra, os parentes assassinados, suas tradições e memórias pessoais. “Reconstituir essa outra história é reafirmar a identidade dessas comunidades, de nossos negros, de nosso Brasil”, comentou. “Não fosse o apoio do Departamento de Antropologia da UnB, fórum de excelência da universidade, essa pesquisa não teria alcançado tamanho êxito e alcance”, elogiou. O curso de Antropologia da UnB é avaliado pela Capes com nota máxima: 7. As avaliações são feitas a cada três anos. A última foi em 2010.


A cerimônia de entrega dos prêmios aos autores e da distinção aos respectivos orientadores e programas de pós-graduação ocorrerá no edifício-sede da Capes, em Brasília, no dia 11 de julho.