Serão dois estudos diferentes conduzidos no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e também por meio de parcerias fora do Distrito Federal

Da UnB Agência

 

Desde que o novo coronavírus (SARS-CoV2) surgiu, há cerca de quatro meses, cientistas do mundo todo têm concentrado esforços para tentar encontrar o melhor tratamento para a doença (Covid-19), principalmente para os pacientes que desenvolvem o quadro mais grave. Muito tem se falado sobre o tratamento a base da cloroquina, um medicamento usado há décadas para tratar outras doenças, como malária e artrites.

 

Porém, até o momento, não existem estudos científicos realmente conclusivos que atestem se a cloroquina é eficiente ou não para tratar a Covid-19. Além disso, pesquisadores procuram qual seria de fato a melhor intervenção terapêutica para os pacientes com insuficiência respiratória no âmbito do novo coronavírus.

 

Pensando nisso, dois grupos de pesquisadores da UnB resolveram avaliar, de forma empírica, algumas possibilidades de tratamento, notadamente a eficácia da cloroquina para tratar a Covid-19.

 

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Um dos projetos está sendo coordenado pela professora da UnB e hematologista Flávia Dias Xavier e será um “Ensaio clínico multicêntrico, prospectivo, randomizado para avaliação do uso de hidroxicloroquina, azitromicina ou imunoglobulina em pacientes com insuficiência respiratória por Covid-19 nos Hospitais Universitários Federais da Rede EBSERH” e contará com uma equipe atuante de cerca de 12 profissionais da área de Saúde.

 

A pesquisa inclui dois outros medicamentos (azitromicina e imunoglobulina) e será randomizada, ou seja, os participantes serão sorteados para ver que tipo de medicamento vão receber. Será multicêntrica, pois vai acontecer em vários hospitais da rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), e prospectiva, pois os pacientes serão acompanhados a partir da internação. “Não olhamos para trás, pois informações podem ter sido perdidas. Não tem o viés do estudo retrospectivo. Por isso é um estudo com mais força científica”, explica Flávia Dias Xavier.

Os médicos Álida Alves dos santos (chefe do pronto-socorro do HUB), Flávia Dias Xavier (pesquisadora principal e chefe do serviço de hematologia do HUB) e Rodolfo Lira (chefe da divisão médica do HUB) integram o grupo de pesquisadores. Foto: Arquivo pessoal

 

O outro projeto, “Estudo de fase IIb para avaliar eficácia e segurança do difosfato de cloroquina no tratamento de pacientes hospitalizados com síndrome respiratória grave no âmbito do novo Coronavírus (SARS-CoV2): um ensaio clínico, duplo-cego, randomizado”, será coordenado pelos professores Gustavo Adolfo Sierra Romero e Valéria Paes Lima, ambos do Núcleo de Medicina Tropical da UnB.

 

O estudo é duplo-cego, pois não haverá maneira de saber qual paciente está usando qual medicação (nem os pacientes e nem os médicos). “Mas esse código poderá ser quebrado se acontecer alguma reação grave que coloque em risco a segurança do paciente”, ressalta o professor Gustavo Adolfo.  

 

Importante ressaltar que a cloroquina já consta em protocolos do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém sem dados conclusivos. “Já existe a autorização para que essa medicação seja usada, principalmente nos pacientes mais graves, mas ainda não temos uma pesquisa científica que realmente comprove que esse é o melhor tratamento. Além disso, temos uma grande preocupação com os possíveis efeitos colaterais dessa medicação, como as arritmias cardíacas”, explica Valéria.      

 

Os dois projetos foram aprovados em chamada pública para iniciativas com foco no combate à Covid-19 realizada pelos decanatos de Pesquisa e Inovação (DPI) e de Extensão (DEX) e pelo Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de combate à Covid-19 (CPIE) da Universidade da Brasília.

 

No caso destes dois estudos, os recursos serão obtidos junto à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) e Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec).

 

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Antes de começarem as pesquisas, os professores deverão submeter o projeto a uma aprovação ética junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que é uma prática usual para esse tipo de estudo. Por conta da pandemia da Covid-19, as aprovações estão sendo feitas de forma mais rápida, muitas vezes em menos de uma semana.

 

Nesse sentido, o cuidado ético dos estudos é ressaltado por todos os pesquisadores. Quando o paciente chegar ao hospital com o quadro clínico suspeito da Covid-19 grave, a equipe de pesquisa vai conversar com ele, explicar a situação, oferecer a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.

 

“O paciente participará do estudo voluntariamente. As equipes de pesquisa estão capacitadas para garantir aos pacientes candidatos de que não haverá prejuízo aos cuidados oferecidos pelo hospital, caso decidam não participar do estudo”, explica a médica Valéria Paes Lima, que será a líder da pesquisa no HUB.                        

 

“Importante ressaltar que um ensaio clínico é uma estudo científico que é conduzido seguindo rigorosas normas nacionais e internacionais que garantem, em primeira instância, a segurança dos pacientes que são incluídos na pesquisa. Dessa forma, todos os participantes receberão o melhor tratamento possível, como suporte ventilatório, oxigênio, e medidas de UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. Vamos acompanhar todos muito de perto, para termos certeza de que ninguém sofrerá prejuízos decorrentes da pesquisa”, completa a professora.

 

EVIDÊNCIA CIENTÍFICA – A pesquisa coordenada pela médica hematologista Flávia Dias Xavier será composta por quatro braços – braços são os grupos de comparação em uma pesquisa clínica – , com 72 pacientes em cada braço. Em todos os braços, os pacientes receberão o suporte clínico necessário, ou seja, todo o tratamento adequado.

 

O primeiro é o chamado braço controle, onde não é administrada medicação específica, somente o suporte clínico necessário.

 

No segundo braço, o paciente vai receber a hidroxicloroquina, numa dose específica estipulada. No terceiro braço, o paciente receberá a mesma dose da hidroxicloroquina, associada a um antibiótico que tem efeito antiinflamatório imunomodulador, que é a azitromicina. E, por fim, no quarto braço, o paciente receberá a imunoglobulina.  

 

A imunoglobulina é um preparado de anticorpos de um grupo de pacientes, feito industrialmente. Já existem estudos com essa técnica para tratar infecções virais graves, como a H1N1. “Essa técnica é interessante, pois já pode existir um anticorpo na população em geral contra determinado vírus. Por isso, a imunoglobulina tem sido muito usada, mas sem um estudo randomizado”, explica a professora Flávia.

 

“Estimamos um gasto com medicação ao redor de R$ 2.200.000 para um total de cerca de 317 pacientes”, explica a hematologista.

 

Além da médica Flávia, participam do estudo, os médicos e professores do Comitê de Pesquisa em Covid-19 do HUB: Ana Paula Monteiro Gomide Reis, Cleandro Pires de Albuquerque, Lícia Maria Henrique da Mota, Luciano Talma Ferreira, Patrícia Shu Kurizky, Ciro Martins Gomes, Dayde Lane Mendonça da Silva, Felipe von Glehn, Valéria Paes Lima, Rodrigo Haddad e o farmacêutico Fernando Araujo Rodrigues de Oliveira, além da médica Álida Alves dos Santos, chefe do pronto-socorro do HUB.

 

A figura abaixo ilustra como funcionam os quatro braços do estudo.

A figura mostra os quatro braços do estudo. "HCQ" indica hidroxicloroquina, "Azitro", a azitromicina e "igIV", a imunoglobulina. Foto: Arquivo pessoal

 

O estudo deve durar cerca de quatro meses. “Vamos seguir as curvas de respostas de cada paciente ao longo de 30 dias e comparar cada braço com o braço controle. É assim que conseguimos avaliar se um medicamento é melhor que o outro ou não. É um estudo que deve ficar pronto rapidamente, pois conseguimos uma resposta em curto prazo”, explica a pesquisadora.

 

O estudo é uma iniciativa do HUB, em parceria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que forma uma rede de 40 hospitais universitários. A ideia é que, em cada hospital universitário, haja também um pesquisador principal, o chamado PI (principal investigator).

 

DOSE CERTA – O estudo conduzido pelos professores Gustavo e Valéria, do Núcleo de Medicina Tropical da UnB, está inserido dentro de projeto nacional, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz - Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), na figura do médico Marcus Lacerda, ex-aluno da graduação em Medicina da UnB, também com doutorado pela mesma instituição.

 

“É importante mencionar que esse é um estudo multicêntrico: vários hospitais do Brasil vão fazer parte e, aqui no Distrito Federal, somos nós aqui do HUB”, explica Valéria.

 

Professora Valéria Paes Lima é do Núcleo de Medicina Tropical da UnB e será a líder da pesquisa no HUB. Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

  

“Tomamos conhecimento da pesquisa e propusemos participar também aqui no HUB”, explica o professor Gustavo Adolfo, que já coordenou estudo multicêntrico para o tratamento da leishmaniose visceral, e atualmente é o coordenador em Brasília do ensaio clínico da vacina de dengue do Instituto Butantã de São Paulo.

 

Em Manaus, o estudo inicial realizado com 81 pacientes concluiu que a dose mais alta da cloroquina estava causando problemas de toxidade e o estudo com essa dose foi então suspenso. Os resultados preliminares desta pesquisa podem ser conferidos aqui

 

Atualmente, o estudo da capital amazonense concentra-se na administração de doses mais baixas e esse será também o foco do estudo no HUB. O objetivo será comparar dois braços: um que receberá placebo (comprimidos sem a medicação ativa) e outro com a medicação difosfato de cloroquina. A estimativa é tratar cerca de cem pacientes no HUB. “Outras partes do mundo também estão tentando estabelecer se existe de fato algum benefício da dose mais baixa da cloroquina para os pacientes mais graves”, explica o professor Gustavo Adolfo.

 

A FAPDF financiará a pesquisa com recursos de R$1.552.320 reais e esta deve começar ainda em abril, a partir do momento em que for internado o primeiro paciente no HUB com a Covid-19.

 

“O estudo deve durar o período da epidemia. Vamos tabulando os casos, mandamos para o centro coordenador e, da mesma forma que identificaram, em Manaus, que a dose mais alta não era indicada, esses dados vão sendo constantemente analisados até chegar a uma conclusão mais definitiva. Será quando publicaremos o resultado para que outros pesquisadores do Brasil e do mundo tomem conhecimento. Estamos em plena atividade, acompanhando tudo muito de perto”, resume a professora Valéria.

 

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