REDUÇÃO DE RISCOS

Pesquisadores da Universidade atuam no desenvolvimento de versão aperfeiçoada da máscara N95 e de dispositivo para descontaminar o EPI

Francisco Avia/Banco de Imagem

As máscaras N95 são um dos principais equipamentos de proteção individual (EPIs) para os profissionais de saúde durante a pandemia da Covid-19. São os respiradores faciais mais eficientes existentes atualmente no mercado, pois possuem um sistema de filtro para pelo menos 95% das partículas presentes no ar. Por esse motivo, se diferem das máscaras cirúrgicas tradicionais.

 

Elas seguem o padrão N95 de classificação de filtragem de ar do Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional dos Estados Unidos (NIOSH). Porém, além de não serem 100% eficientes, já estão em falta no mercado. Dois projetos em curso na UnB buscam contornar a fragilidade das máscaras N95 e sua atual escassez.

 

Um deles é o projeto Égide, que tem a proposta de criar uma máscara aperfeiçoada com nanotecnologia para não só barrar, mas também inativar o vírus. O outro prevê a criação de um dispositivo específico para descontaminar as máscaras e garantir que elas sejam reaproveitadas com total segurança.

 

Os dois projetos foram aprovados em chamada pública para iniciativas com foco no enfrentamento da pandemia realizada pelos decanatos de Pesquisa e Inovação (DPI) e de Extensão (DEX) e pelo Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de combate à Covid-19 (COPEI) da UnB.

 

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ESCUDO, PROTEÇÃO – Em meados de março de 2020, a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (GO) entrou em contato com a professora Suélia Rodrigues, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica da Faculdade do Gama (FGA), para aventar a possibilidade de seu grupo de pesquisa desenvolver alguma solução que pudesse aumentar a segurança dos profissionais de saúde, diante da pandemia que se aproximava.

 

A máscara N95 tradicional não é 100% eficiente contra o coronavírus. Arte: Projeto Égide/UnB

 

Nascia o projeto Égide – palavra que significa escudo, proteção – , hoje coordenado pela professora Suélia. A iniciativa tem a participação de mais de 80 pesquisadores, entre professores da UnB de diferentes programas de pós-graduação e de outras universidades brasileiras. São profissionais de áreas, como engenharias, design, medicina, enfermagem, fisioterapia, biologia (nanotecnologia), inovação e desenvolvimento tecnológico.

 

“O grande diferencial do projeto é que ele passa por todos os processos de inovação e colaboração, desde o desenvolvimento do produto até a comprovação de sua efetividade clínica e a transferência tecnológica. São diferentes olhares, de diferentes profissionais. Além disso, o produto será composto por tecnologia e matéria-prima 100% nacional”, destaca Rodrigo Carregaro, professor do curso de Fisioterapia e integrante do projeto. O docente atua no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Faculdade de Ceilândia (FCE) e no Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde da UnB (NATS).

 

Também participam do projeto entidades, como o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, o Hospital Regional da Ceilândia, unidades de pronto atendimento da Secretaria de Saúde de Goiânia, o Laboratório de Avaliação e Desenvolvimento de Biomateriais do Nordeste (CERTBIO) e a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

 

“A última etapa do projeto será a transferência tecnológica, que é a parceria com uma empresa privada que vai comercializar e explorar esse produto no Brasil”, explica Rodrigo Carregaro.

 

VESTA – O Égide tem várias frentes e a principal é a criação da Vesta, uma máscara modelo N95 cuja camada filtrante é aprimorada com a aplicação de nanopartículas de quitosana, um polímero catiônico  macromolécula natural  encontrado na casca do camarão.

 

A substância é biodegradável, biocompatível, não tóxica e tem propriedades que podem não só barrar o vírus, mas também inativá-lo  ou seja, matá-lo. Além disso, é um material de baixo custo.

 

A máscara será feita com material Tecido não tecido (TNT), em três camadas: interna, externa e média com elemento filtrante. O objetivo é criar uma máscara melhor que a padrão, que irá proporcionar um grau de segurança e proteção ainda maior aos profissionais de saúde. 

 

A máscara Vesta terá três camadas, sendo uma filtrante aprimorada com a aplicação de nanopartículas de quitosana. Arte: Projeto Égide/UnB

Inicialmente, a meta é confeccionar dez mil máscaras seguindo as normas das Boas Práticas de Fabricação (BPF) e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), e as Normas Técnicas Internacionais (IEC). Posteriormente, será efetivada a regulação junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

 

“O respirador Vesta é um bom exemplo de como a pesquisa e o desenvolvimento na Universidade são capazes de prover soluções relevantes para a sociedade. Neste caso específico, áreas como bioengenharia e engenharia biomédica estão integradas para aplicar os conhecimentos da pesquisa básica em nanomateriais, modelagem computacional e análise de imagens, entre outras, para que se possa auxiliar os profissionais que estejam atuando na linha de frente contra a Covid-19”, enfatiza o professor Marcus Chaffim, do curso de Engenharia Eletrônica da Faculdade do Gama (FGA/UnB).

 

Outra etapa do projeto compreende o estudo clínico (ensaio clínico controlado e aleatório) para testar a efetividade das máscaras em situação real. Essa fase terá início a partir do aval da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), prática obrigatória para esse modelo de estudo. Por conta da pandemia da Covid-19, as aprovações estão são feitas de forma mais rápida, muitas vezes em menos de uma semana.

 

PROCURA POR FOMENTO – Antes do estudo clínico, serão realizados ensaios não clínicos (ou pré-clínicos) que compreenderão análises por microscopia eletrônica de varredura, ensaios mecânicos e ensaios biológicos para avaliar a eficiência do produto em reter partículas contendo agentes biológicos.

 

O projeto pretende arrecadar recursos suficientes para dar início a esta fase. “O dinheiro vai custear os ensaios não clínicos que fazemos no laboratório para garantir a segurança e a não toxicidade, e avançar para a próxima etapa, que é o ensaio clínico”, explica a professora Suélia Rodrigues, coordenadora do projeto, com vasta experiência nas áreas de patentes e produtos biomédicos.

 

>> Contribua com recursos para o projeto Égide 

 

“Nesta etapa pré-clínica, é possível trabalhar sem tantos recursos. Para o próximo passo, não conseguiremos fazer mais nada. O projeto necessita de um número considerável de recursos financeiros, que ainda não temos”, alerta a pesquisadora, que estima em cerca de R$ 4 milhões o custo total da empreitada.

 

Por enquanto, os pesquisadores do Égide estão em busca de fomento por meio de submissão em editais de instituições como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), por meio do Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (Pronem).

 

Em breve, a UnB contará com um fundo para doações que contribuirá para o financiamento de ações e pesquisas contra a Covid-19 que necessitem de verba para continuidade. Interessados em contribuir já podem entrar em contato com o Decanato de Pesquisa e Inovação (DPI) pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

 

Os auxílios poderão vir de pessoas físicas e jurídicas, de instituições públicas e privadas. A Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) receberá as doações em conta e a gestão dos recursos ficará a cargo do Comitê Pesquisa, Inovação e Extensão de combate à Covid-19 (COPEI) da UnB.

 

DESCONTAMINAÇÃO – Preocupados com a atual escassez dos EPIs, professores do Instituto de Física (IF) e da Faculdade de Tecnologia (FT) começaram a pensar num dispositivo capaz de descontaminar máscaras faciais com filtro, como a N95, e assim reutilizá-las.

 

O protótipo foi desenvolvido na UnB em apenas 11 dias. Ele funciona com uma estrutura de emissão de luz ultravioleta e possui gavetas que permitem a fácil inserção e retirada das máscaras para serem descontaminadas de maneira eficiente e econômica.

 

O protótipo foi desenvolvido na UnB em apenas 11 dias e funciona com uma estrutura de emissão de luz ultravioleta que possui gavetas para inserção das máscaras que serão descontaminadas. Arte: Divulgação

A técnica se baseia na destruição de RNA viral por meio da radiação ultravioleta C, de 254 nanômetros, com o uso de lâmpadas especiais. “Tivemos por base um protocolo já aplicado na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, para descontaminação de máscaras por meio da irradiação de luz ultravioleta germicida”, explica o coordenador do projeto e professor do IF, Pedro Henrique Oliveira Neto.

 

“A N95 sumiu do mercado. Ou seja, mais do que o custo elevado que esta máscara tem, é fato que o profissional de saúde não está tendo acesso a ela. E essa é uma máscara que não dá para improvisar”, completa o pesquisador.

 

Atualmente, a equipe está construindo seis dispositivos com base no protótipo inicial. Os dispositivos finais deverão ter de 14 a 42 lâmpadas e serão feitos em aço inox típico de material hospitalar, pois a luz ultravioleta pode degradar outros materiais, como o plástico.

 

Interdisciplinar, o projeto se consolidou e hoje já conta com a participação de 15 profissionais de diferentes áreas, como física, engenharia elétrica, mecânica, farmácia, e odontologia, além do engenheiro eletricista Rodrigo Nunes  ex-aluno do IF – e de dois médicos do Hospital de Base.

 

“Primeiro, fizemos a caracterização fotofísica da lâmpada. Na sequência, a professora de Farmácia Izabel Cristina Rodrigues da Silva, da Faculdade de Ceilândia (FCE), ficou encarregada dos exames biológicos para garantir qual é a posição correta da máscara e o tempo em que ela será irradiada. Estamos trabalhando nessa etapa há duas semanas”, explica o coordenador do projeto.

O objetivo é construir dispositivos de dois tamanhos: um menor, com capacidade de descontaminar 96 máscaras por ciclo – cerca de 1 hora e 15 minutos de duração – e um maior, com capacidade para 240 máscaras por ciclo. “Calculamos que o dispositivo poderá descontaminar 2.400 máscaras por dia em um hospital”, estima o professor Pedro Henrique Neto.

 

Os dispositivos finais deverão ter de 14 a 42 lâmpadas e serão feitos em aço inox típico de material hospitalar. Foto: Divulgação

Os equipamentos deverão ficar prontos em algumas semanas e serão encaminhados para alguns hospitais do Distrito Federal, Tocantins e Goiás. “Estamos também fazendo o protocolo, que é como o profissional de saúde deverá manusear o equipamento, que será ligado e desligado de fora da sala; o jeito certo de recolher as máscaras e como serão devolvidas para o profissional de saúde”, completa o físico. 

 

VERBA – O protótipo foi feito, em parte, com recursos oriundos de projeto do professor José Camargo do curso de Engenharia Elétrica da UnB. Além disso, um aporte financeiro de R$ 80 mil veio por meio do Distrito 4530, do Rotary Club. O valor permitirá construir os seis dispositivos de acordo com exigências hospitalares – como o revestimento em aço inox cirúrgico –, e encaminhá-los aos hospitais.

 

O Distrito 4530 é composto por 74 Clubes, situados no Distrito Federal, Tocantins e parte do estado de Goiás. Ele faz parte da associação internacional Rotary Club, instituição que trabalha em diferentes frentes sociais em vários países, entre elas o combate a doenças e o apoio à educação. A associação arrecada doações e as distribui e, atualmente, o Rotary Club possui uma verba para o enfrentamento do coronavírus no mundo todo.

 

“Talvez fosse mais fácil pegar esse recurso e comprar produtos prontos. Mas acreditamos muito no projeto da UnB e na sua efetividade, que será muito maior. Temos uma expectativa muito boa com o dispositivo, pois dará mais segurança para os profissionais de saúde, que têm papel essencial. Eles têm se sacrificado e trabalhado, muitas vezes, com a mesma máscara para além do que poderiam, ou até sem a máscara, por falta do produto no mercado”, afirma Osvaldo Farneze, presidente do Rotary Club Lago Sul.

 

Para o futuro, o professor Pedro Henrique Neto tem outras perspectivas de utilização das tecnologias. “Já pensamos também à frente: quando a escassez de EPIs passar, poderemos utilizar esses dispositivos para descontaminação de outras coisas, como salas, quartos e leitos de hospitais.”

 

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