Para elas, formação também permite a descoberta de potencialidades e valores, como autoestima, autonomia e cidadania. Conclusões estão em artigo de pesquisadores da UnB e da Fiocruz

Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Os impactos da formação profissional na vida de pessoas com deficiência foram registrados em um estudo realizado em 2018 por três pesquisadores da área educacional e publicados na atual edição da Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação (Qualis A2).

 

O artigo científico intitulado Pessoas com Deficiência (PcD) egressas de uma formação profissional: trabalho e educação aponta que tal capacitação alcança muito além da empregabilidade. O trabalho é assinado pelo trio de pesquisadores Pedro Demo, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia e emérito da Universidade de Brasília – hoje professor voluntário do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH/Ceam/UnB) –, Renan Antônio da Silva, pesquisador colaborador júnior junto ao PPGDH e pós-doutorando supervisionado por Demo, e Maria Cecília de Souza Minayo, professora emérita da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

 

Por meio de pesquisa bibliográfica, documental e de campo, o trio verificou que os cursos profissionalizantes também proporcionaram a aquisição de novas potencialidades pelos egressos, como autonomia, independência e maior segurança na tomada de decisões. E isso foi relatado por eles mesmos, em diversos trechos transcritos na publicação.

 

“Hoje sabemos que estes cursos são de suma importância para o impacto social e também formativo de quem está em (ou passou por) cada um deles. Nossa juventude está desanimada por conta de 'portas fechadas', de negativas de emprego e tudo o mais. Mas toda formação acadêmica, profissional, tecnológica, seja ela qual for, capacita e leva dignidade para cada um de seus estudantes”, afirma Renan Antônio da Silva.

Um dos autores da pesquisa é Pedro Demo, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia e emérito da Universidade de Brasília. Foto: arquivo pessoal

 

“Estes alunos, que são vistos por muitos como 'incapazes', dão um show quando são contratados e brilham mais e mais com o passar dos anos”, completa.

 

O estudo acompanhou, entre agosto e dezembro de 2018, 28 egressos de formações oferecidas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo. Desses, 57% eram do sexo masculino e 46% eram jovens com idade entre 18 e 24 anos. Entre as deficiências observadas no grupo, 82% referiam-se às sensório-motoras: física, auditiva e visual.

 

Segundo Demo, Minayo e Silva, a contribuição da formação para além da capacitação profissional pode ser observada pela identificação de benefícios para a vida pessoal por todos os egressos entrevistados. Estes, em seus relatos, evidenciam suas concepções de autonomia, protagonismo, novas atitudes adquiridas a partir da formação recebida e constataram mudanças importantes em suas vidas.

 

Por exemplo, destacam que o curso possibilitou o convívio com outras pessoas com vários tipos de deficiência no mesmo ambiente de formação; que foram expostos e tiveram a oportunidade de descobrir suas capacidades e potencialidades individuais e como grupo; e, além disso, que os conhecimentos adquiridos e o reconhecimento das indústrias pela formação ofertada pelo Senai abriu portas para o mundo do trabalho e/ou deu oportunidade de efetivação no emprego.

 

“A educação, que aparece como elemento comum em todas as concepções de empregabilidade, é de fato fonte de substancial importância para a aquisição dos conhecimentos que o indivíduo necessita para se manter ativo no mundo do trabalho”, afirmam os docentes no artigo.

 

À época, quando da entrevista com os egressos, foi possível identificar que 71% deles estavam de fato empregados em suas áreas de formação profissional; 4% trabalhavam em áreas diferentes da formação, e 25% ainda estavam fora do mercado formal de trabalho após a conclusão do curso profissionalizante.

 

“Os dados são de 2018. Desta forma, imagino que hoje, em 2020, este número [de desempregados] esteja ainda maior. Nossa avaliação como pesquisadores foi a de que fizemos um bom trabalho, mas estamos mostrando tristes números para pessoas que precisam de espaço, vez e voz”, analisa Silva.

 

EDUCAÇÃO INCLUSIVA – Os autores do artigo ressaltam que embora existam no Brasil instrumentos legais disponíveis para facilitar o acesso e a permanência das pessoas com deficiência na escola e no trabalho, por si só não são suficientes para eliminar as barreiras impostas a este público.

Maria Cecília de Souza Minayo, professora emérita da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), assina igualmente o artigo. Foto: arquivo pessoal

 

“Faz-se necessário o aprofundamento e a disseminação de práticas que, de fato, viabilizem as experiências de inclusão na educação e no trabalho para as PcD [pessoas com deficiência]. Por meio desta pesquisa, evidencia-se que instituições de educação que cumprem a lei com rigor e seriedade suscitam ambientes mais inclusivos, onde alunos com as mais variadas características podem conviver e desenvolver suas potencialidades e capacidades”, ensinam.

 

Para Demo, Minayo e Silva, além da aquisição de conhecimentos e habilidades, o grande diferencial para o grupo pesquisado foi a possibilidade do resgate da autoestima, por meio do reconhecimento de suas potencialidades e capacidades, e da cidadania.

 

“Isso só é possível mediante a vivência num ambiente inclusivo, que perpassa a sala de aula e se dissemina em todo o ambiente escolar. A formação e capacitação de todas as pessoas envolvidas no processo educacional, a preocupação genuína com a necessidade individual e com o convívio como grupo também é um diferencial que deve ser considerado quando se pensa em educação profissional inclusiva”, destaca o trio de coautores.

 

ALTERNATIVA – O emérito da UnB Pedro Demo reforça que a educação profissional pode oferecer ao estudante um ambiente diferente, dotado de atividades de aprendizagem com ênfase prática. Mas isso também depende de cada professor, se souber diagnosticar o que é preciso reforçar no ensino.

 

“Educação profissional pode ser uma saída interessante se for capaz de superar as barreiras instrucionistas da escola, que faz o estudante engolir conteúdos, por vezes sem entender (em matemática é quase regra geral), sem saber para quê”, declara o professor, ao ressaltar que no Sistema S – do qual o Senai faz parte – é possível encontrar cursos profissionalizantes “pertinentes, não teoricistas ou verborrágicos”.

Renan Antônio da Silva, pesquisador colaborador júnior junto ao PPGDH e pós-doutorando, integra o trio que assina o estudo. Foto: arquivo pessoal

 

“Se educação profissional for eco linear da precariedade do ensino médio usual, não vai acrescentar nada ou quase nada. Precisa romper barreiras para que o estudante se veja como capaz de reconstruir uma profissão ou carreira, sabendo produzir e usar o conhecimento como alavanca de autorrenovação permanente em sua vida”, avalia Demo.

 

Ele acredita que o que pode “vivificar” a educação profissional é achar modos de o estudante descobrir sua autoria, autonomia, iniciativa, ousadia. “Muitas vezes, o horizonte profissionalizante acena com este desafio: a vida profissional que vale a pena é aquela na qual aprendemos a nos autorrenovar sempre, para enfrentar futuros incertos”, conclui.

 

ACESSO – O artigo, de 26 páginas, também traz dados e informações sobre a inclusão de pessoas com deficiência no ambiente escolar e detalha particularidades em relação aos egressos com deficiência auditiva com oralidade, deficiência múltipla e intelectual. Para acessá-lo na íntegra, clique aqui.

 

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