Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), o pesquisador José Nunes veio a Brasília para cursar a pós-graduação. Ao começar a dissertação de mestrado, no fim de 2004, ele notou uma dificuldade recorrente entre os colegas de pós da Universidade de Brasília. Apesar de os discentes dominarem os temas das dissertações, terem ideias desenvolvidas, projetos delimitados e muito insumo recolhido durante a pesquisa, eles encontravam problemas no momento de começarem a escrever. E foi isso que o motivou a criar o blog Como eu escrevo.
Com a ajuda de amigos, trocou ideias sobre o projeto: havia muitas dúvidas sobre quais perguntas fazer e como abordar cada entrevistado. Mas, na hora de construir o site, o autor – que hoje é doutorando na Faculdade de Direito (FD) – buscou as informações necessárias sozinho. “Juntei a vontade que sempre tive de aprender a mexer com blogs, plataformas como o WordPress, por exemplo, e montei o Como eu escrevo”, relata.
Para Nunes, o desenvolvimento na carreira de pesquisa está diretamente ligado à elaboração textual do pesquisador. “Durante a graduação, a produção escrita não é, costumeiramente, o objeto central da formação. Então, aqueles que depois optam por seguir a carreira de pesquisador encontram um empecilho: a escrita”, diz o criador do projeto.
Ao procurar livros que tratavam do tema, constatou que muitas das dúvidas sobre o processo de escrita para teses acadêmicas não eram sanadas, já que era possível encontrar material acerca da técnica, mas não exemplos de como os professores e pesquisadores produziam.
Depois de dois anos de pesquisas e de desenvolvimento do projeto, o blog Como eu escrevo foi publicado em fevereiro de 2017. O site atualmente reúne entrevistas de professores universitários e escritores brasileiros e desmistifica o processo de escrita de cada um. Mas no início era diferente.
HISTÓRICO – O doutorando começou a realizar as entrevistas com docentes da pós-graduação da FD que faziam parte de seu círculo social. Em um processo chamado por ele de retroalimentação, os primeiros entrevistados passaram a indicar novos contatos, de diversos departamentos da Universidade e também de fora dela.
O roteiro para entrevistas tornou-se padrão: um conjunto de dez perguntas, mais gerais e amplas, para abranger um grande número de entrevistados de diversas áreas do conhecimento. Há questões sobre hábitos matinais, rotina produtiva e rituais de preparação para a escrita, além de questionamentos sobre fonte de criatividade, medidas para lidar com a procrastinação e futuros projetos de cada autor. As entrevistas são realizadas, na maioria das vezes, por e-mail ou outros canais mais informais, como chamadas de Skype ou WhatsApp.
Apesar de o portal ter surgido com o propósito de atender alunos de pós-graduação, diversos graduandos deram retornos a Nunes. Muitos agradecem pelo projeto e dizem encontrar nele auxílio e apoio para começar as monografias e pesquisas.
E não só estudantes seguem o blog. Segundo José Nunes, ficou na lembrança, por exemplo, uma mensagem deixada pelo juiz Carlos Ramos Núñez, do Tribunal Constitucional Peruano, em que o magistrado classificou a iniciativa como “um dos maiores esforços de sistematização da metodologia da investigação jurídica”.
ALÉM DAS FRONTEIRAS – O doutorando conta que os professores entrevistados acabam tornando-se entusiastas do projeto e também divulgam o material, não somente no Brasil, como em outros países da América do Sul, América do Norte e Europa.
Já a participação no blog atualmente não é restrita apenas a pesquisadores. Famosos como Frei Betto, Leonardo Boff e Laerte Coutinho, renomados escritores e artistas, foram entrevistados e ajudaram o idealizador do projeto – há sete meses no ar, com uma média de mil a dois mil acessos por entrevista – a perceber que existe potencial para alcançar um público maior que o envolvido com a escrita para a academia. Agora, José Nunes busca nomes relacionados ao trabalho criativo para prosseguir o trabalho e pretende organizar um livro para funcionar como um guia mais elaborado.