Fenômenos próprios dos nossos tempos, a disseminação das fakes news e a queda na confiança do público nas organizações noticiosas profissionais motivou a criação do projeto Índice de Credibilidade Jornalística: formulação de indicadores de fortalecimento do jornalismo para o combate aos ecossistemas de desinformação (ICJOR), reconhecido com o Prêmio Adelmo Genro Filho 2025, na categoria Pesquisa Aplicada.
Consolidado como a mais importante distinção nacional para pesquisas na área de Jornalismo, o prêmio reconhece a qualidade do projeto que envolveu mais de 20 pesquisadores de cinco universidades públicas, sendo cinco acadêmicos da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB).
O principal resultado é um sistema eletrônico que permite medir a credibilidade de veículos jornalísticos a partir de critérios formulados na pesquisa. Outros frutos são o site de documentação do projeto, a publicação de artigos científicos que fortalecem a pesquisa brasileira sobre a temática, e o livro Credibilidade Jornalística, disponível gratuitamente para download.
“Buscamos formular critérios que permitam apontar um índice de confiabilidade dos meios de comunicação, a partir de intensa pesquisa teórica para entender como funcionam esses índices no Brasil e no mundo”, expõe Rafiza Varão, docente da FAC e coordenadora da equipe de pesquisa no Centro-Oeste.
Ela conta que o projeto nasce da ideia do professor Rogério Christofoletti, da Universidade Federal de Santa Catarina, “que há anos trabalha com a perspectiva de que precisamos medir melhor a credibilidade jornalística e a confiança do público”.
Fernando de Oliveira Paulino, docente da FAC e integrante do projeto, acrescenta que “a pesquisa se dá num contexto da necessidade de ações de compreensão dos processos associados à desinformação e, nesse sentido, o jornalismo tem um papel central para a promover o acesso à informação e o direito à comunicação”.
A Faculdade de Comunicação da UnB destacou-se em mais duas das cinco categorias ofertadas na premiação: Iniciação Científica/Trabalho de Conclusão de Curso e Mestrado.
O ICJOR – O Índice de Credibilidade Jornalística: formulação de indicadores de fortalecimento do jornalismo para o combate aos ecossistemas de desinformação foi desenvolvido ao longo de três anos por uma equipe de pesquisadores que representaram as cinco regiões do país e se estruturou em torno dos seguintes eixos:
- Eixo DJ: Compromissos Democráticos do Jornalismo, com a Universidade Estadual Paulista (Unesp)
- Eixo AC: Accountability do Jornalismo, com a Universidade de Brasília (UnB)
- Eixo TE: Teoria e Ética Jornalística, com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
- Eixo SQ: Sistemas de Qualidade, com a Universidade Federal de Sergipe (UFS)
- Eixo CD: Combate à Desinformação, com a Universidade Federal do Pará (UFPA)
“Essa é uma divisão de observação, porque trabalhamos sempre juntos e, com base na pesquisa teórica, fomos sugerindo critérios para elaborar nosso modelo”, explica a coordenadora da equipe da UnB, Rafiza Varão.
A pesquisa resultou em dois instrumentos de análise: um que avalia gestão e inovações nas organizações, outro que se detém sobre o produto jornalístico desses meios.
O instrumento que avalia o produto jornalístico abarca dez questões (indicadores) a serem preenchidas no padrão de respostas fechadas, cujos campos são “sim” ou “não”, e busca aferir critérios como: contextualização do tema abordado, pluralidade de pontos de vista, variedade de fontes, inclusão de depoimentos de especialistas, entre outros aspectos.
Por exemplo, para mensurar a pluralidade, a Questão 4 conceitua que é preciso "presença de perspectivas relevantes para a compreensão do fato, provenientes de fontes que possuem visões distintas e contraditórias (opostas)". O critério de pluralidade é aferido ainda com as Questões 5 e 6, que mensuram a diversidade de fontes de diferentes instituições públicas, diferentes especialistas, e de não especialistas envolvidos no fato.
Já o instrumento que avalia a gestão e inovação nas organizações abarca oito indicadores distribuídos em dois requisitos: declaração de princípios, compromissos e valores; e ações para a qualidade. Juntos, eles avaliam questões como política editorial; normas e princípios éticos; canais regulares para promover a interação com públicos; práticas e iniciativas destinadas à literacia midiática; entre outros.
As questões dos dois instrumentos de análise (gestão e inovações nas organizações; e produto jornalístico) foram inseridas no software Q-Avalia, uma plataforma em caráter experimental que operacionaliza, documenta, armazena e mensura avaliações de qualidade.
Uma vez preenchidos os instrumentos, a plataforma gera, então, um ranking cujo resultado é expresso em duas medidas: pontos de 1 a 100, e notas de A a D, com estrato superior [+] ou inferior [-]. Os pontos definem o ranking dos veículos analisados, e as notas atuam para diluir pequenas diferenças numéricas em faixas de desempenho.
Rafiza Varão explica que “a intenção dos pesquisadores é expandir o trabalho para que, no futuro, a ferramenta seja de fácil uso também pelo cidadão comum”. Já que a ideia inicial “era formular um instrumento que o próprio cidadão pudesse fazer essa checagem, mas devido a corte de recursos foi preciso redimensionar a proposta”.
Rogério Christofoletti, coordenador geral do projeto, destaca que recuperar a credibilidade jornalística exige a “consolidação de processos de avaliação da qualidade editorial, com instrumentos capazes de demonstrar publicamente os atributos esperados das organizações confiáveis”.
Mais informações sobre a metodologia utilizada no ICJOR estão disponíveis no capítulo Gestão editorial em jornalismo: método de avaliação de qualidade, do livro Credibilidade Jornalística. O projeto recebeu fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
RECONHECIMENTO – A Faculdade de Comunicação da UnB também destacou-se em outras duas categorias do Prêmio Adelmo Genro Filho 2025, cujos trabalhos foram orientados por Rafiza Varão.
Na categoria Mestrado, Guilherme Rocha ganhou menção honrosa com a pesquisa Desinformação, misinformação e distorção involuntária: a ideia do “apagão das canetas”.
E na categoria Iniciação Científica/Trabalho de Conclusão de Curso, Luana Gabriella Azevedo de Lima ganhou como trabalho vencedor com Jornalistas contra fake news: opiniões e intenções de comportamento de três gerações de egressos da Universidade de Brasília (1971-2020).
“Ter sido reconhecido como pesquisador em jornalismo é motivo de muito orgulho e, por que não, de surpresa: sou publicitário de formação pela UnB, mas sempre me interessei pelo universo da produção de notícias e resolvi estudar sobre desinformação involuntária [misinformação] causada pela imprensa”, conta Guilherme Rocha, cuja premiação ele atribui à “condução primorosa” de sua orientadora.
"Investigar e estudar a desinformação nas mídias sociais, além de uma paixão e curiosidade pessoal, é algo que considero de extrema relevância para o jornalismo nos dias de hoje. Esse reconhecimento é uma motivação extra para continuar pesquisando e seguindo na minha jovem jornada acadêmica", reconhece Luana Azevedo de Lima.
A professora Rafiza menciona que o envolvimento de discentes de graduação e pós-graduação “faz com que o fluxo de transmissão e produção do conhecimento seja transversal e que os estudantes vivenciem como se faz ciência”.
Ela destaca que a premiação resulta “de um esforço crescente da FAC e da própria UnB em melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa, e não apenas no nível da docência, mas também para os estudantes interessados em seguir o caminho do pesquisador”.
A docente compartilha sobre os aprendizados pessoais: “A equipe do projeto foi composta de profissionais muito experientes, eu era uma das mais jovens. E o grande aprendizado para mim não foi tanto a questão teórica, pois esse é um tema com o qual trabalho todos os dias, mas foi entender de forma mais complexa e sistematizada o fazer de uma pesquisa aplicada de qualidade”.
PROTAGONISMO – O reconhecimento às pesquisas realizadas na FAC conecta-se a uma área de interesse assumida como prioritária de forma ampla pela própria Universidade de Brasília.
Em 8 de janeiro deste ano, a UnB lançou o Comitê de Enfrentamento à Desinformação, iniciativa que reforça o compromisso da instituição com a promoção de informações de qualidade, o letramento digital e a identificação e contenção de conteúdos que desinformam.
Em março, a instituição lançou o primeiro edital de fomento a estratégias inovadoras no âmbito da graduação e da pós-graduação destinadas ao enfrentamento à desinformação.