Luiz Alberto Gouvêa, professor da Arquitetura da UnB, propõe soluções para melhor ocupar o campo e reduzir a migração para as cidades. O livro "Cidaderural, revisitando uma ideia" é o primeiro da Editora da FAU-UnB.

Um conceito original para uma ideia que se mostra não apenas providencial, mas urgente para o desenvolvimento do campo e do país. Em seu novo livro, Cidaderural: revisitando uma ideia, o professor Luiz Alberto de Campos Gouvêa, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), destaca a necessidade de se implantar cidades rurais sustentáveis em áreas de assentamentos da reforma agrária ou nas periferias urbanas próximas às zonas rurais. O livro, resultado de uma pesquisa inciada há dez anos, fornece uma visão detalhada do planejamento de cidades rurais ambientalmente sustentáveis. Sua pesquisa resgata ainda práticas bem-sucedidas na região do planalto central, demonstrando a atualidade e o valor de algumas iniciativas transformadoras e potencializadoras da relação cidade- campo.


Conforme avalia, “é inadmissível um país com tamanhas riqueza e extensão ter milhões de pessoas passando fome”, acrescentando que “é igualmente absurdo o Brasil perder 50% do que se produz, em termos de alimento, por problemas associados a transporte e armazenamento”. "Urbanizar e industrializar áreas rurais minimizaria grande parte dos problemas sociais e econômicos que vêm gerando uma grande e progressiva escalada de violência, devastação ecológica e baixa qualidade de vida, agregando, ainda, emprego e renda para milhões de pessoas que migram para as cidades em busca de oportunidades de trabalho”, defende Luiz Alberto. No mundo, cerca de 50% da população está nas cidades. No Brasil, aproximadamente 85% da população se acotovela nas áreas urbanas. "Os outros 15% que estão no campo sonham com a migração para melhorar de vida”, diz o professor.


CONCEITO -
O estudo resgata o conceito de “sustentabilidade planaltina”, propondo a implantação de cidades rurais sustentáveis em possíveis áreas de assentamentos da reforma agrária ou ainda nas periferias urbanas. Conforme sugere Luiz Alberto, as cidades devem ser compostas basicamente de centros munidos de equipamentos urbanos e comunitários, moradias, armazéns e agroindústrias, sempre visando beneficiar a produção local, além de áreas administrativas e para esporte e lazer. Também seriam necessários lotes individuais, como hortas, áreas para pomares e para criação de pequenos animais, além de espaços para a produção coletiva – seja para tratamento de resíduos do lixo ou para hortas, currais e pomares coletivos. Todos esses empreendimentos teriam a participação da comunidade em sua condução e gestão.


Para o professor, os assentamentos da reforma agrária já instalados na região Centro-Oeste estão longe de serem considerados iniciativas bem-sucedidas. “O pequeno espaço de terra, a falta de financiamento e a assistência técnica adequada para a produção tornam o assentado um favelado rural”, critica. “Assim, ele perde anos preciosos de sua vida na tentativa de conseguir o improvável, que é produzir nessas condições”, analisa. Como consequência, esses assentados acabam, ao longo dos anos, "desmantando as poucas florestas existentes, transformando-as em lenha e impactando o ambiente à sua volta”.

CIDADES SUSTENTÁVEIS – O professor ressalta que é fundamental que sejam instaladas próximo às cidades as unidades industriais e as usinas de energia. Vários aspectos foram considerados por Luiz Alberto na concepção e desenho das cidades rurais sustentáveis, desde a forma urbanística aos equipamentos comunitários, como escolas, creches, postos de saúde, hospitais, armazéns e até templos religiosos e espaços de uso múltiplo. A infraestrutura urbano-rural também foi detalhada em seu estudo, incluindo a pavimentação, as vias vicinais, além da correta drenagem da malha viária e o necessário sistema de esgotamento sanitário a partir de fossas secas e sépticas.


O abastecimento de água potável é outra preocupação do professor. “Na zona rural é necessário proteger as nascentes dos animais, principalmente as utilizadas para captação. É preciso ainda cercar e revitalizar as nascentes já absorvidas pelas pastagens”, adverte, além de elencar outras medidas que objetivam reduzir o desperdício e facilitar a limpeza dos canos.


Um protótipo funcional de casa rural também foi proposto por Luiz Alberto. “Juntamente com a questão do emprego, a casa de qualidade configura um forte instrumento para os que gostam de trabalhar no campo, pois é ali que viverá com qualidade”, defende. O especialista recomenda que a “casa progressiva rural” aproveite o declive dos terrenos, e que seus espaços internos – cisterna, área de serviço, cozinha, banheiro, sala, varanda, dormitórios – sejam constituídos de modo sustentável, funcional e ecológico, de acordo com o clima e a umidade da região. “Os materiais de construção devem ser regionais, como: barro, de excelente performance térmica nas vedações; pedra, ótimo para as fundações; e bambu, eucalipto e madeira reaproveitada a serem utilizados nas vedações ou estruturas da cobertura”, relata.


“Todas essas técnicas como as outras recomendações para a construção da casa podem ser aplicadas nos equipamentos comunitários, como escolas, creches e postos de saúde. Dessa forma, a construção da casa seria o início de um processo de aprendizado na constituição de uma cidade verdadeiramente inclusiva e consciente”, ressalta.


BANCO DE TERRAS –
 Outra ideia lançada pelo pesquisador é o Banco de Terras. O propósito desse “estoque de terras a ser feito pelo governo” e definido por um plano diretor regional e estudos de impacto ambiental é permitir ao Estado uma ação eficaz no planejamento dos equipamentos urbanos e comunitários tanto no campo quanto nas periferias urbanas. “As terras compradas seriam reflorestadas com vegetação nativa ou para corte, o que dificultaria as invasões de novas áreas industriais, residenciais e de equipamentos comunitários”. Segundo ele, tal medida traria um cinturão de seguridade social.


Algumas dessas ideias já foram testadas pelo professor em sua propriedade, a Fazenda Bagagem, localizada no quadrante demarcado pela Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil – a chamada missão Cruls – para a transferência da capital para a região central do país. “Ali eu demonstro, por exemplo, como é factível conjugar produção de alimentos com técnicas de beneficiamento”. O objetivo de Luiz Alberto é mostrar que as necessidades da população rural merecem ser atendidas, mas sob o imperativo de se preservar a sua identidade.


O livro Cidaderural: revisitando uma ideia será o primeiro a ser lançado pela Editora FAU-UnB. No prefácio, o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, José Manoel Morales Sánchez, destaca que o texto “aborda aspectos econômicos da região, defendendo o turismo rural como indústria limpa; o desenho urbano de cidades, ambientalmente compromissado; chegando aos detalhes construtivos da morada rural adaptada ao clima”.