SAÚDE

Usuários, profissionais, gestores e líderes dos conselhos de saúde de 32 municípios com pobreza extrema mostram-se satisfeitos

Da UnB Agência
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

 

Após dois anos e meio da implantação do Programa Mais Médicos, ainda observam-se questionamentos de alguns segmentos ligados à classe médica, sobretudo quanto ao fato de a maioria das contratações serem de médicos estrangeiros. Por meio de cooperação internacional, profissionais cubanos vieram para atuar, em caráter emergencial, em municípios com escassez de médicos e ocuparam as vagas não preenchidas por brasileiros – que foram priorizados no recrutamento. Avaliar os impactos do programa e a satisfação da população, dos profissionais de saúde e da própria gestão dos municípios com o Mais Médicos é objetivo de pesquisa coordenada pela Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília.

 

Financiado pelo CNPq, o projeto é realizado em parceria com a Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS) e as universidades federais da Bahia, do Pará, de Minas Gerais, de Campina Grande e do Rio Grande do Sul. O estudo apurou alta satisfação dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) com relação ao programa, o que segundo os pesquisadores, demonstra a melhoria na qualidade tanto do acesso aos serviços, quanto do atendimento.

 

Coordenadora da pesquisa, Leonor Pacheco avalia como positiva a melhoria na atenção básica com a implementação do Mais Médicos Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

Entre 2014 e 2016, eles realizaram duas visitas a cada um dos 32 municípios selecionados em 17 estados brasileiros que possuíam 20% ou mais da população abaixo da linha da extrema pobreza. São lugares prioritários à inserção no programa, localizados, na maioria dos casos, nas regiões Norte e Nordeste. Lá, grande parte dos profissionais alocados pelo Mais Médicos era oriunda de Cuba. “Os resultados preliminares da pesquisa mostram que a implementação está funcionando muito bem; está garantindo o acesso à atenção primária à saúde em comunidades rurais e remotas para muitos usuários, nunca antes atendidos por um médico”, avalia Leonor Maria Pacheco Santos, coordenadora da pesquisa e professora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde.

 

Mais de 900 questionários foram aplicados para verificar a satisfação e a capacidade de resposta do serviço, não só entre usuários, mas também entre profissionais, gestores municipais, líderes de conselhos municipais de saúde e coordenadores da Atenção à Saúde. Pacheco aponta que os usuários avaliaram de forma positiva fatores como a atenção humanizada dos médicos, o respeito, a compreensão da língua falada pelos estrangeiros, a agilidade no agendamento de consultas para o mesmo dia, o tempo de espera adequado, a qualidade e a confiança do atendimento, a disponibilidade dos profissionais e a realização efetiva das visitas domiciliares. Tudo conforme o previsto no modelo da Estratégia Saúde da Família, que visa reorganizar e consolidar a atenção básica à saúde com base nos princípios do SUS, estruturado por equipes multiprofissionais.

 

Como exemplo de alguns dos resultados obtidos, dos 263 usuários entrevistados, 50,8% consideraram boa a satisfação em relação ao tempo de espera das consultas; 98,1% relataram que o médico ouviu com atenção suas queixas e 95,8% afirmaram ter recebido todas as informações de que precisavam. Além disso, 55,1% consideraram o programa muito bom e 39,5% o apontaram como bom, enquanto 1,8% o consideraram muito ruim e 0,8 % o classificaram como ruim; 2,7% se mostraram indiferentes. Em populações em situação de vulnerabilidade, como as de quilombolas, os resultados demonstraram ainda a melhoria da cobertura da saúde da família em municípios próximos a elas. “No Brasil, existem 801 municípios com comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Desses, 647 se inscreveram no programa e receberam 3.390 médicos”, pontua a pesquisadora.

 

MUDANÇAS - Pacheco ressalta que a situação precária da atenção básica mudou nos locais que aderiram ao Mais Médicos. Segundo a professora, dos 374 municípios que tinham menos de 0,1 médicos por mil habitantes antes da criação do programa, restaram apenas 95 nessa situação um ano depois – e, desses, 85 não receberam médicos porque optaram por não se inscrever. O Ministério da Saúde considera como mínimo para o funcionamento dos serviços de saúde um médico para cada mil habitantes. “A cobertura da Estratégia Saúde da Família no Brasil estava estagnada. Chegou-se num limite, porque os prefeitos não encontravam médicos para trabalhar nesses lugares”, completa.


Infográfico: Igor Outeiral/Secom UnB (adaptado de ilustração de artigo publicado na Revista Rural and Remote Health)

 

A doutora em Saúde Coletiva e assistente de pesquisa, Yamila Comes, também esteve em algumas das cidades onde foram aplicados os questionários e observou em várias delas a mudança na organização do serviço devido à adesão ao programa e ao aumento da demanda. Um exemplo claro foi o processo de referência e contrarreferência, ou seja, o encaminhamento das Unidades de Atenção Básica – porta de entrada do SUS – para procedimentos especializados. “Antes mandavam o usuário para a Secretaria de Saúde, para depois encaminhá-lo a outro hospital. Agora, que há médicos e mais encaminhamentos, existe um assistente social que se ocupa disso”, observa Comes.

 

Pesquisadores da UnB e de instituições parceiras analisaram dados de 900 questionários aplicados em municípios brasileiros Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

Já de acordo com a assistente de pesquisa e bacharel em Saúde Coletiva, Josélia de Souza Trindade, a percepção de melhoria foi também notada entre os profissionais de saúde que atuam nas Unidades e gestores, que relataram maior interação na equipe, cumprimento da carga horária e atendimento humanizado dos médicos. O próximo passo da pesquisa é avaliar os impactos do programa na saúde da população.

 

MAIS MÉDICOS - A precariedade do acesso à saúde em regiões remotas e de grande vulnerabilidade social do Brasil, a carência de médicos dispostos a se fixarem nessas localidades, além da falta de infraestrutura nos serviços de saúde motivaram a criação, em 2013, do Mais Médicos. A iniciativa do Governo Federal, estendida até 2019, prevê  conjunto de ações para sanar esses déficits, otimizar o funcionamento do SUS, especialmente em relação à atenção básica, e ainda direcionar a formação de profissionais na graduação para atuarem em municípios do interior e em especialidades mais demandadas.

 

Até o momento, mais de 18 mil médicos foram contratados para atender 4.058 municípios que aderiram ao programa. Embora a preferência fosse por profissionais brasileiros, já na primeira chamada pública, em 2013, somente 1.096 médicos com CRM do Brasil se inscreveram. Atualmente, eles somam 5.274 profissionais, enquanto a maioria dos médicos participantes é ainda representada por cubanos, estrangeiros de outras nacionalidades e brasileiros formados no exterior.