Na Faculdade de Educação Física (FEF), pacientes em pós-operatório recebem acompanhamento físico e nutricional. Objetivo é que resultados da pesquisa sejam utilizados no aprimoramento de políticas públicas

 

Na academia da FEF, voluntários de pesquisa científica recebem acompanhamento profissional de perto. Foto: Anna Karolina Maciel/Agência Facto

 

Cerca de 50% da população brasileira tem sobrepeso ou obesidade. A informação é da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Entre as crianças, a média é de 15%. Na vida de algumas das pessoas que refletem esses dados, haverá um momento em que cirurgias para redução de peso serão uma alternativa, seja por questões estéticas ou de saúde. Com o objetivo de estudar possibilidades para melhorar a qualidade de vida de indivíduos que se submeteram a cirurgia bariátrica nos últimos anos, o projeto Nutrição e Exercício Resistido na Obesidade (Nero) reúne pesquisadores na Universidade de Brasília.

 

Iniciativa conjunta dos programas de pós-graduação em Nutrição Humana (PPGNut) e de Educação Física (PPGEF) da UnB, o projeto reúne pesquisas que analisam aplicação de exercícios físicos e suplementação proteica em pacientes que se submeteram a cirurgia para redução de peso em um intervalo de tempo de dois a sete anos. As experiências começaram em agosto de 2017, com o acompanhamento de 22 pacientes (depois reduzidos a 17) em pós-operatório tardio – nomenclatura que recebem pelo tempo passado após a cirurgia. As observações feitas nesse grupo terminaram no início de dezembro de 2017, após 12 semanas de supervisão.

 

Para participar do projeto, os voluntários passaram por entrevista, sendo selecionados perfis específicos: indivíduos entre 18 e 60 anos, que não estivessem amamentando e não praticassem atividades físicas. Até o fim de 2018, a expectativa do grupo é alcançar um número amostral de 100 voluntários. 

 

O aluno de doutorado Fernando Lamarca integra o grupo de pesquisadores do Nero, composto ainda por quatro alunos de graduação, um mestrando da Educação Física e seis professores – sendo uma da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). De acordo com o doutorando, duas perguntas fundamentais formam as bases para que a pesquisa desenvolvida na UnB seja diferenciada. “Será que pacientes da cirurgia bariátrica em pós-operatório tardio devem ingerir apenas a suplementação ou apenas praticar exercícios físicos para ter uma melhor qualidade de vida? Ou devem seguir ambas as práticas?", indaga.

 

Em busca destas respostas, os voluntários foram divididos em quatro grupos amostrais com características distintas. "Nosso objetivo é testar duas intervenções: o exercício resistido e a suplementação proteica. Por isso, os pacientes foram separados em quatro grupos”, explica. Há aqueles que realizam atividade física e ingerem o suplemento Whey Protein (proteína do leite); outros que realizam apenas atividades físicas; aqueles que somente usam o suplemento; e outros que não fazem nenhum dos dois. Nos grupos com ausência da suplementação proteica, optou-se por adicionar um placebo, para igualar a quantidade de calorias recebidas pelos participantes e assim evitar influências no resultado da pesquisa.

O doutorando Fernando Lamarca (em pé) com três estudantes de Nutrição no Nero – Isabela Nogueira, Wilson Campos e Gabriela Pawlak. Foto: Anna Karolina Maciel/Agência Facto

 

"Durante a supervisão, os pacientes não sabem o que cada um toma", esclarece a professora do Departamento de Nutrição (NUT) da UnB Kênia Baiocchi, coordenadora do projeto. A medida visa prevenir possíveis interferências no estudo. Quanto à seleção dos grupos, para definir quem usaria o suplemento e quem tomaria o placebo, foi realizado um sorteio. Para decidir quais voluntários fariam atividades físicas, o critério foi a disponibilidade dos pacientes, sendo selecionados aqueles que tinham tempo para ir à academia às segundas, quartas e sextas-feiras.

 

Ao longo do acompanhamento, os pacientes do Nero realizam exames no Laboratório de Nutrição Clínica da Faculdade de Ciências da Saúde (FS), na Faculdade de Educação Física (FEF) e em um laboratório parceiro privado. Alguns testes, entretanto, são realizados apenas na primeira e na última fase, como é o caso da calorimetria indireta e da bioimpedância – que medem, respectivamente, o gasto de caloria em repouso e a composição corporal, ou seja, o percentual de água, músculo, gordura e outros componentes no corpo. Tudo isso para verificar o resultado em cada voluntário e assim compreender qual dos quatro grupos desenvolveu melhor qualidade de vida.

 

"Como essas intervenções podem auxiliar na composição corporal de pacientes em pós-operatório tardio? Será que, com exercício físico e suplementação proteica, vamos aumentar a quantidade de massa muscular e diminuir o tecido adiposo? Ou, para obter esse efeito, precisamos aplicar os dois individualmente? Os resultados finais nos mostrarão isso", diz Lamarca sobre sua pesquisa, uma das quatro desenvolvidas no projeto Nero.

 

Para atingir o número da amostra de 100 voluntários, um novo grupo foi selecionado para acompanhamento por 12 semanas, em fevereiro de 2018. São mantidos os perfis (idade, sexo, índice de massa corporal) dos primeiros voluntários para não gerar variação entre as amostras e evitar interferências nos resultados. Os dados da primeira fase do projeto foram apresentados no Congresso Brasileiro de Nutrição, que aconteceu em abril de 2018.

 

TREINAMENTO – "Segura essa descida, Andrea, eu estou vendo!", grita o professor da FEF Ricardo Moreno para uma das voluntárias. Em outro momento, depois de mais um grito, uma das participantes brinca: "É um caso de amor que este menino tem comigo". É esse ambiente de descontração que compõe o clima da academia localizada na Faculdade de Educação Física, onde os grupos que devem realizar atividade resistida fazem musculação: um no turno matutino e outro no vespertino.

 

Moreno elaborou o programa de treinamento que os voluntários realizam no Nero. O professor conta com uma equipe de alunos do Grupo de Estudos em Fisiologia do Exercício e Saúde para acompanhar cada exercício realizado. "Os participantes passaram por uma semana de adaptação. O bom da musculação é que temos uma gama de possibilidades de carga. Posso ajustá-las de acordo com a força de quem o executa e, ainda assim, mantê-lo no mesmo nível que os demais", expõe.

Mensurar os melhores caminhos para atingir qualidade de vida em pacientes que fizeram cirurgia bariátrica é um objetivo do projeto Nero. Foto: Anna Karolina Maciel/Agência Facto

 

Para homogeneizar o desenvolvimento da turma nas atividades propostas, a equipe do projeto utiliza uma escala de percepção de fadiga na execução dos exercícios, a Omni Res, na qual zero é extremamente fácil e dez, extremamente difícil. Todos os voluntários iniciaram a pesquisa no nível seis (pouco difícil). Após quatro semanas, passaram para o nível sete. Depois do mesmo período, terminaram no nível oito (difícil). Desse modo, os professores se baseiam na fadiga do próprio participante para variar as cargas dos aparelhos, para que todos se mantenham nas mesmas percepções.

 

Além de gostar do ambiente tranquilo no qual todos se dão bem, a voluntária Milla Cristian admite que o projeto lhe permitiu novas experiências. "Depois da cirurgia bariátrica, comecei a praticar exercícios físicos. Não tomei suplementação proteica por ter intolerância à frutose e, com o tempo, a rotina ficou muito puxada”, comenta a paciente, que só voltou à academia após o início da pesquisa. “Também comecei a tomar suplementação. Quer dizer, eu nem sei se o que tomo é a proteína mesmo, né?", se diverte. Um dos incentivos para Milla foi se preparar para o casamento.

 

NOVO COMEÇO — Após conhecer melhor os participantes, Fernando Lamarca avalia que cerca de 11 voluntários apresentaram reganho de peso após a cirurgia bariátrica. "Eles enxergam no projeto uma nova possibilidade de recomeçar, com um estilo de vida mais saudável. É o que tentamos passar todos os dias aqui", assegura. Entretanto, o doutorando reforça que o Nero não é um programa de emagrecimento e não oferece receitas nutricionais direcionadas para cada participante. "A finalidade da pesquisa é influenciar futuras políticas públicas, melhorar a assistência às pessoas que não conseguiram manter as recomendações após a cirurgia bariátrica Bypass", resume.

 

Lamarca se refere ao método Bypass Gástrico em Y de Roux, empregado em mais da metade das intervenções cirúrgicas bariátricas no Brasil. A técnica envolve o grampeamento e isolamento de uma porção do estômago. Feito isso, desvia-se o intestino delgado que, em seguida, é conectado à parcela estomacal isolada. Por isso é considerada uma técnica mista – restritiva e disabsortiva –, uma vez que induz a diminuição do consumo de alimentos e da absorção de gorduras. Todos os voluntários avaliados no Nero passaram por este tipo de procedimento.

 

Para a professora Kênia Baiocchi, pessoas que foram submetidas a cirurgia bariátrica devem manter todo o acompanhamento nutricional e físico proposto após a intervenção. "Cirurgia bariátrica não faz nenhum milagre. Milagre é quando a gente reza e acontece. Depois de passar por esta etapa, é parte fundamental do processo escolher bons ambientes para se estar e ingerir refeições adequadas", orienta.

 

 

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.