Grupo coordenado por professora da UnB promove debate sobre parto humanizado. Confira entrevista com Silvéria Maria dos Santos

Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

 

“Do século XX para cá, definiu-se que a forma de lidar com o corpo da mulher é com força. Corpo de mulher não precisa de força. É só o contato, pele a pele”, afirma Silvéria Maria dos Santos, enfermeira obstetra e professora do Departamento de Enfermagem da Universidade de Brasília. E, assim, segue a roda de conversas que ocorre no projeto de extensão Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva no HUB/UnB - Curso de gestantes, casais grávidos e paridas, coordenado há 18 anos por Silvéria, que também desenvolve trabalho sobre direito da mulher e humanização do parto.

 

Toda sexta-feira, partir das 11h, o grupo – que inclui ainda enfermeiras, doulas, terapeutas e estudantes – se reúne no ambulatório do Hospital Universitário de Brasília (HUB) para compartilhar experiências, temores, angústias e aprendizados. Os encontros são abertos aos interessados e não precisam de inscrição. “A roda não para. Temos apenas recesso de Natal e Ano Novo. No mais, estamos sempre ativas”, adianta a enfermeira.

 

Encontro do grupo Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva no HUB/UnB. Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

Carolina Mercado, 34, coordenadora de escola infantil, já relatou sua experiência. Na ocasião, tinha dado à luz há 25 dias. Enquanto contava sobre o parto – que começou tranquilo e se complicou – o esposo, Vinícius Sena de Lima, 35, psicólogo, carregava nos braços a recém-nascida Laura. "Eu pari sozinha, não tive nenhuma medicação, nenhum procedimento médico, nada de intervenção. Foi lindo", afirma Carolina. Ela lembra que o parto aconteceu relativamente de acordo com o planejado, mas foi seguido da placenta presa, hemorragia, parada respiratória (Laura estava bem, nos braços da avó), litros de sangue para transfusão e centro cirúrgico. Ao final do sufoco, já se recuperando do susto e com a bebê no peito, Carolina Mercado lembra o comentário de uma enfermeira: “Isso vai ser bom para você. Você vai ver que é capaz de muito mais do que imaginava”. Mas admite: “Na hora, não achei bom. Chegamos em casa e, aí, começou o desafio de verdade. Maternidade mexe muito com tudo”, continuou.

 

“Para parir, você precisa rever seus conceitos. O medo de ser mãe, as questões relativas a sua mãe e seu pai. O desafio de todas nós é a maternidade. A gravidez e o parto são ritual mínimo. Quando nasce, não é só um bebê. Nasce um pai e uma mãe. Nasce uma família”, intervém Silvéria dos Santos.

 

Na conversa, fala-se sobre plano de parto, expectativas, frustrações. O foco é o estímulo da saúde sexual reprodutiva. “É um espaço de promoção de saúde e de vida. A perspectiva é a temática reflexiva sobre o ciclo de vida, a saúde da mulher, da criança e da família”, explica Silvéria.

 

Silvéria dos Santos, ao centro, de roxo, ladeada por participantes do grupo. Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

EMPODERAMENTO – “Aqui, mitos, crenças e dogmas são desconstruídos. Aprendemos a ser mãe. Não se nasce mãe. Mãe não é gerada pelo engravidar, pelo parir. É um projeto de vida em construção”, afirma a professora. O grupo foi criado, segundo ela, para que a experiência da mulher e o saber acadêmico possam transformar pessoas para cuidar e para receber cuidado. “Nesse grupo, quebramos o ciclo da violência obstetrícia. A mulher sabe quais são as abordagens agressivas. Ela tem informação para tomar decisões sobre seu corpo”, decreta a coordenadora do projeto.


A seguir, seis perguntas para a enfermeira obstetra e professora Silvéria Maria dos Santos sobre parto humanizado, empoderamento feminino e o grupo Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva no HUB/UnB – Curso de gestantes, casais grávidos e paridas:


Qual o maior desafio para o parto humanizado na atualidade?


Silvéria dos Santos: São os profissionais que não abordam a mulher como sujeito político, no sentido de que cabe a ela autoridade sobre seu corpo. Ela tem o poder e o direito de decidir sobre ele. Existem políticas, regras, regulamentos federais, distritais e internacionais sobre o tema. A questão é respeitá-los. Formação é outro desafio. Existem estudos que comprovam os benefícios do parto humanizado. E esse é o foco da Rede Cegonha [iniciativa do Ministério da Saúde para saúde materno-infantil]: humanizar para quebrar a violência no parto. Muitos profissionais não querem reconfigurar suas práticas sobre o parto.

Silvéria dos Santos desenvolve trabalho sobre direito da mulher e humanização do parto. Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

 

Qual o entendimento pacificado sobre parto humanizado?

 

Silvéria dos Santos: Os profissionais devem passar as informações sobre o funcionamento natural do corpo feminino durante o parto. Cabe à mulher observar limitações próprias anatômicas, fisiológicas e do bebê para fazer suas escolhas. A categoria que está mais apta para se qualificar para o parto com minimização de risco, para o parto humanizado, é a da enfermagem. Isso porque não tem medicalização, procedimento cirúrgico... Estamos no terceiro curso de especialização em enfermagem obstetrícia, com 705 horas. Três quartos do curso são voltados para práticas e habilidades. Não significa que um médico não posso fazer. Pode, desde que seja um profissional disposto a observar e dar o tempo de a mulher parir, porque cada uma tem seu tempo. Não há hora para nascer. A Rede Cegonha trabalha com cooperação entre profissionais para garantir baixo risco no parto. Seja risco social, legal, fisiológico. Por isso trabalhamos com assistentes sociais, advogados, fisioterapeutas...

 

O grupo empodera as mulheres?

 

Silvéria dos Santos: Empodera. Mais do que o debate, o grupo promove o espaço de fala da mulher. O direito à fala, para que ela possa expor as emoções. Gestação é muita emoção. O sistema límbico vem à tona. Por isso, elas precisam vir. Elas precisam desse exercício de fala.

 

Nesses 18 anos de grupo, você identifica mudança na forma em que os temas são tratados pelas mulheres?

 

Silvéria dos Santos: Demais. No passado, elas tinham muita vergonha de falar, por exemplo, sobre as mudanças que ocorrem na genitália enquanto estão grávidas. Muda o tamanho, o muco, a lubrificação, a relação com o sexo. Hoje, elas falam com muita simplicidade, normalidade. Falam também sobre as várias fases por que passam, como o medo, a dor, o amor. Antes, esses tipos de grupo eram muito focados no mito do amor materno. Como se, ao ficar grávida, a mulher precisasse amar tudo, gostar de tudo, e não é assim. É como qualquer outra fase na vida. É preciso ter respeito aos limites emocionais, relacionais da mulher.

 

Qual é a importância do grupo para a comunidade?

 

Silvéria dos Santos: Há redução de conflitos e violências que enfrentam na assistência ao parto. Consciência do poder e quebra de mitos que elas têm sobre o parto. Respeito a elas e a próximas gerações.

 

Serviço:
Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva no HUB/UnB – Curso de gestantes, casais grávidos e paridas
Sextas-feiras, a partir das 11h.
Ambulatório do Hospital Universitário de Brasília – HUB, sala 49, corredor azul (SGAN 605, Av. L2 Norte, Brasília, DF).
Participação livre.