Egresso da UnB aponta parâmetros para descrever comportamento mecânico de forma mais fiel e evitar acidentes por fadiga e ruptura

Raquel Aviani/Secom UnB

 

O comportamento macroscópico – a olho nu – e microscópico de materiais metálicos quando estão submetidos à atuação de determinadas forças repetitivas foi alvo de anos de estudo do egresso do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília Lucas Mangas Araújo. Desde a graduação, seu interesse foi analisar fenômenos como fadiga e fratura em ligas metálicas, o que pôde aprofundar em sua pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Mecânicas.

 

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Fadiga está relacionada à durabilidade da peça. Por exemplo, quando se dobra a haste de um clips de papel, ela já não volta mais para a posição original, ou seja, sofreu plasticidade. Se essa ação for repetida diversas vezes, a haste se rompe, o que caracteriza a fratura do material.

 

Os dois eventos, fadiga e fratura, são sempre levados em consideração por engenheiros no momento de projetar peças metálicas e também para prever quando será necessário fazer manutenção nelas para que sigam em funcionamento normal, sem causar acidentes.

 

O que muitos não sabem, de modo geral, é que quando se trata de peças muito grandes, como as que estão em plataformas de petróleo ou em turbinas eólicas, é muito difícil testá-las em laboratório, até pelo alto custo deste processo. Daí, os estudos e previsões são feitos basicamente por meio de fórmulas matemáticas e simulações.

 

“Eles [os pesquisadores] fazem testes mais simples para determinar certos parâmetros dessa modelagem matemática e depois tentam simular o que acontece com a peça real. A formulação que mais usam é do tipo von Mises [também chamada de J2], mas ela negligencia muitos parâmetros”, explica Lucas Mangas.

 

“O problema disso é que há muitos materiais metálicos que são sensíveis a esses outros invariantes de tensão [I1 e J3] e como as modelagens matemáticas que esses projetistas engenheiros comumente usam não 'enxergam' esses parâmetros, pode dar problema, como foi o caso do acidente do Golfo do México”, relembra o engenheiro mecânico, que defendeu sua dissertação de mestrado no último mês de julho. 

Acidente em plataforma de petróleo no Golfo do México foi causado pelo mau funcionamento de uma válvula de segurança, o que Lucas Mangas associa à influência de invariantes de tensão em materiais metálicos. Foto: US Coast Guard/Sky Truth Galleries

 

Em 2010, no acidente mencionado – um dos maiores desastres ambientais da história –, o que ocorreu, segundo Mangas, foi o mau funcionamento de uma válvula (Blow Out Preventer ou BOP) na plataforma de petróleo. Ela deveria cessar o escoamento de óleo quando houvesse algum problema, mas após a explosão, o dispositivo permitiu que cinco mil barris, com quase 800 mil litros de petróleo, jorrassem diariamente no mar do Golfo.

 

PARTICULARIDADES – No dia a dia, o egresso da UnB ressalta que tais parâmetros também devem ser observados em muitos casos. Um exemplo corriqueiro é o processo de conformação mecânica em fábricas de automóveis, quando transformam chapas de metal em capôs e portas de carros.

 

Se os cálculos e as simulações não são feitos da maneira mais apurada possível, um erro no nível de força empregado pode resultar em desperdício de material. “É importante saber para poder prever corretamente o que vai acontecer e não ter resultados indesejáveis”, comenta.

 

“Mostramos que, para prever de forma correta e mais condizente com a realidade o comportamento mecânico de uma liga, tanto no caso de fadiga como de fratura, é preciso incorporar esses parâmetros extras que mencionei. Provavelmente você vai acertar os níveis de força, a previsão de vida a fadiga, vai obter estimativas mais próximas”, diz Mangas.

 

Mas ele ensina que nem sempre vale à pena utilizar o modelo matemático disposto em sua dissertação. Neste trabalho, ele esclarece até que ponto os efeitos dos invariantes de tensão mencionados devem ser considerados.

  

“Tentamos ligar fratura e fadiga usando os invariantes de tensão, e no meio do caminho há uma 'zona cinzenta', que chamamos de fadiga de baixíssimo número de ciclos. As pessoas consideraram esses invariantes praticamente só na fratura, não foram até os carregamentos cíclicos e nem passaram pelo baixíssimo número de ciclos. A novidade do nosso trabalho foi essa, de mostrar até que ponto eu tenho que considerar esses parâmetros, quais são os ganhos. E foi interessante que mostramos que, para um mesmo material, às vezes vale a pena considerar, às vezes não. Tem pouca coisa na literatura cobrindo esse espectro largo de aplicações”, revela o mestre em Ciências Mecânicas.

A publicação de suas pesquisas em revistas de alto impacto rendeu a Lucas Mangas a conquista de bolsa de doutorado integral na Universidade de Oxford e no Imperial College London. Foto: Arquivo pessoal

 

Seu professor orientador na graduação e no mestrado, Lucival Malcher, explica que a ideia era estudar a influência de alguns parâmetros dentro do comportamento mecânico do material metálico.

 

“Para determinados fenômenos, o que é importante se incluir dentro de uma formulação matemática para conseguir descrevê-los de uma maneira mais realística? Começamos a estudar qual o efeito e a importância de se incluir ou não alguns parâmetros elastoplásticos relevantes, ou o que chamamos de endurecimento do material”, descreve o docente, ao esclarecer que há vários tipos de endurecimento e há momentos em que um é mais importante que o outro.

 

“Isso, para a engenharia, é muito importante, porque nos permite modelar de maneira mais precisa muitos fenômenos físicos ou, por exemplo, o comportamento de materiais sob diversas complexidades de carregamentos, de geometria, etc.”, detalha Malcher, que é coautor de quatro artigos científicos escritos com Lucas Mangas.

 

PRODUÇÃO – A dupla Lucival Malcher e Lucas Mangas publicou três artigos em revistas de altíssimo impacto, com Qualis A1 – indicador mais elevado de qualidade de um periódico. Já existe um quarto texto submetido também a uma publicação A1, o qual aguarda revisão.

 

“Após a graduação, conseguimos escrever um artigo científico que foi publicado numa revista muito conceituada, a Theoretical and Applied Fracture Mechanics, A1 nos conceitos da Capes. Lucas também participou como coautor em outros dois artigos científicos: um em que estudamos os efeitos de alguns parâmetros elastoplásticos importantes, que também foi publicado nessa revista, e outro que publicamos na International Journal of Plasticity – a principal autora foi aluna minha de doutorado e Lucas contribuiu bastante”, relata o docente.

 

“Esses três artigos publicados em revista de altíssimo impacto trouxeram destaque muito grande para o Lucas. Isso o ajudou muito a se candidatar ao doutoramento, tanto na Oxford University como no Imperial College London. Em ambos foi aceito com bolsa integral paga por eles. Já é muito difícil entrar nessas universidades, e entrar com uma bolsa paga pelo governo do Reino Unido é muito, muito difícil e muito, muito raro. Mas com certeza toda essa trajetória que o Lucas fez desde a graduação possibilitou essa vitória nesse próximo passo que ele vai dar”, avalia Malcher, orgulhoso com a conquista do ex-orientando.

 

“São duas bolsas muito prestigiadas não apenas na Inglaterra. Estava entre o ótimo e o excelente”, declara Mangas, que, diante das oportunidades, optou por fazer o doutorado na Universidade de Oxford. Ele pretende viajar ainda em setembro e concluir o curso em três anos e meio.

 

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