O que Joe Biden, Javier Milei e Donald Trump podem ter em comum? O fato é que esses e outros líderes do continente americano não passam despercebidos. Por causa dos recentes acontecimentos políticos, um artigo de opinião recém-publicado na prestigiada revista científica Lancet Regional Health, levantou questionamentos sobre a necessidade de submeter os líderes mundiais a exames de saúde mental.
Intitulado Sleepy Joe, el loco e debates em evolução sobre saúde mental e liderança democrática nas Américas (em tradução livre), o texto foi publicado na seção destinada a artigos de opinião de experts. É assinado pela professora da Faculdade de Medicina (FM/UnB) Helena Moura e outros sete pesquisadores (do continente europeu, da Argentina e dos Estados Unidos), que compõem um grupo de estudo internacional sobre Geopsiquiatria.
A professora explica que o artigo é uma base para fomentar o debate do tema na academia. “A gente não fez nenhum tipo de análise ou algo neste sentido. A ideia era abrir o debate sobre esse tema, ressaltando as similaridades e as diferenças entre os países”, ressalta.
Segundo ela, o tema é atual e ganhou destaque após as recentes disputas eleitorais nos Estados Unidos, Brasil e Argentina, que frequentemente traziam o tema da saúde mental dos candidatos como argumento de campanha. O texto lança olhar sobre os desafios éticos e práticos de implementar avaliações psiquiátricas obrigatórias em cargos de liderança, para garantir aptidão para o cargo.
“As Américas estão se tornando um campo de testes para as interações entre expectativas socioculturais, saúde mental e governança democrática”, cita trecho. O texto explica que o debate sobre a relação entre saúde mental e governança torna-se necessária para que, num futuro próximo, possamos talvez medir o impacto da sanidade mental na gestão pública e na estabilidade democrática.
DESAFIOS – Segundo a pesquisadora, a questão não é apenas se esses políticos devem ser avaliados, mas também como avaliações deveriam ser feitas para evitar abusos e manipulações. A docente enfatiza que em cada país há percepções e legislações distintas, o que torna difícil determinar de maneira única os critérios objetivos para esse tipo de avaliação.

"Não há uma resposta única para essa questão. Envolve fatores jurídicos, culturais e expectativas da população”, ressalta. "Mas um primeiro ponto é evitar que a saúde mental seja usada para manchar uma imagem de política, gerar polarização e desinformação”, diz.
Além disso, embora a adoção de exames psiquiátricos obrigatórios dê mais transparência e credibilidade ao processo democrático, deve-se considerar quem estaria apto a realizar as avaliações. Isso porque as informações poderiam ser utilizadas de maneira distorcida ou abusiva tanto pelo político como pela oposição.
"É fundamental que essa questão seja tratada de forma multidisciplinar, envolvendo psiquiatras, historiadores, psicólogos e juristas", opina a docente. Ela afirma que o transtorno mental, por si só, não impede alguém de ocupar um cargo de liderança, já que podem ser controlados e têm variações de intensidade e impacto.
Assim, ela afirma que, “antes de implementar qualquer avaliação é necessário estabelecer critérios claros para evitar punições e abusos", como historicamente já ocorreu. O artigo cita o fato de que, no Brasil, exames psicológicos são cobrados para alguns cargos no setor público, mas não são obrigatórios para cargos de poder.
A contradição abre prerrogativa para a negativa dos políticos em expor os dados, dada a ausência de plano prévio e sólido para que isso ocorra. Como solução, o texto sugere que, em vez de diagnósticos psiquiátricos formais, seja dada atenção às funções executivas necessárias para governar.
Testes de cognição e avaliações funcionais, como os utilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), podem medir a capacidade e o desempenho, sendo uma alternativa viável para identificar limitações, sem estigmatização. "Estamos propondo esse debate, então vamos fazer isso direito, sem estigmatizar a saúde mental", comenta.
GRUPO – Helena Moura integra o Grupo de Interesse Especial em Geopsiquiatria, da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA). Eles são responsáveis por pesquisar a ligação entre eventos geopolíticos e saúde mental, para compreender como conflitos, mudanças climáticas, populismo e instabilidade econômica impactam a saúde mental global e para ajudar a formular diretrizes e propor estratégias para enfrentar os desafios.