Objetivo é reunir evidências a partir de relatos dos próprios jogadores que auxiliem profissionais de saúde na escolha dos tratamentos

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A doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura na UnB Rebeca Gliosci acaba de ter o seu artigo Therapeutic Interventions with Videogames in Treatments for Depression: A Systematic Review premiado pela editora Rosalind Franklin Society. Publicado na revista Games for Health em 2023, o artigo é um dos cem escolhidos pela editora. O prêmio agracia todos os anos trabalhos científicos que demonstrem avanços nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática e que sejam desenvolvidos por mulheres pesquisadoras ou por outros grupos socialmente sub-representados. 

 

>> Confira o artigo Therapeutic Interventions with Videogames in Treatments for Depression: A Systematic Review

 

Resultado de pesquisa desenvolvida sob orientação do professor do departamento de Design (DIN/IdA) Tiago Barros, o artigo aborda o uso do videogame no tratamento de pessoas com depressão durante a pandemia de covid.

 

"Busquei por registros de estudos de caso, ensaios clínicos, relatórios de pesquisa que tivessem sido publicados até 2021, o ano crítico da pandemia de covid-19. Encontrei 23 registros pertinentes ao nosso protocolo de análise, dos quais pudemos extrair dados quantitativos e qualitativos a fim de traçar um panorama atual de pesquisa científica e prática clínica no tema de games e depressão", explica Rebeca. "Conduzimos uma revisão de literatura nas bases de dados mais relevantes em Saúde, como PubMed e LILACS/BVS, entre outras, partindo da seguinte questão norteadora: o que informam os dados científicos mais recentes sobre o uso terapêutico de jogos digitais em intervenções para a depressão?", completa. 

 

Esse estudo fez parte da primeira etapa da pesquisa de mestrado de Rebeca no Programa de Pós-Graduação em Design chamada Mundos terapêuticos: os jogos digitais para jogadores com depressão. Na segunda parte da pesquisa, foi realizado um estudo etnográfico sobre pessoas que usaram games de modo casual e terapêutico para enfrentar a depressão durante o período de isolamento da pandemia.

 

EXPERIÊNCIA – Após 13 anos produzindo conteúdo especializado sobre jogos digitais e cultura gamer no Brasil, Rebeca passou a observar mais atentamente o que jogadores comentam nas redes sociais e em fóruns online sobre as suas experiências com os games. Nos últimos anos ela conseguiu acompanhar a emergência de discussões sobre a depressão entre jogadores. A partir da pandemia de covid-19, multiplicaram-se os relatos sobre games que ajudavam pessoas a lidar com dificuldades emocionais e isolamento social.

Rebeca Gliosci foi uma das cem pesquisadoras premiadas pela Rosalind Franklin Society em 2023. Foto: Arquivo Pessoal

 

"Para além dos jogos, eu sempre tive interesse pela psicologia humana, então quis compreender esse fenômeno", comenta a autora ao destacar que ciência tende a focar mais a tecnologia e a doença do que a pessoa quando o tema é tratado.

 

"A voz de um paciente-jogador, sua autopercepção, sua perspectiva frente ao tratamento, é pouco ouvida, mas não posso dizer que este resultado me surpreendeu. Nas discussões em fóruns e redes sociais, é muito comum encontrar desabafos de jogadores que não se sentem realmente ouvidos nem por seus terapeutas. Acredito que faltam abordagens centradas na pessoa que joga, buscando integrar suas necessidades mais subjetivas ao tratamento clínico e reforçar as estratégias de enfrentamento que já funcionam para ela", ressalta.

 

Ela também destaca a carência de intervenções voltadas ao público jovem com idade entre 18 e 35 anos, que, além de ser um dos mais afetados pelo transtorno depressivo, é o que mais consome jogos digitais atualmente.

 

SAÚDE MENTAL – Segundo Rebeca, poucas intervenções com grupos de jogadores usam recursos multiplayer ou simplesmente exploram o potencial dos games para promover conexões entre as pessoas. "Há uma oportunidade muito rica e sub-explorada nesse sentido, a qual sigo pesquisando agora no meu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura (PPGPSICC/IP) da UnB", diz.

 

Ela explica que esse tipo de revisão tem como propósito sintetizar evidências para tomada de decisão em áreas da Saúde, portanto, segue uma abordagem metodológica objetiva e rigorosa. "Sendo designer, eu queria agregar um olhar qualitativo e produzir resultados relevantes tanto para a Psicologia Clínica quanto para o Design de Interação, meu principal campo de atuação e estudo. Precisei aprender uma metodologia que não me era familiar e então adaptá-la: elaborar uma abordagem mista que mantivesse o rigor elevado e, ao mesmo tempo, permitisse certa liberdade exploratória. Para minha sorte, pude contar com um orientador muito parceiro que tem background sólido na Psicologia."

 

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é uma das condições mais incapacitantes em todo o mundo e as estatísticas do transtorno vêm aumentando em faixas etárias cada vez mais jovens. "Nesse contexto, intervenções com jogos digitais têm se mostrado promissoras e espero que mais pesquisas sejam realizadas para investigar as diversas potencialidades dessa ferramenta que já é tão presente no universo jovem", observa a pesquisadora. Ela pontua que o uso terapêutico de games não é uma fórmula mágica, que funcionará para todos os tipos de jogadores com depressão.

 

"Também acho importante ressaltar que as preocupações de mães, pais, familiares e responsáveis quanto ao vício em games  reconhecido pela OMS como um transtorno de saúde mental em 2018  são válidas. No entanto, qualquer tipo de compulsão esconde questões mais profundas." Para ela, a melhor opção não é arrancar o aparelho de uma criança ou adolescente que "nunca para de jogar", e sim, buscar ajuda especializada, com empatia, visando uma relação saudável com o hobby. "Os games podem oferecer diversos benefícios de aprendizagem, estímulo à criatividade, desenvolvimento de habilidades, socialização, e, claro, terapêuticos", aponta.

 

"A pesquisa de mestrado de Rebeca aborda os jogos digitais no contexto da saúde mental. Considero o tema atual e relevante, especialmente devido ao momento marcado pela pandemia de covid-19 e o avanço da depressão enquanto uma das doenças mais incapacitantes do mundo", diz o professor Tiago Barros, orientador do estudo. "Considero que o trabalho inova ao acrescentar um olhar direcionado ao jogador enquanto parte indissociável da compreensão do fenômeno do uso de jogos para efeitos terapêuticos, contribuindo para um campo atual e necessário da sociedade contemporânea. Entendemos que a pesquisa teve repercussão entre os pares das diferentes áreas em que atua, validando a abordagem e qualidade do estudo, assim como a relevância dos seus resultados", comenta.

 

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