A égua Delicinha perdeu a mobilidade da articulação próxima ao casco de uma de suas patas. Por isso, teve sua capacidade de cavalgada reduzida. Essa condição provavelmente motivou o abandono do animal. Após passar por esse episódio, a égua foi encaminhada ao Hospital-Escola para Animais de Grande Porte (HVet) da UnB e está sendo preparada para doação. Nesses casos, a castração – ovariectomia, na nomenclatura técnica –, é procedimento padrão. A novidade é que Delicinha foi operada por meio de uma técnica inédita na Universidade de Brasília: a videolaparoscopia, uma cirurgia guiada por câmera.
Funciona da seguinte forma: de pé, o animal recebe uma anestesia local, depois o cirurgião veterinário faz três cortes abdominais de, no máximo, dois centímetros. Em um deles, insere o endoscópio rígido conectado à câmera e à fonte de luz. As imagens são projetadas em um monitor e o profissional consegue conduzir a cirurgia visualizando toda cavidade e órgãos internos do animal. No método tradicional – a laparotomia –, o mesmo procedimento é feito com o animal deitado, sob efeito de anestesia geral e por meio de um corte que pode chegar a 30 centímetros.
“Na cirurgia aberta tradicional, não conseguimos a visualização completa do procedimento, agimos por palpação. Entramos com a mão, buscamos e tracionamos a estrutura. Na cirurgia fechada, por videolaparoscopia, conseguimos ter essa visualização e a técnica fica mais bem empregada e mais precisa”, explica Fábio Ximenes, professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV) da UnB.
Este tipo de operação propicia outras vantagens, segundo o docente. Para o animal, o trauma é menor. “O risco de contaminação reduz drasticamente. É considerável a diferença entre uma incisão de 30 centímetros [feita pelo método tradicional] e outra com um corte dois centímetros [videolaparoscopia], no qual introduzimos apenas equipamentos estéreis”, analisa.
A recuperação de Delicinha será mais rápida, em torno de uma semana. Nesse tempo, ela receberá os cuidados – analgésicos, curativos, alimentação e higienização – em uma das baias do HVet. Se fosse pela cirurgia aberta, precisaria de 30 dias de repouso.
OUTRAS APLICAÇÕES – A videolaparoscopia ainda pode ser usada para fechar diagnósticos, em casos nos quais os exames clínicos não conseguem identificar anormalidades ou patologias. Ximenes ressalta a inexistência de equipamentos de ressonância magnética ou de tomografia computadorizada para examinar um cavalo da cabeça aos pés, como é feito com humanos.
“Recebemos aqui no Hospital, por exemplo, duas vacas com média de peso de mil quilos. Tentamos uma biópsia hepática, guiada por ultrassom, sem sucesso. Então, fizemos o procedimento por laparoscopia. Com o animal de pé, entrei com o laparoscópio e guiei a agulha de biópsia para alcançar o fígado e retirar o fragmento para o exame. Quando terminou, a vaca saiu andando, foi para o piquete, comeu e bebeu água”, conta.
O procedimento também contempla o aspecto estético, uma vez que a cicatriz pós-operatória deixada na pele do animal é muito pequena. “Muitos proprietários não querem marcas visíveis. A cirurgia tradicional deixa uma cicatriz grande. A laparoscopia não”, destaca Ximenes.
A técnica engloba funcionalidades acadêmicas e pedagógicas. “É possível reunir vários alunos e mostrar, via monitor, estruturas abdominais que eles não teriam oportunidade de ver, a não ser em uma necropsia. Na cirurgia tradicional, não posso permitir que muitas pessoas coloquem a mão na cavidade e tenham essa experiência”, aponta o professor.
Letiana da Silva, residente em Clínica e Cirurgia, participou de dois procedimentos por videolaparoscopia no HVet. Antes da residência, não havia tido contato com a técnica. “O procedimento possui uma complexidade menor em sua execução, o mesmo ocorre ao se realizar os curativos e a medicação pós-operatória. E ainda ganhamos novas experiências, algo que agrego ao currículo”, afirma.
ESPECIALIZAÇÃO – Segundo Ximenes, é preciso investir em formação específica para trabalhar com videocirurgias. “Operar um animal de pé é totalmente diferente de operá-lo deitado, porque os órgãos mudam de posição. Com o tempo, você cria essa distinção na cabeça, mas no início é difícil. É fundamental treinar a habilidade manual com os instrumentais e formar uma equipe”, completa.
A videolaparoscopia em animas de grande porte foi introduzida nas rotinas do HVet em abril, por Fábio Ximenes. O docente aperfeiçoou a técnica no seu doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp-Botucatu), onde pesquisou e trabalhou com cirurgias por vídeo em mulas. Até agora, na UnB, duas éguas e duas vacas passaram por procedimentos guiados por vídeo.
“Não temos toda estrutura e equipamentos necessários aqui no Hospital, estamos trabalhando em parceria com laboratórios particulares. Nosso principal desafio é adquirir os equipamentos, que são muito caros, e investir em pesquisas. Comecei projetos com alunos da iniciação científica, estou trabalhando em publicações, concorrendo a editais de fomento e pretendo ofertar uma disciplina na pós-graduação”, enumera o professor da FAV.
COMUNIDADE – Os serviços oferecidos pelo Hospital Veterinário para Animais de Grande Porte são cobrados, porém, possuem preços abaixo da média de mercado. De acordo com Fábio Ximenes, uma consulta que custa até R$ 500 em clínicas particulares, no HVet é R$ 120. A média de preço para os procedimentos de videolaparoscopia é de R$ 800, valor bem mais acessível comparado a procedimentos realizados em clínicas privadas.
Em 2017, o setor de grandes animais do HVet realizou 1.430 exames, 384 consultas, 108 cirurgias e 47 necropsias em asnos, bois, búfalos, cabras, cavalos, mulas, ovelhas e porcos. O atendimento é feito em regime de plantão.
Serviço
Hospital-Escola para Animais de Grande Porte
Atendimento 24 horas, em regime de plantão
Telefone: 61 3468 7255
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