Exploração de sal-gema em Maceió fez com que cinco bairros afundassem a cada dia desde 2018. Projeto junto à Ufal e UFPE busca soluções para região

Patrícia Guarnieri/arquivo pessoal
Escombros de casas após o desastre ambiental em Maceió (AL). Foto: Patrícia Guarnieri/arquivo pessoal


Canal no YouTube. Podcast. Matérias nos jornais. Livros. Documentários. Artigos científicos. Esses são alguns dos meios utilizados atualmente para contar uma história que começou pelo menos cinco anos atrás, quando a extração inadequada de sal-gema em Maceió (AL) deu lugar ao maior desastre socioambiental em zona urbana no mundo.

  
Em 3 de março de 2018, três das 35 minas perfuradas pela empresa Braskem desabaram e provocaram um terremoto de 2,5 pontos na escala Richter. Com o afundamento do solo, cinco bairros da capital alagoana começaram a sentir os efeitos e tiveram suas edificações e vias rachadas ou destruídas. Após análise da Defesa Civil, iniciou-se a desocupação dos bairros em caráter de urgência, e moradores e trabalhadores da região passaram a ser realocados às pressas.


Estima-se que cerca de 60 mil famílias foram diretamente afetadas – não se sabe ainda o número exato porque quem detém as informações é somente a mineradora. Mas até hoje as consequências são sentidas cotidianamente em toda a cidade e nos arredores, não apenas no Bebedouro, Bom Parto, Farol, Mutange e Pinheiro, que viraram praticamente “bairros-fantasma” em Maceió.


“Uma trilha de VLT teve que ser desativada. Vários hospitais tiveram que ser desocupados, o único hospital psiquiátrico da cidade também. Várias escolas, os postos de saúde, uma série de aparelhos públicos foram desativados ao mesmo tempo. Comerciantes tiveram que fechar suas empresas, as pessoas que trabalhavam informalmente nos bairros também não têm mais renda, sem falar de todos os outros danos, de patrimônio histórico, cultural, de memória afetiva”, relata a docente do Departamento de Administração da Universidade de Brasília Patrícia Guarnieri.


Ela integra o projeto de pesquisa composto pelas universidades federais de Alagoas (Ufal), Pernambuco (UFPE) e UnB que estuda diversos aspectos deste desastre ambiental desde o ano passado. O objetivo é realizar análises quantitativas e qualitativas dos incidentes ocasionados pela mineração de sal-gema em Maceió, sob a perspectiva da sustentabilidade e suas dimensões econômica, social e ambiental.


“O foco do projeto é no pós-incidente. Como nós podemos garantir para a cidade de Maceió uma sustentabilidade social, econômica e ambiental? Porque não temos como reverter o que aconteceu, infelizmente. Mas, a partir daqui, como a empresa e outros atores envolvidos poderiam se posicionar para minimizar os danos e os impactos negativos que causaram?”, indaga a pesquisadora.


“E foi comprovado: a CPRM [Serviço Geológico do Brasil] fez um relatório em 2018 que apontou que, sim, a Braskem é responsável, porque foi feita a mineração irregular de sal-gema. São danos irreparáveis”, ressalta Patrícia. Em sua página na internet, a CPRM afirma que, de acordo com os relatórios existentes da Agência Nacional de Mineração, pelo menos seis minas se juntaram duas a duas, formando assim três grandes cavidades na região:


“A análise integrada dos dados dos oito sonares em ambiente 3D permite afirmar que as atividades de extração de sal-gema [sic] alterou o estado de tensões resultando no colapso de minas e causando os processos de subsidência [afundamento de solo] no bairro Pinheiro. Conclusão: Há evidências que comprovam que a deformação nas cavidades de extração de sal-gema teve papel predominante na origem dos fenômenos que estão causando danos na região estudada. Este processo está em evolução.”


E hoje, segundo o órgão, ainda existe possibilidade de avanço da Lagoa Mundaú e alagamento parcial ou total de imóveis e ruas nos terrenos que margeiam o local nos bairros do Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Levada. “De acordo com os estudos, existem evidências da possibilidade de ocorrer a subsidência do terreno, resultando no rebaixamento da margem da lagoa. Esse processo, cuja velocidade ainda está sendo investigada, poderá continuar e afetar uma área maior. E deverá ser continuamente monitorada”, declara o Serviço Geológico do Brasil.

Prédio histórico com isolamento de segurança no bairro de Bebedouro em Maceió (AL). Casa ao lado foi habitada no passado pelo escritor Graciliano Ramos, que saiu de lá preso em 1936, acusado de ser militante comunista. Foto: Patrícia Guarnieri/Arquivo pessoal


Patrícia avalia este como outro dano irreparável para Maceió e Alagoas. “A Lagoa Mundaú, além de ser um patrimônio natural, é fonte de renda para diversos pescadores e marisqueiros da região. É de lá que sai o sururú, matéria-prima para o caldinho de sururú, patrimônio cultural da cidade de Maceió. Já se percebe uma redução na quantidade de sururús, que pode ou não ser decorrente desse desastre e de outros motivos”, complementa.


Patrícia Guarnieri esteve na cidade entre dezembro e fevereiro últimos para (re)conhecer o lugar e dar andamento ao trabalho. “Eu queria ver os bairros, eu queria entrevistar as pessoas”, conta.


Responsável pelos estudos de impacto social na pesquisa, a professora da UnB entrevistou, junto à coordenadora do projeto, 20 pessoas até o momento – desde quem estava no poder local há 40 anos, quando da concessão da licença que aprovou a atividade mineradora pela empresa que depois se tornou Braskem, até quem hoje tem de lidar com a situação pós-tragédia.


“As responsabilidades são de vários atores, porém até o momento inexiste um processo penal e administrativo que apure isso. Entrevistamos pessoas de várias áreas, defensores públicos, prefeitura, advogados ambientais, geólogos, professores, pesquisadores. E qual é a opinião de todos? Que a Braskem tem responsabilidade, que a empresa não assume a sua culpa e que deveria indenizar devidamente as vítimas, o município de Maceió, o Estado de Alagoas. Porém a judicialização não é o melhor caminho, tendo em vista a morosidade”, expõe a docente da UnB.


Até hoje, a mineradora não assume formalmente a responsabilidade pelos danos nem responde a processos nas esferas penal e administrativa.


“Existe um processo civil que foi movido pelo Ministério Público devido aos danos aos moradores que tiveram de desocupar seus lares. Só que o que aconteceu foi que as pessoas tiveram que sair e venderam seus imóveis para a Braskem, e receberam uma indenização por danos morais ínfima e padrão. Na prática, os moradores passaram a propriedade do imóvel para Braskem, ou seja, ela não indenizou ninguém, ela comprou os imóveis. E no futuro, a depender do Plano Diretor de Maceió, ela ainda poderá explorar os bairros... são cinco bairros que têm uma vista maravilhosa da Lagoa Mundaú”, alerta Patrícia.

Docente da UnB, Patrícia Guarnieri (Face) foi a Maceió (re)conhecer os bairros do município afetados pelo desastre ambiental. Foto: Mozaniel Silva/Secom UnB


INTERESSES DIVERSOS – Também professor no Departamento de Administração da Universidade de Brasília, Diego Mota Vieira participa do projeto de pesquisa com foco na avaliação do comportamento dos atores sociais (stakeholders, na linguagem técnica) envolvidos no contexto do desastre ambiental.


“Chama atenção a repercussão, como é um fato desconhecido para quem está em Brasília, no Centro-Oeste, no Brasil inteiro. Não se fala disso. Perguntamos em sala de aula se conhecem o caso, ninguém sabe. E aí, por que será que essa repercussão não é como deveria ser? Será que ‘as gentes’ de Maceió, de Alagoas, contribuíram para, de repente, tentar controlar o fluxo de informações a partir desse desastre?”, questiona o docente.


Junto a estudantes, que participam como voluntários ou bolsistas, via iniciação científica, Diego já começou a identificar stakeholders que adotam postura favorável, contrária ou ambígua em relação à questão ou à organização (Braskem). Depois, o grupo vai analisar o grau de influência de cada ator, com base no poder e na legitimidade que têm e na urgência das demandas apresentadas, e o papel institucional que cada um desempenha.


“Vamos ter um raio-x de quem são os atores, como eles se comportam, com que grau de influência. Até 2024, pensamos em desdobramentos dessa análise puxando para as questões institucionais. Por exemplo, qual foi a postura dos stakeholders em relação às leis que estão postas? Procuraram reinterpretar a lei para alcançar uma situação que fosse favorável a eles? Procuraram apresentar uma emenda a um conjunto de regras que já existia para flexibilizar sua atuação? É o confronto entre os stakeholders e as instituições (entendidas como as regras do jogo)”, pontua Diego Mota Veira. 


“Uma contribuição da pesquisa pode ser nesse sentido: dar subsídios para a formulação de uma legislação que seja mais específica (políticas públicas), em nível local, para lidar com o problema em si, mas também para pensar o espectro mais amplo. Uma legislação que seja mais firme, que tenha pontos mais específicos a respeito de responsabilização, de validade de estudos socioambientais; enfim, em caso de desastre, um protocolo a ser seguido”, esclarece o professor. 


Além de auxiliar na proposição de políticas públicas, o projeto de pesquisa também pretende propor indicadores sociais, ambientais, econômicos que possam ser considerados por gestores para que tenham um controle melhor das operações de sua empresa antes de acontecer um acidente – e, caso já tenha ocorrido, um protocolo que indique o que fazer.


A professora Natallya Levino, da Universidade Federal de Alagoas, é também uma das vítimas do desastre ambiental em Maceió. Ela própria teve que sair de sua casa após o afundamento dos bairros. A experiência pessoal serviu de motivação para propor e tocar o projeto de pesquisa junto à UnB e à UFPE.


“Não estamos presos para analisar somente o que já está posto, que já seria um grande trabalho. Pretendemos ir além, propor modelos de decisão, trabalhar com políticas públicas, com o que poderia ser feito, tentar contribuir de fato com mecanismos que possam subsidiar as políticas públicas adotadas pelo Estado, pelo município”, afirma.


“Estamos indo no que se espera da sustentabilidade, que é garantir o desenvolvimento econômico, mas respeitando o meio ambiente e garantindo o social também. Estamos na fase de coleta de dados, pensando sempre no futuro de como podemos desenvolver essa região, contribuir realmente. Precisamos discutir o que realmente vai ser feito”, pontua Natallya, coordenadora do projeto.

Professor Diego Mota Vieira lança o olhar para os diversos atores sociais envolvidos no pós-incidente em Maceió (AL). Foto: Mozaniel Silva/Secom UnB


INFORMAÇÃO PARA TODOS – Ufal, UFPE e UnB têm a intenção de gerar materiais informativos em linguagem mais acessível, voltados para os diversos atores da sociedade. O objetivo é disseminar informação completa e atualizada para todos, não apenas para os diretamente envolvidos.


Os docentes e estudantes que atuam no projeto de pesquisa já mantêm um repositório com vídeos de entrevistas, documentários, fotos, livros, trabalhos acadêmicos e links úteis que levam o leitor a documentos oficiais, programas de rádio e até para o podcast Eu quero saber, criado e conduzido desde 2020 pela professora Patrícia Guarnieri, da UnB, e cujo tema em março foi O desastre socioambiental de Maceió-AL – 5 anos do maior desastre socioambiental em zona urbana, em curso, no mundo


“Um projeto dessa natureza é um típico exemplo de como pode dar certo a costura entre ensino, pesquisa, extensão. Porque estamos falando de pesquisa, produzindo ciência, publicando artigos; divulgamos também em forma de podcast, canal do YouTube, e assim interagimos com a sociedade, pensando cartilhas; e isso tudo volta para a sala de aula. Os exemplos que damos quando estamos ensinando teoria, discutindo algum texto, remetemos ao que estamos pesquisando e àquilo que fazemos como extensão. E aí eu acho que fecha o ciclo”, avalia o professor Diego Mota. 

 

Confira o episódio do podcast Eu quero saber sobre os cinco anos do desastre ambiental em Maceió


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