A hanseníase, antigamente conhecida como lepra, sempre foi acompanhada de um estigma social muito forte. Hoje, o tratamento da doença é simples e permite ao paciente se curar em apenas seis meses, tomando comprimidos. Porém, a reclusão continua a ser uma realidade para os que sofreram com o mal.
No Brasil, até 1986, persistiu a política de isolar doentes em colônias. As consequências deste tipo de tratamento duram até hoje e são o tema da dissertação de mestrado da enfermeira e antropóloga Amanda Faria, defendida na terça-feira, 21 de julho.
Na dissertação intitulada Hanseníase, experiências de sofrimento e vida cotidiana num ex-leprosário, Amanda mostra que o governo não se preparou para devolver os doentes internados ao convívio com a sociedade. “Não deram voz aos pacientes. As políticas foram oferecidas sem que eles tivessem opção de escolha”, afirma.
A pesquisa de Amanda foi feita no ex-leprosário Santa Marta, no município goiano Senador Canedo, vizinho à Goiânia. Hoje denominado Hospital de Dermatologia Sanitária Santa Marta, a instituição é uma dos 31 ex-leprosários que ainda estão em funcionamento no Brasil.
Amanda acompanhou a rotina de 76 ex-hansenianos que vivem no hospital durante um mês. A doença causou neles uma série de deformações - a maioria delas provoca restrições nos movimentos, por isso os internos ainda precisam de tratamento médico.
O estudo analisa a forma de convivência que os pacientes criaram dentro do hospital. Próximo ao local, casas foram construídas para os doentes que se casaram. Hoje, 350 pessoas moram em casas vizinhas ao ex-leprosário. “Mesmo com todo o sofrimento, eles de fato criaram um mundo novo, fizeram amizades e até famílias”, conta Amanda.
Após 1986, a internação deixou de ser obrigatória, depois de um processo iniciado em 1975 com a lei 6.229 de 17 de julho. Em 1986, as colônias tiveram que reintegrar socialmente as pessoas que ficaram reclusas. “Não é algo simples. São pessoas que perderam famílias. A vida que tinham antes da internação foi interrompida”, diz a antropóloga.
Segundo a pesquisa, para entender a permanência dos pacientes hoje nas colônias, alguns fatores devem ser levados em conta: muitos pacientes são idosos, não têm família e sofrem com lesões permanentes no corpo que conferem a eles certas limitações físicas. Para Aparecida Grossi, coordenadora do Programa Nacional de Controle da Hanseníase do Ministério da Saúde, retirar agora os ex-hansenianos das ex-colônias seria provocar um novo trauma.
Para o diretor do Hospital de Dermatologia Sanitária, ex-colônia Santa Marta, Wolf São Geraldo, os 76 pacientes que são internos no hospital teriam condições de sair na época em que a internação deixou de ser obrigatória. Mas, hoje, o diretor avalia que eles não teriam condições de viver fora do local. “Estão com idade avançada, possuem sequelas da doença, alguns não andam e não conseguem economizar o dinheiro que recebem”, conta.
Em 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou medida provisória que garante pensão mensal e vitalícia de R$ 750 para os exilados-sanitários obrigados a permanecer em leprosários até 1986. Hoje, 2.574 pessoas recebem a pensão. “Estes benefícios não pagam por uma vida perdida”, avalia Amanda.
O diretor da antiga colônia pensa diferente: “Muitos recebem a pensão do Lula e não repassam um centavo para ajudar na manutenção do hospital”, reclama Wolf. A coordenadora de controle da hanseníase do Ministério da Saúde, Adriana Grossi, acredita que os benefícios dados pelo governo são convenientes. “É justo mantê-los depois de tudo”.
A antropóloga concluiu que as políticas estão distantes dos usuários desde o planejamento. “São planejadas em torno de concepções ideológicas que não são eficazes. São bonitas e ineficientes”, garante. Para ela, as ações indenizatórias ou tentativas de reinserção dos ex-hansenianos na sociedade não apagam e nem remediam problemas causados pelas políticas adotadas inicialmente.
Dos 76 pacientes internos, 53 possuem Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que permite longa internação em hospitais. Os 23 que restam não estão seguros pela AIH, mas vivem há anos no ex-leprosário. Todos os ex-hansenianos do Hospital de Dermatologia Sanitária Santa Marta também recebem o benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), cerca de R$ 450.