Laboratório Transdisciplinar de Cenografia abre espaço à construção da cena teatral. Experimento será inscrito pela equipe em evento internacional, em Taipei

Fotos: Júlia Gonzales/LTC
Maquete do projeto A Terceira Margem do Rio, que adotou o subsolo do ICC como espaço da cena

 

Ao chegar à Universidade de Brasília, há 18 anos, uma das primeiras preocupações da professora Sônia Paiva, do Departamento de Artes Cênicas, era quanto à ausência da área de fundamentos voltados ao planejamento e desenho da cena teatral, nos currículos dos cursos de graduação. Pioneira no campo da cenografia na UnB, Paiva decidiu apostar, junto a alunos de diversas áreas, na possibilidade de ampliar a prática acadêmica para o desenvolvimento de projetos focados na construção cênica. Foi assim que surgiu, em 2010, o Laboratório Transdisciplinar de Cenografia (LTC).

 

Mais do que um local de aprendizado, o espaço, que funciona na sala BT16 do prédio do Departamento, se consolidou como Programa de Extensão de Ação Continuada que busca, por meio da multiplicidade de saberes e da realização de trabalhos colaborativos, o arsenal de criatividade necessário à produção cenográfica. “O laboratório tem o sentido de não ser tão volátil, ou seja, de trabalhar para a economia criativa de cada um. Estamos preocupados com o que cada um vai ser ao sair daqui e até queremos montar um grupo que tire do laboratório seu trabalho”, comenta a coordenadora, Sônia Paiva.

 

A ideia inicial era estruturar um grupo para participar, ainda em 2010, da Mostra das Escolas de Desenho de Cena do Brasil, seletiva para um dos maiores eventos internacionais da área, a Quadrienal de Praga, na República Tcheca. Dos projetos concebidos, cinco foram escolhidos para representar o Brasil na exposição de Praga – um deles foi primeiro colocado na etapa nacional. “O laboratório está vinculado a essa ideia de internacionalizar os participantes. Isso é importante, porque assim temos contato com o que mundo está fazendo no campo das artes”, explica Paiva.

 

Baseado em conto homônimo de Guimarães Rosa, A Terceira Margem do Rio foi o projeto vencedor na mostra brasileira. Para criar os elementos componentes – uma maquete na qual seria montada toda a cenografia e um esboço dos figurinos –, a equipe se inspirou em temas do sertão brasileiro e pensou o espaço da cena como um site specific – obra criada de acordo com determinado ambiente –, no subsolo do ICC. Também foram levadas em conta as metodologias do teatro de sombras e da animação de recortes.

 

Surpreendidos com os resultados, os integrantes do laboratório se motivaram a desenvolver novos projetos que contemplassem a coletividade na criação, no planejamento e na produção. Das ideias, nasceram diversos trabalhos, entre eles, o espetáculo Alice e as Quatro Quedas (confira abaixo vídeo com trechos do espetáculo). Em uma brincadeira de luz, sombra, animações, projeções, formas e cores que invadem todo o cenário, toma corpo o espetáculo, que é uma livre adaptação dos textos Alice no País das Desventuras, de Dario Fo e Franca Rame.

 

 

INTERNACIONAL – Uma das criações mais recentes da equipe será inscrita no World Stage Design, evento internacional voltado para profissionais que atuam na construção cênica, a ser realizado em julho de 2017 em Taipei, capital de Taiwan (China). A proposta elaborada é a de uma performance formativa, na qual os espectadores são convidados a participar de um ritual que os leva a desenharem a cena. 

 

Durante o experimento, eles mantêm contato com vivências diversas, que incluem desde o deslocamento no espaço de intervenção para realizar desenhos na areia, os quais representam narrativas da tradição africana Sona Angola, até a movimentação do corpo e a captação fotográfica da ocupação do espaço com a técnica do Light painting, registro em longa exposição do movimento da luz.

Experimento incentiva participantes a realizarem o desenho de cena na areia. Foto: Caio Sato/LTC

Ao entrarem no local do experimento, os convidados se deparam com um ambiente similar ao de um ritual, com projeção de imagens da natureza nas paredes, execução de sons, como o barulho de tambor e batidas de pés e mãos, além de fumaça no ambiente. A plateia pode participar do momento ou apenas assistir.

 

No espaço, se encontra uma grande lona com areia onde estão distribuídos vários pontos que auxiliarão a traçar os desenhos. É feito um trabalho de aquecimento do corpo com os participantes e, em seguida, eles são chamados a se sentar à lona. Quatro atores ficam responsáveis por realizar quatro desenhos na areia, utilizados para ajudar a contar ao público diferentes histórias tradicionais do povo Tchokwe, que habita predominantemente o nordeste da Angola.

 

 

Em seguida, um novo aquecimento se inicia e os atores ensinam aos participantes a andar no espaço para que também possam fazer os traçados. “Por final, depois que todo mundo se aqueceu e já sabe o que fazer, nós colocamos luzes na cabeça de cada e tiramos uma foto aérea da cena iluminada pelas pessoas que estão fazendo o desenho no espaço”, explica a professora, sobre a construção final do experimento, baseada na técnica fotográfica Ligh painting.

 

Uma prévia do experimento foi realizada no mês de julho durante um workshop ministrado no laboratório. Segundo Paiva, a ideia é que o projeto ganhe um formato ampliado para futuras experimentações, com cerca de 300 participantes.

Professora Sônia Paiva (centro), estudantes e pesquisadores associados que integram o LTC. Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

 

COLABORAÇÃO – Atualmente, 12 estudantes de graduação dos cursos de Artes Visuais, Desenho Industrial, Comunicação, Arquitetura, Engenharias e Letras, quatro deles bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), além de pesquisadores associados e parceiros, participam do Laboratório. Muito além da imaginação, as criações se esboçam a partir de pesquisas e experimentos que dão a base para o surgimento das ideias. “A cenografia, para nós, não é pano de fundo do teatro. É o desenho da nossa cena de vida. Nas universidades, cada vez menos se tem espaço para a experiência”, expõe Paiva. 

 

Como forma de manter a memória sobre os projetos e auxiliar no planejamento e na orientação dos processos, o grupo possui cadernos de registros com o mapeamento de todas as atividades a partir de cronogramas, esboços, storyboards – série de ilustrações utilizadas para definir a composição de uma cena –, pesquisas e outras anotações.

 

Para um dos integrantes do grupo e discente do curso de Desenho Industrial, Caio Sato Schwantes, um dos diferenciais do laboratório é que todos os detalhes da composição da cena, desde materiais até concepção do espaço, luz, cenário, imagem e sonoplastia, movimentação dos atores e pós-produção são pensados conjuntamente. “A criação não tem um diretor, ela é coletiva. Cada uma das partes é essencial para compor o todo. Por isso, valorizamos muito a questão das múltiplas inteligências e habilidades”, finaliza.