Dissertação de mestrado defendida no Departamento de Música caracterizou o choro a partir dos relatos de músicos da capital.

A informalidade é umas das características mais valorizadas no choro. Essa é uma das conclusões da dissertação O Choro dos Chorões de Brasília, defendida no Departamento de Música da Universidade de Brasília. O pesquisador Ivaldo Gadelha Filho identificou e analisou conhecimentos e percepções  acerca da prática musical do choro a partir do relato de 15 músicos que tocam na capital.

A pesquisa avaliou o modo de aprendizagem, os contextos e os critérios de performance e a relação entre a manutenção das tradições e a inserção de inovações. Ivaldo explica que o mais difícil foi estruturar a pesquisa separando cada um desses aspectos. “Quando um chorão falava sobre os critérios do que considera ser uma boa performance, falava também sobre inserção de inovações e da própria vida. Isso revela forte coesão entre a música e tudo que está fora dela”, explica Ivaldo.

Assim, o modo de aprendizagem mais valorizado é o informal. O pesquisador destaca o papel das escolas de música, onde se encontra o necessário para aprender o choro. Mas ressalta a importância de o aprendiz conseguir observar outros chorões e tentar imitar em casa. “Quando o aprendizado se restringe à partitura, parte desse aprendizado se perde. É fundamental o olho no olho com os mestres. O aluno exercita o visual, e não o auditivo”, explica.

Foram estudados dois contextos de performance: o palco do Clube do Choro e a roda de choro do restaurante Tartaruga Lanches, na 714/715 Norte. A principal diferença é que, no palco, há preocupação maior pela precisão técnica e, na roda de choro, pela imprevisibilidade. “Os dois espaços tem a sua importância”, aponta Ivaldo. O palco é o espaço de valorização do choro e funciona como vitrine para a sociedade e para o Estado. Tem importância política, já que o choro precisa de incentivos estatais para sobreviver.

A roda de choro, por outro lado, é o local onde a música se renova. É onde os chorões se encontram para tocar com os companheiros, para conversar e manter o repertório vivo. “A roda transforma qualquer mesa de boteco em um lugar sagrado, onde músicos experientes e novatos reverenciam a música”, conta. É também onde os músicos se desafiam para ver quem toca melhor, mas sempre com clima alegre e descontraído.

CHORÕES – Mas, afinal, o que é um chorão? “O chorão é o músico que frequenta as rodas, que ouve muito, que vive o choro com compromisso”, explica o pesquisador. Não é simplesmente quem toca o choro, quem lê partitura. Ivaldo perguntou aos músicos o que seria um bom chorão e encontrou as mais diversas respostas.

“Alguns diziam que era aquele que conseguia tirar uma nota doce do bandolim, ou que conseguia tocar um choro aveludado, o que revela subjetividade na avaliação”, diz. Mesmo assim, o pesquisador descobriu a partir das respostas dadas que o bom chorão é quem consegue equilibrar virtuosismo técnico e expressividade. “Não adianta o cara tocar muito e não tocar meia dúzias de pessoas”, poetiza.

O orientador da dissertação de Ivaldo, professor Ricardo Dourado, explica que choro de Brasília carrega características de todas as partes do Brasil. Em outras capitais, o estilo musical revela mais características locais. “O Clube do Choro também tem uma grande importância, porque é o único palco dedicado somente ao choro no Brasil e traz músicos de todas as partes do mundo”, destaca. Dourado lembra que a pesquisa de Ivaldo gera conhecimento e referência acadêmica sobre a identidade cultural brasileira. “A música reflete os valores e a cultura de um povo e, ao mesmo tempo, o influencia e define”, completa.

A POÉTICA DA MALANDRAGEM 

O pesquisador Ivaldo Gadelha conta que a maioria dos relatos destaca a importância da malandragem no choro. No entanto, a “malandragem” na música é algo difícil de ser definido. “Na literatura, a figura do malandro é mais visível. Podemos citar Macunaíma”, exemplifica, referindo-se ao personagem de Mário de Andrade. No choro, a malandragem se expressa na ambiguidade do músico. Trata-se de uma imprevisibilidade, quando um chorão não consegue antecipar o que o outro vai tocar.

Do ponto de vista rítmico, a malandragem se revela na síncope, que é o deslocamento da acentuação rítmica.  Alguns autores a definem a partir da contrametricidade, quando o ritmo contradiz a métrica da música. “São elementos que herdamos da música africana”, conta. “A malandragem também se expressa quando o músico erra uma nota, e os outros não conseguem identificar se foi mesmo erro ou uma improvisação intencional”, destaca.