Tesourinha, eixão e dezenas de siglas ganham explicações inéditas em material desenvolvido por pesquisadora da UnB.

Brasília é uma cidade singular. Quem vem à capital pela primeira vez logo estranha a divisão de setores para morar, trabalhar e se divertir, além de nomes e endereços que só existem no Distrito Federal.  Ao se mudar para Brasília 15 anos atrás, a carioca Flávia Pires ficou impressionada com o linguajar único da cidade. Agora, ela concluiu uma pesquisa na Universidade de Brasília cujo resultado é um glossário inédito com 216 termos próprios da capital. São nomes como Eixão e tesourinha, além das siglas, a exemplo de SQS, SEPN, SQN.


"Quem vive em Brasília já se acostumou, mas para quem vem pela primeira vez, SQN (Superquadra Norte) não diz muita coisa”, diz. No glossário, cada palavra é acompanhada de informações como as de um dicionário, ou seja, se é substantivo, adjetivo, qual é o gênero - feminino ou masculino –, o significado, além de uma frase exemplificando como o termo é usado.

Flávia registrou apenas palavras relacionadas ao Plano Piloto – região central de Brasília, com população aproximada de 350 mil habitantes. Foram 132 termos expandidos, entre eles Setor de Habitações Coletivas e Geminadas Norte, 69 siglas, como SHCGN, e 15 termos de uma palavra só, a exemplo de eixinho, que não são encontradas nos dicionários convencionais.

Para levantar os 216 termos, a estudiosa buscou os documentos em que primeiro apareceram esses nomes. Serviram como fonte o relatório feito por Lúcio Costa em 1957, documentos do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Cultural (Iphan) e um caderno especial feito por um jornal de grande circulação.

HISTÓRIA – A pesquisa, uma dissertação de mestrado defendida em abril de 2009 no Departamento de Linguística, mostra que os nomes da capital guardam uma relação direta com o fato de Brasília ter nascido nas pranchetas dos arquitetos, ao contrário dos mais de 5 mil municípios brasileiros, quase todos formados espontaneamente a partir da expansão de comunidades.

Os endereços e siglas seguem, assim, a objetividade de uma cidade planejada. “Lúcio Costa se inspirou em Le Corbusier, que dizia que a cidade moderna deveria ser funcional, ou seja, feita em cima de quatro elementos – locais específicos para a população trabalhar, circular, morar e se divertir.” O arquiteto franco-suíço lançou as bases do movimento moderno.

Para uma um lugar dividido por atividade e com locais próprios para oficinas, hotéis e prédios públicos, nada mais natural que os nomes de novos setores digam o que existe lá. Por exemplo, Setor Hoteleiro Sul. O auxiliar de manutenção Adamilson Costa, 27 anos, que nasceu em São Luís, no Maranhão, e vive há oito anos na cidade, considera o sistema prático. “No começo achei estranho, mas agora estou me habituando. Demorei a saber que SCS era a mesma coisa que Setor Comercial e que tinha setor para oficina”, conta.

O estudante de Agronomia Hélio Alonso Martins, 21 anos, que veio há três anos de Paracatu, Minas Gerais, diz que o sistema poderia ser adotado em outras cidades. “Nas primeiras semanas achei meio difícil, mas depois que você vê que W é de oeste e L de leste, entende a lógica e fica muito mais prático. Seria interessante usar o mesmo sistema em outros locais”, afirma.

A autora da pesquisa espera publicar as informações e já tem até um nome para o pequeno livro: Glossário de Termos da Organização Urbana de Brasília. Flávia não encontrou nenhum material semelhante quando iniciou o estudo e quer ajudar visitantes e moradores que se confundem com o vocabulário brasiliense. Os dicionários mais vendidos no Brasil trazem, no máximo, a palavra superquadra. O glossário será um presente para a cidade que, em 2010, completa 50 anos.