Formigas, besouros e as chamadas marias-fedidas podem ser as mais novas aliadas da polícia brasileira no combate ao tráfico de drogas. Pesquisador da Universidade de Brasília descobriu a região de origem da maconha apreendida no Distrito Federal com base na identificação de pedaços de insetos coletados no meio da erva. Paraguai e Mato Grosso, que abrigam as espécies encontradas, estão entre as principais áreas fornecedoras do fumo ilegal consumido na capital da República.
Durante a pesquisa de mestrado, concluída no início de 2010, o biólogo e perito da Polícia Civil Marcos Patrício Macedo analisou 10 quilos de maconha, fruto de duas apreensões realizadas no DF. A primeira etapa do trabalho foi manual e consistiu na coleta dos fragmentos de insetos prensados junto com a droga que entrou na cidade. “De pedaços de asas e patas até insetos inteiros, tudo é importante”, explica o pesquisador brasiliense, que encontrou 78 pedaços de insetos nas amostras analisadas.
Desse total, Macedo identificou uma espécie de formiga (cephalotes pusillus) e duas de maria-fedida, um percevejo da família dos pentatomídeos. A busca, feita a olho nu e com o eventual auxílio de uma lupa, também encontrou um besouro da família cucujidae. Dos quatro tipos de insetos encontrados na maconha, apenas os três em que foram identificadas as espécies – a formiga e os percevejos – foram usados na segunda etapa do trabalho: verificar na bibliografia qual o local de origem dos bichos.
Para isso, Marcos contou com a ajuda de especialistas em entomologia, a ciência que estuda os insetos. “Cheguei a ir para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul atrás de uma especialista em percevejos”, conta o brasiliense de 30 anos. Identificada as áreas de ocorrência de cada uma das três espécies, o perito cruzou os dados levantados para ver a região comum, ou seja, o lugar em que todas elas eram encontradas juntas. “Confirmamos a suspeita de que a droga vem do Paraguai e do Mato Grosso. Os insetos, juntos, só ocorrem lá”, conta.
INTELIGÊNCIA – A descoberta de Marcos Patrício representa um passo importante no combate ao tráfico de drogas no Brasil. Até a publicação da pesquisa, a investigação sobre a origem das drogas apreendidas dependia de provas testemunhais, como depoimentos, grampos telefônicos ou flagrantes. “Com a identificação dos insetos, surge uma ferramenta técnica e científica para identificar a procedência da substância, o que traz mais segurança à investigação”, explica o policial civil.
O delegado adjunto da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) da Polícia Civil do Distrito Federal, Leonardo de Castro Cardoso, destaca o aspecto estratégico de pesquisas como a de Marcos. “Com informações mais precisas sobre o local de origem da droga, é possível reforçar a segurança em pontos de maior incidência”, aponta. “Em um país com uma fronteira ampla e diversificada como o Brasil, a aproximação entre a ciência e os órgãos de segurança pública é cada vez mais necessária”, completa o delegado.
A pesquisa, desenvolvida com o apoio da Polícia Civil do Distrito Federal, também quebrou mitos sobre a maconha, planta da família das canabiáceas. Segundo Marcos, até então se acreditava que a erva proibida era livre de pragas em seu ambiente natural. “Foi uma surpresa encontrar percevejos nas plantas, pois eles são insetos associados às pragas em plantações tradicionais, como soja e sorgo”, observa o especialista, que passou três meses dentro de um laboratório coletando material.
SAGA – O estudo de Marcos Patrício começou em 2008, quando ele decidiu retornar à UnB para um mestrado após temporada na criminalística da polícia mineira. As dificuldades para a pesquisa com o material ilícito surgiram logo no início dos trabalhos. “Levei oito meses até conseguir a autorização judicial para pesquisar a droga apreendida”, conta ele, que passou pela Polícia Federal e Ministério Público até ter acesso a 70 quilos da erva, fruto de quatro carregamentos recolhidos no DF.
A pesquisa, orientada pelo professor da UnB José Roberto Pujol, um dos maiores especialista da cidade em entomologia forense – aplicação do estudo de insetos em processos criminais – foi realizada nos laboratórios da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) da Polícia Civil do DF. “Pela natureza da substância, por questões de segurança e pela praticidade para o manejo e transporte, optei por não usar as dependências da UnB durante os estudos”, conta Marcos Patrício.
Apesar do avanço que a descoberta representa para o planejamento de políticas públicas no combate ao tráfico de drogas, o pesquisador da UnB ressalta a necessidade de dar continuidade às pesquisas. “Esta é uma área muito carente não só no Brasil, mas no mundo”, diz. “Praticamente não há estudos que usam os insetos para identificar a origem de carregamentos de drogas”, conta ele, que pretende dar continuidade à pesquisa, mas desta vez usando a genética para comparar os insetos.