Estudo internacional ajuda a entender processos ecológicos do solo e condições ambientais, como as mudanças climáticas. Professor do PPGFIT contribuiu com informações em biomas brasileiros 

Reprodução do nematoide herbívoro Radopholus similis extraída de microscópio. Imagem: Laboratório de Nematologia da UnB 

 

O professor do Programa de Pós-Graduação em Fitopatologia (PPGFIT) do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB, Juvenil Enrique Cares é um dos quatro brasileiros a participar de uma pesquisa global, que envolveu 70 pesquisadores de 56 instituições de 25 países. Da UnB, também participou a pesquisadora Larissa de Brito Caixeta, doutora pelo PPGFIT. Os resultados foram divulgados na revista Nature, considerada uma das mais renomadas e tradicionais publicações científicas do mundo.

 

Intitulado Soil nematode abundance and functional group composition at a global scale, o estudo determinou a abundância dos nematoides no solo  que são invertebrados aquáticos também conhecidos como vermes cilíndricos  e a composição de grupos funcionais em todo o globo. Os nematoides compõem a biosfera, que é o conjunto de todos os ecossistemas da Terra.

 

Embora desempenhem um importante papel no funcionamento dos ecossistemas, existem atualmente poucos trabalhos que descrevem a quantidade e a distribuição espacial da comunidade desses seres. “A pesquisa foi motivada pela falta de conhecimento sobre os componentes da biosfera e o padrão de distribuição da biota do solo”, informa o docente Juvenil Cares.

 

O estudo da biogeografia dos grupos funcionais dos nematoides pode indicar diferentes tipos de informações sobre processos naturais ou condições ambientais, como as mudanças climáticas. Em função de suas características de adaptabilidade e alta incidência, os nematoides servem como bioindicadores ambientais, uma vez que vivem em comunidades multiespecíficas e apresentam sensibilidade diferenciada diante de estressores.

 

Segundo o pesquisador, os modelos de alta resolução validados na investigação, que indicam presença, número e função desses grupos, fornecem os primeiros passos para representar os processos ecológicos do solo em padrões biogeoquímicos globais e permitirão a previsão do ciclo elementar em cenários climáticos atuais e futuros.

 

A importância desse trabalho, na visão do docente, é que ele possibilita um parâmetro global e estimula a internacionalização: “Uma pesquisa de tamanha abrangência só se viabiliza quando grupos de pesquisadores multinacionais se juntam em torno de uma coordenação”.

Há mais de duas décadas, o professor Juvenil Cares dedica-se ao estudo dos nematoides. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

A gestão ficou sob responsabilidade do Instituto de Biologia Integrativa, na Suíça, e do Instituto Holandês de Ecologia, na Holanda, onde também foram estabelecidos os bancos de dados e realizadas as análises que geraram os mapas de distribuição. 

 

Decana de Pesquisa e Pós-Graduação (DPG), Adalene Moreira ressalta que essa publicação demonstra que a pesquisa realizada na Universidade de Brasília está inserida em uma cadeia de transformação do conhecimento. “Quanto maior o fator de impacto de um periódico, maior a visibilidade internacional. Como são 25 países envolvidos, o resultado gerado é bastante robusto e de grande contribuição para a produção científica, sendo a divulgação potencializada em 25 vezes". 

 

NEMATOIDES – De origem grega, a palavra nematoide significa em forma de fio. “São os animais mais numerosos do planeta Terra. Para se ter uma ideia de sua abundância, de cada dez animais, oito são nematoides. No solo, podem existir até 30 milhões de indivíduos por metro quadrado”, aponta.

 

Eles habitam todas as latitudes, bastando para sua sobrevivência uma fonte de carbono orgânico. “São altamente resistentes e já existem há mais de 500 milhões de anos. Estão presentes nos oceanos, em ambientes de água doce e nos solos continentais”. Em geral, são muito pequenos, tendo entre 0,2 a 2 milímetros, mas alguns podem atingir 50 centímetros e até mesmo oito metros, como a espécie Pacentonema gigantíssima, o maior animal parasita.

 

A grande maioria, cerca de 75%, é considerada de vida livre e nutre-se de outros seres vivos, como de bactérias, fungos e até mesmo de outros nematoides. Mas parte deles parasita animais, inclusive o homem, e plantas. Têm um ciclo de vida relativamente curto, de três a quatro semanas.

 

“Juntamente com os herbívoros, os nematoides de vida livre desempenham papel importante no solo, como na ciclagem de nutrientes e na regulação da população de microrganismos nesses ambientes”, menciona.

 

Estima-se a ocorrência de mais de um milhão de espécies, mas menos de 30 mil são conhecidas. De acordo com Cares, isso se deve ao número relativamente baixo de cientistas que se dedicam ao tema em todo o mundo e também à dificuldade de definição de padrão global de taxonomia, de modo a refletir a história evolutiva dos nematoides.

 

DADOS PRINCIPAIS – O estudo utilizou, ao todo, 6.759 amostras georreferenciadas de todos os biomas terrestres. Os mapas de distribuição seguiram modelo geoespacial da plataforma de escala planetária de Ciências da Terra, Google Earth Engine

Distribuição das amostras coletadas na pesquisa e dados de abundância. Imagem: Divulgação Nature

 

Foram realizadas análises para o cálculo da densidade populacional e de agrupamentos dos nematoides segundo seus grupos funcionais e levantamento da biomassa, bem como consumo, taxa de respiração e balanço diário de carbono.

 

Os dados mostraram que a biomassa dos nematoides que habitam solos superficiais em todo o mundo chega a 0,3 gigatoneladas. “Considerando uma camada de 15 centímetros do solo de todos os continentes, a população estimada equivale a 57 bilhões de nematoides para cada ser humano do planeta”, detalha Juvenil Cares.

 

As maiores taxas de abundâncias estão nas regiões subárticas (38%), temperadas (24%) ou tropicais (21%). Quanto aos níveis entre os biomas, foi observado que as maiores densidades estão presentes nas tundras (média de 2329 indivíduos por 100 gramas de solo seco) e florestas boreais (2159). Já as menores estão nas florestas mediterrâneas (média de 425), Antártica (96) e desertos quentes (81).

 

NOVOS ACHADOS – O fato de a concentração dos nematoides ser maior na Tundra – da América do Norte, Escandinávia e Rússia – causou surpresa até mesmo para os pesquisadores, pois acreditava-se que a tendência seria a mesma para os animais que vivem sobre a superfície do solo, que são mais abundantes nas regiões tropicais.

 

“Além da latitude, o fator determinante para a existência desses organismos é o acúmulo de matéria orgânica no solo, já que a decomposição é mais lenta nas regiões mais frias”, esclarece o pesquisador da UnB. Porém, locais de temperaturas mais elevadas onde há grande quantidade de matéria orgânica, como ocorre em áreas de floresta pantanosa da Amazônia peruana, também apresentaram altas taxas de sua presença.

Reprodução do nematoide herbívoro Scutellonema sp. extraída de microscópio. Imagem: Laboratório de Nematologia da UnB

 

O estudo mostrou também que os nematoides mobilizam grande quantidade de carbono. A concentração de carbono proporcionada pelos nematoides foi da ordem de aproximadamente 0,03 gigatoneladas, o triplo de estimativas anteriores e equivalente a 82% da biomassa humana total na Terra.

 

Esses resultados sinalizam que os nematoides de solo estão entre os principais agentes responsáveis pela ciclagem do carbono em escala global. A rotatividade mensal é de cerca de 0,14 gigatoneladas de carbono no período de maior produção de biomassa global, das quais 0,11 são liberadas para a atmosfera, equivalentes a cerca de 2,2% das emissões totais de carbono pelo solo e a 15% das emissões pelo uso de combustível fóssil.

 

Para o estudioso, isso é importante para compreender a dinâmica do carbono na superfície terrestre e seu efeito diante das mudanças climáticas em curso. “As variações regionais nessas tendências globais também fornecem insights sobre padrões locais de fertilidade e funcionamento do solo”, enfatiza.

 

TRAJETÓRIA DE PESQUISA – Atuando na área de Nematologia desde 1994, o professor Juvenil Cares já participou de outros importantes projetos de pesquisa, como o Conservação e Manejo Sustentável da Biodiversidade do Solo, entre 2003 e 2010.

 

Intitulado Bios Brasil, o projeto envolveu sete países, tendo sido financiado pelo Fundo Mundial para o Ambiente (GEF, na sigla em inglês), pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep).

Trabalho sobre nematoides, no âmbito do PPGFIT, já rendeu diversos tipos de publicações de divulgação científica. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Nesse caso, o grupo atuou especificamente na região da Floresta Amazônica. Mas já foram realizadas atividades de campos em áreas de outros biomas, como o Cerrado, a Mata Atlântica e Caatinga.

 

Desde então, diversas publicações vêm sendo lançadas. Um exemplo de destaque é o Global Soil Biodiversity Atlas, obra publicada em 2015 e patrocinada pela União Europeia, que constitui a primeira síntese da pesquisa global sobre a biodiversidade do solo e a importância para o nosso mundo vivo.

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.

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