Paula Gabriela Fernandes caminha rápido enquanto o ponteiro no relógio avança. Vez por outra, aperta o passo e até ensaia uma corridinha para acelerar o percurso. Vencida a caminhada, monta em uma bicicleta. Pedala. Os primeiros giros são rápidos. Em seguida, diminui a força para ganhar fôlego e acelerar novamente. Vencida a maratona, a jovem de 28 anos cai sobre um acolchoado. Coração acelerado, respiração em recuperação, alívio.
Na cintura, quatro sensores pequeninos monitoram mais de cem variáveis fisiológicas. Abaixo do peito, um quinto sensor vigia os movimentos do corpo. Alguns metros adiante, um médico acompanha e interpreta os sinais vitais da “corredora”. A maratona acontece diariamente em um laboratório do Hospital Universitário de Brasília e descreve uma série de testes de um experimento que pode romper paradigmas da medicina. É o monitoramento de pacientes a distância.
Entre Paula Gabriela e Hervaldo Sampaio Carvalho, o médico que a acompanha, não existe nenhum fio. A transmissão das informações sobre como o corpo da moça reage às atividades simuladas com uma esteira elétrica e uma ergométrica acontece via wireless. Paula Gabriela é a sétima voluntária a testar o equipamento, desenvolvido pelo cardiologista em 15 anos de pesquisa, em um laboratório modesto do HUB, dentro de um projeto que ele nomeou Body Worn e pelo qual já passou uma lista de pesquisadores.
Nos próximos três meses, outros 53 voluntários testarão os sensores. O experimento prevê duas fases. A primeira, em curso há três semanas, acontece exclusivamente no laboratório. A partir do segundo semestre, os voluntários manterão o equipamento no corpo enquanto realizam atividades cotidianas, como tomar café, pegar o ônibus, sair para o trabalho, conversar, fazer exercícios e dormir. Por um netbook, enviarão as informações, em tempo real, para o médico do HUB.
A maioria dos pacientes testados são do Paranoá, cidade do Distrito Federal escolhida como piloto do projeto. Outros, como Paula Gabriela, são pesquisadores interessados nos resultados do experimento. Paula está cursando o mestrado em Computação na Universidade de Brasília. Sua missão é desenvolver um recurso tecnológico que permitirá ao paciente escolher que tipo de variáveis ele próprio quer monitorar.
A pesquisadora também trabalha com Hervaldo Sampaio no aprimoramento do sistema que substituirá por um celular o netbook que atualmente faz a leitura das informações captadas pelos sensores instalados no paciente. “Até o final do ano, conseguiremos fazer o monitoramento simplesmente por um celular”, desafia a pesquisadora. A lista de voluntários do experimento inclui ainda funcionários e médicos do próprio HUB.
VARIÁVEIS – Os cinco sensores têm tamanho e formato semelhantes ao de uma caixinha de sabonete e são capazes de capturar informações hoje só lidas por equipamentos de dimensões muito maior, em salas de exames em clínicas e hospitais espalhados pelo país. Um dos sensores é o oxímetro de pulso, nome como é conhecido clinicamente. Ele mede frequência e ritmo cardíacos, saturação de oxigênio, fluxo sanguíneo e até umidade da pele.
Outro sensor é um eletrocardiograma, encontrado regularmente nas unidades de saúde. O equipamento também avalia a freqüência cardíaca, mas acompanha também uma série de outras variáveis. Ele é capaz, por exemplo, de identificar aumento do coração e se o paciente tem isquemia, arritmia ou alguma doença no pericárdio.
O sistema do professor Hervaldo Sampaio inclui ainda dois acelerômetros, que identificam os movimentos do paciente. O equipamento revela se o monitorado está em pé, sentado, caminhando, correndo, dormindo e até se sofreu uma queda repentina. Se estiver sendo monitorado em casa, em tempo real, como o sistema permite, o médico de plantão no hospital é capaz de saber em que posição o paciente está. O último sensor é de temperatura.
Os sensores têm a habilidade também de identificar quando as baterias estão acabando. Alertas, passam então a monitorar somente os sinais mais importantes do paciente. O equipamento é capaz ainda de formular perguntas padrão para o usuário. Por exemplo, se percebe que a pressão aumentou pode disparar uma pergunta para o paciente. O funcionamento desse mecanismo, no entanto, depende do desenvolvimento do celular. Hervaldo destaca que o sistema desenvolvido é de baixo custo para produção em larga escala. O custo médio de cada um hoje seria de aproximadamente R$ 500.
O SENSOR ENCOLHEU – Os cinco sensores hoje em fase de testes já foram muito maiores. O primeiro modelo desenvolvido pelo cardiologista, que é também professor da Faculdade de Medicina, era um cinturão vestível que pesava dois quilos. Os protótipos foram encolhendo com o avanço das pesquisas, que tiveram contribuição importante de alunos de mestrado e doutorado que passaram pelo laboratório do professor.
Um deles, Claudir Costa, durante mestrado pelo Departamento de Engenharia Elétrica, aprimorou o programa desenvolvido pelo professor Hervaldo e sua equipe no Centro Médico da Universidade de Rochester, em Nova York, nos Estados Unidos. O programa de Hervaldo foi concebido para escolher qual dos sensores irá recolher dados necessários naquele momento. Essa técnica ajuda a economizar a bateria dos outros sensores, desligando-os automaticamente. Hoje analista de infraestrutura do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Claudir criou, entre outras funções, a possibilidade de, além de ter a freqüência cardíaca do paciente, o médico ou qualquer outro usuário que tenha acesso aos dados do paciente saiba o que aquela informação apresentada significa clinicamente.
Assim como o seu mentor no projeto Body Worn, Claudir acredita que o futuro da medicina está no monitoramento remoto por redes de sensores sem fio. “É para onde a medicina está caminhando. Os nossos sensores ainda são bem grandes, mas existem estudos para a miniaturização. Eles irão se tornar onipresentes. As pessoas nem vão sentir que estão com os sensores” diz. Hervaldo está estruturando agora um grupo de pesquisadores das área de Medicina, Engenharias Química e Elétrica, Ciências Biológicas e Física para desenvolver nanobiosensores. “Há hoje no mercado capsula de endoscopia. Você engole e ela faz o exame, sensores de glicemia”, conta.
PREVENÇÃO – A ideia de monitorar pacientes nas atividades cotidianas tem como propósito identificar reações a situações que não podem ser observadas em 15 minutos de atendimento em um consultório médico. “Às vezes, somos muito taxativos com nossas intervenções”, afirma Hervaldo. “Ninguém vira hipertenso de um dia para o outro. Pesquisas mostram que a medida da pressão arterial no consultório sempre é diferente da de casa. Esse acompanhamento é fundamental”, afirma Hervaldo.
O professor explica que o Body Worn propõe uma mudança de paradigma no sistema de saúde. A teoria do professor é de que a população teria uma vida mais saudável, do ponto de vista clínico, se o sistema de saúde funcionasse sob uma lógica diferente. “O sistema de saúde hoje está centrado nas unidades de atendimento e na medicina curativa. O indivíduo vai aos postos, hospitais e clínicas quando adoece ou percebe alguma anormalidade na saúde”, explica Hervaldo.
O professor propõe um sistema completamente oposto, centrado no paciente. “A prestação dos serviços de saúde tem de estar disponível onde o indivíduo estiver”, defende. “As informações sobre a saúde do paciente também têm de estar disponíveis onde ele estiver e acessível a qualquer tempo”, completa. Hervaldo critica a dificuldade de acesso a um prontuário no atual sistema de saúde. “Se um paciente precisar hoje de seu histórico de saúde, enfrentará um verdadeiro calvário para ter acesso aos seus prontuários, que nem centralizados são”, comenta. O Body Worn trabalha com a ideia de prontuários eletrônicos, discutida desde 2004 pelo HUB e adotada parcialmente.
A ideia do Body Worn nasceu ainda durante o curso de graduação em Medicina, concluído em 1987 na própria UnB. Hervaldo partiu para o doutorado em Ciência da Computação para entender os meandros dos sistemas computacionais e elétricos que lhe permitiriam chegar o primeiro protótipo.