Por meio de desenhos, pesquisadores descobrem as diversões favoritas das crianças do Distrito Federal. Iniciativa realizada pela primeira vez no Centro-Oeste resultou na produção de inventário de ilustrações infantis

 

Ilustração infantil coletada em escola pública do DF integra coleção do grupo de pesquisa Imagem. Arquivo: Imagem/FEF UnB

 

Computador, tablet, celular, vídeo game, televisão. Com presença cada vez maior no cotidiano das crianças nos últimos tempos, as tecnologias disputam espaço com as tradicionais brincadeiras e geram preocupação nos pais quanto à interferência no desenvolvimento dos filhos. Mas quem pensa que o mundo eletrônico dominou de vez as horas de recreação da garotada está enganado. As antigas formas de lazer, como pique-pega, carrinho, pipa, queimada, pular corda e brincar de bonecas ainda são bastante valorizadas por esse público.

 

É o que aponta estudo inédito no Centro-Oeste, realizado pelo Imagem – Grupo de Pesquisa sobre Corpo e Educação da Faculdade de Educação Física (FEF) da UnB. Os pesquisadores pediram às crianças das escolas públicas do Distrito Federal que desenhassem suas brincadeiras favoritas. A população do estudo tinha idade entre seis e 12 anos.

 

Das 145 crianças participantes, mais de 40% estamparam no papel os brinquedos tradicionais; 30,4% apontaram o interesse por atividades esportivas; e somente 11,4% mostraram preferência pelas mídias. “As mídias têm modificado a infância, interferindo na produção cultural infantil, além de aparecer como forma de lazer de meninos e meninas. Contudo, ao lado desse interesse, notamos que eles ainda gostam de jogar futebol, brincar de correr e pular corda”, comenta a professora Ingrid Wiggers, coordenadora do estudo e líder do grupo. 

 

As crianças pesquisadas eram oriundas de seis escolas das seguintes localidades: Asa Sul, Asa Norte, Ceilândia, Riacho Fundo II, Arniqueiras e São Sebastião. Para conhecer um pouco mais desse universo lúdico, os pesquisadores também solicitaram a elas que descrevessem as brincadeiras. “O desenho é uma linguagem infantil, é uma forma muito própria de as crianças se comunicarem e colocarem seus sentimentos”, explica Ingrid.

 

As ilustrações coletadas foram transformadas em um inventário de 145 peças. O gráfico abaixo demonstra as preferências das crianças, de acordo com os tipos de brincadeiras e as escolas de origem, em percentual e por quantidade: 

Arte: Igor Outeiral/Secom UnB

 

Entre os meninos, a maioria apontou o futebol, as brincadeiras com carrinho, no próprio parquinho da escola, e o jogo de pique-pega, com suas variações, como as que mais gostavam. A última também foi preferência das meninas, que destacaram ainda brincar de boneca, de casinha e de família.

 

O contexto cultural e socioeconômico dos alunos em cada escola também foi considerado nas análises, que mostraram a influência maior das mídias na realidade de crianças do Plano Piloto do que de outras áreas. A Escola Classe da 209 Sul, por exemplo, foi a que registrou maior preferência por jogos eletrônicos (62,5%), enquanto na de Aguilhada, em São Sebastião, ganharam as brincadeiras tradicionais. Segundo a coordenadora da pesquisa, isso se deve aos diferentes padrões de vida oferecidos nesses dois ambientes.

  

SOCIALIZAR – Consideradas típicas da infância, as brincadeiras são sobretudo um direito garantido no Estatuto da Criança e do Adolescente. A prática de exercícios físicos contribui para o desenvolvimento social do indivíduo. Autora da monografia intitulada Minha brincadeira preferida: uma análise do inventário do Imagem – Grupo de Pesquisa sobre Corpo e Educação, a estudante de Educação Física Mariana Oliveira enxerga alguns motivos para a prevalência dessas velhas formas de brincar nas vivências dos pequenos. “As crianças sentem prazer ao vivenciar os jogos que vêm pela tradição oral, porque são atividades compartilhadas com outras crianças. Elas se perpetuam ao longo do tempo”, comenta. 

Pesquisadores Ivan Vilela, Ingrid Wiggers e Mariana Oliveira mostram as dissertações que deram aporte ao trabalho mais recente do grupo. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Ainda assim, as mídias não deixam de repercutir, de certa forma, no imaginário infantil. Personagens animados, como Ladybug e Wolverine, e até mesmo personalidades, como o jogador de futebol Neymar, foram identificados como algumas das referências midiáticas influentes entre o público infantil. “As mídias também oferecem repertório para as brincadeiras tradicionais, gerando um processo cultural híbrido”, analisa Ingrid.

 

A docente acredita que os resultados podem incentivar as escolas a agregar mais experiências lúdicas em seus currículos. “A brincadeira é uma prática corporal infantil e está presente no cotidiano das escolas. É, ao mesmo tempo, um meio de aprendizagem que pode ser aproveitado pelos professores em qualquer disciplina”, finaliza.

 

INVENTÁRIO – Os resultados da pesquisa, fruto da compilação de vários estudos desenvolvidos pelo grupo entre 2013 e 2017, foram publicados em uma monografia de conclusão de curso. A iniciativa teve apoio do CNPq. Além dos desenhos coletados na pesquisa, outras 323 peças ainda não analisadas integram o acervo organizado pelo grupo. A inspiração para criar a coleção veio de iniciativa similar do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, que possui o único acervo aberto ao público de desenhos infantis do Brasil. Reunido pelo escritor Mário de Andrade, o catálogo possui 2.160 desenhos das décadas de 1930 e 1940.

 

A ideia do grupo é ampliar ainda mais a coleção do laboratório do grupo Imagem, com a continuidade das pesquisas em outras regiões brasileiras e em outros países, como já realizado em Portugal pelo doutorando Ivan Vilela.

  

EQUIPE – O Imagem desenvolve há cinco anos pesquisas diversas voltadas a questões do corpo e da infância. Atualmente, estão envolvidos 19 pesquisadores de diferentes regiões do país, em nível de graduação, mestrado e doutorado, das áreas de Educação Física, Arte e Educação. O grupo está vinculado aos Centros de Desenvolvimento de Esporte Recreativo e do Lazer (CEDES) do Distrito Federal.

 

 

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