Análise de elemento químico presente nos dentes dos escravos permitiu saber que eles foram trazidos de diferentes regiões do continente africano.

O Cemitério dos Pretos Novos, localizado no bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, recebeu os corpos de escravos recém chegados da África entre o final do século XVIII e início do século XIX. Desativado em 1830, os restos mortais dos negros só foram redescobertos em 1996. Quinze anos depois, o Laboratório de Geocronologia da Universidade de Brasília prova que os homens e mulheres enterrados no local cresceram em diferentes regiões da África antes de serem trazidos para o Brasil. Registros históricos já apontavam que eles vinham de lugares diferentes, mas os pesquisadores trouxeram uma constatação definitiva.


Para alcançar o resultado, o laboratório analisou o elemento químico chamado estrôncio fixado nos dentes de 30 escravos do cemitério. O estrôncio aparece nos dentes na forma de dois isótopos – variedades com massas diferentes – os de número 87 e o 86. A proporção entre o primeiro e o segundo é sempre igual à encontrada nas rochas mais comuns da região onde os escravos cresceram. “Encontramos uma diversidade muito grande de valores dessas proporções nas amostras”, explica o geólogo Roberto Ventura, coordenador da pesquisa. “A variação ficou entre 0,705 a 0,749”. Para se ter uma ideia, não existem valores menores que 0,703 e maiores que 0,750 na natureza. “Ou seja, os locais de origem dos escravos são igualmente bastante diversos”, conclui Ventura.


Para calcular essa proporção, as amostras tiveram de passar um espectrômetros de massa MC-ICP-MS, tecnologia de ponta que só existe em quatro laboratórios fora da UnB. “O equipamento foi responsável por separar o isótopo 87 e 86 de acordo com a sua massa”, explica Murilo Quintans, biólogo e doutorando em geologia. Antes disso, os dentes precisaram passar por um processo de raspagem com instrumentos semelhantes aos utilizados por dentistas. “O objetivo foi coletar a parte do esmalte do dente que seria analisado”, explica Murilo.

Em seguida, o material foi exposto à ação do ácido nítrico para ser dissolvido e levado a uma centrífuga. “O aparelho separou o material biológico, que ficou depositado no fundo dos recipientes, do estrôncio dissolvido”, conta Murilo. Depois de todo o processamento, ele foi finalmente levado ao espectrômetro para avaliação da proporção de estrôncio para cada indivíduo.


ORIGENS –
 Os resultados encontrados nas análises corroboram o que já era conhecido pela história. Flávio Versiani, economista da UnB e grande estudioso do escravagismo, conta que os negros trazidos da África para o Rio de Janeiro realmente tiveram origens variadas. “A maioria veio de portos de Angola, mais muitos eram obrigados a viajar grandes distâncias a partir do interior do continente para o país”, explica. Segundo o especialista, o lugar de origem cobria uma grande área do interior do continente.


O caso do Cemitério dos Pretos Novos é especial porque o cemitério é o único conhecido que recebia principalmente negros recém chegados da África. Hoje o local é objeto de estudo de várias instituições nacionais e estrangeiras como o Museu Nacional e a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), parceiras da UnB no projeto. “Enquanto Brasília é responsável pela parte analítica e laboratorial, as outras instituições já têm estudos avançados em arqueologia e até sobre as doenças que atacavam os ossos dos escravos”, conta Murilo, que trabalhou em conjunto com os pesquisadores do Rio na separação dos ossos.