Estudo considera aspectos políticos e socioeconômicos de gestores e municípios brasileiros. Índice de Desenvolvimento Humano é o maior determinante nos gastos sociais 

Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

 

Oito em cada dez prefeitos brasileiros investiram, entre 2005 e 2012, mais da metade dos orçamentos de seus municípios em áreas sociais, como educação, saúde, direitos da cidadania, habitação, saneamento e organização agrária. No entanto, a proporção dessas despesas variou consideravelmente nos mais de 4 mil municípios analisados em uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília. O trabalho procurou identificar quais fatores estão relacionados às escolhas dos prefeitos sobre as áreas prioritárias para os investimentos das prefeituras.

 

A inovação do estudo foi considerar o financiamento eleitoral de pessoas físicas como um dos elementos capazes de influenciar a alocação dos recursos públicos municipais. Além dele, foram considerados diversos fatores socioeconômicos e políticos. O trabalho analisou os gastos realizados pelas prefeituras de 4.195 municípios brasileiros – o que corresponde a 75,3% do total de municípios no país – durante oito anos, ou seja, no decorrer de dois mandatos, entre 2005 e 2012. As informações orçamentárias foram obtidas na Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e os dados eleitorais, referentes às disputas municipais de 2004 e 2008, são do Tribunal Superior Eleitoral.

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Fonte: Marcelo Pimentel, com informações do Sistema Finbra. Arte: Anna Soares/Secom UnB

 

“O financiamento de campanha já havia sido o foco do meu trabalho na graduação e sempre tive mais interesse nos estudos do Poder Executivo, porque percebi que grande parte dos trabalhos da Ciência Política estava voltada para o Legislativo. Quis mudar um pouco esse olhar”, afirma o pesquisador Marcelo Pimentel, responsável pela dissertação defendida em 2014.

 

A filiação partidária, a posição ideológica, o grau de escolaridade do(a) prefeito(a), as características pessoais, como perfil, gênero e profissão, o mandato (se é o primeiro ou se foi reeleito) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município, comumente utilizados para explicar o impacto em políticas públicas e na execução orçamentária nos governos, também foram fatores avaliados no estudo.

 

RESULTADOS – Segundo o pesquisador, apesar de, no repasse do governo federal às prefeituras, uma quantia de recursos ser garantida para alguns setores, como saúde e educação, os gestores municipais não deixam de ter relativa autonomia para alocá-los nas áreas que acreditam ter necessidade.

 

Para a surpresa de Pimentel, embora 32,4%, em média, das receitas de campanhas de prefeitos eleitos tenham sido oriundas de doações de cidadãos, o resultado da pesquisa demonstrou que esse perfil de financiamento eleitoral interfere de forma pouco expressiva na decisão dos prefeitos por gastarem mais ou menos recursos nas áreas sociais. No entanto, ele constatou na dissertação que um dos aspectos mais influentes nos gastos é o Índice de Desenvolvimento Humano. “Quanto menor o IDH do município, maior o percentual de recursos que o prefeito investe nas áreas sociais. Ou seja, é exatamente nas cidades mais carentes de recursos no quesito social que os prefeitos estão gastando a maior parte do orçamento nessas áreas”, explica o pesquisador.

 

Fonte: Marcelo Pimentel. Arte: Anna Soares/Secom UnB

 

Outras variáveis também se mostraram relevantes na análise sobre como gastam os recursos à frente da prefeitura: os fatores socioeconômicos e os políticos, além do perfil dos prefeitos. "A ideologia do partido apresentou impacto significativo, assim como o grau de escolaridade. Prefeitos com maior nível de escolaridade tiveram maiores gastos sociais”, constatou.

 

SEM RESPOSTAS – A pesquisa confirmou ainda que partidos de esquerda investem mais em áreas sociais na comparação com outras legendas, e que prefeitos reeleitos costumam dar a mesma prioridade nesse quesito nos dois mandatos. “Há toda uma discussão se o prefeito se comporta de forma mais responsável com os recursos públicos no primeiro mandato porque ele quer se reeleger e, uma vez reeleito, não tendo como mais continuar no poder, se ele perde o controle ou não. No entanto, os prefeitos reeleitos não diminuíram o controle sobre os recursos públicos”, explica Pimentel.

 

Por outro lado, não se pôde comprovar a relação da amplitude de investimentos com a ocupação profissional dos prefeitos nem com o gênero – anteriormente já haviam relacionado o fato de mulheres à frente das prefeituras terem maior tendência em despender verbas para áreas sociais.

 

FINANCIAMENTO – De acordo com Pimentel, nos últimos anos houve aumento gradativo na receita das campanhas eleitorais. No caso das prefeituras, se comparadas as eleições de 2004 com as de 2008, o financiamento para as campanhas praticamente dobrou. E ele destaca: em nível municipal, a participação de empresas é praticamente igual à de pessoas físicas – 22,8% e 20,8%, respectivamente, em 2012 –, o que não ocorre nos poderes Legislativo e Executivo em âmbito estadual e federal.

 

“Se considerarmos que é um país com mais de 5 mil municípios que, em grande parte, são compostos por até 50 mil habitantes, a participação de empresas nas doações não é tão expressiva quanto nas metrópoles ou nas grandes cidades”, analisa.

 

Ainda assim, o pesquisador avalia que a reforma eleitoral, ocorrida no ano passado, que inclui mudança na lei sobre o financiamento de campanha, deverá impactar drasticamente na quantia que será disponibilizada aos candidatos. A nova regra permite, a partir deste ano, apenas doações de pessoas físicas, tendo um limite, para os recursos, de 10% da renda bruta auferida no ano anterior. Para Pimentel, a mudança deverá reduzir os montantes financeiros nas campanhas, mas abrirá precedentes para a prática de "caixa dois".