No próximo dia 29, vão ser definidos os prefeitos de 57 cidades brasileiras com mais de 200 mil eleitores que tiveram uma segunda rodada de votação em 2020. As eleições municipais deste ano movimentaram todo o país em meio a pandemia da covid-19. Somente o Distrito Federal não participou do pleito.
As campanhas político-partidárias divulgaram os candidatos aos cargos de prefeito e vereador, muitos deles já conhecidos no cenário político da região em que atuam. Em meio às propagandas, o eleitor também se depara com inúmeras mensagens de origem duvidosa, fake news e vídeos ou áudios controversos. Em geral, opositores acusam uns aos outros, sendo a corrupção a principal temática nessa arena eleitoral.
Diante desse cenário, indagar porque os corruptos são eleitos pode se tonar uma daquelas perguntas retóricas sem resposta que revelam nada mais do que um complexo dilema social. Mas foi buscando responder essa e outras questões que foi desenvolvida a tese Por que votamos em corruptos? Evidências experimentais sobre as limitações do voto no combate à corrupção; que está entre as cinco da Universidade de Brasília que recebeu menção honrosa na edição de 2020 do Prêmio Capes de Tese.
"Essa é uma pergunta que vem intrigando a ciência política há décadas. Nossa pesquisa investiga as razões do voto em corruptos a partir de três experimentos originais distintos, cada um deles centrado em uma possível razão para uma visão abrangente e multifacetada da questão", comenta o autor da tese, Thiago de Azevedo Barbosa.
Segundo Barbosa, existem tradicionalmente duas grandes explicações para o fenômeno do sucesso eleitoral de corruptos: "a hipótese da informação, segundo a qual as pessoas votam por desconhecerem que seu candidato é desonesto, e a hipótese da troca explícita, quando os eleitores foram informados da corrupção do seu candidato mas votam nele mesmo assim por acreditar que ele 'compensa' esse defeito com outras qualidades, como uma maior afinidade ideológica ou maior competência administrativa".
Uma terceira explicação, ainda pouco estudada, seria a da corrupção generalizada. "Essa leva em conta o contexto eleitoral e investiga como a percepção de que todos ou quase todos são corruptos influencia na decisão eleitoral", informa.
A percepção da corrupção no comportamento eleitoral vem sendo investigada recentemente e enquanto alguns teóricos defendem que ela pode levar o eleitor a se engajar ainda mais para combater o problema, outros apontam que o eleitor pode ser levado a desconsiderar a questão.
"Nossos resultados indicam que quanto mais a corrupção é percebida como generalizada, menores tendem a ser o engajamento eleitoral e a punição eleitoral ao candidato corrupto, representando mais abstenção e votos nulos ou em branco", expõe.
Afinal, por que votamos em corruptos? "Porque não sabemos ou acreditamos que o nosso candidato não seja corrupto; porque sabemos, mas achamos que ele compensa esse defeito com outras qualidades; ou simplesmente porque todas as opções disponíveis nos parecem corruptas", resume o autor em relação à pergunta chave da tese.
Orientador do trabalho de destaque, o professor do Instituto de Ciência Política (Ipol) Mathieu Turgeon considera que a corrupção não é só um problema sério na política brasileira, como também traz altos custos de curto, médio e longo prazos para a sociedade. "Esse trabalho busca entender porque corruptos conseguem se eleger e reeleger no Brasil. É inovador porque preenche lacunas na literatura atual", alega.
VIÉS PARTIDÁRIO – De acordo com a pesquisa, o eleitor se mostra mais inclinado a punir um candidato que já está no poder e concorre à reeleição do que o seu concorrente, mesmo que haja alguma equivalência quanto à corrupção. O eleitorado também diferencia entre a credibilidade das denúncias, punindo mais duramente os candidatos acusados por fontes isentas, como auditorias federais do que por fontes interessadas, tais como os partidos de oposição.
A punição eleitoral também tende a ser maior quando o partido acusado reconhece a gravidade das denúncias do que quando ele as desqualifica. "Os resultados apontam ainda que uma mesma denúncia é julgada de forma mais ou menos crível de acordo a identificação do eleitor com o partido acusado, evidenciando o efeito do viés partidário", explicita.
Na opinião de Thiago Barbosa, isso já era um problema importante no passado recente, quando o acesso se restringia basicamente as mesmas fontes e informações, tanto pelo horário eleitoral, quanto pelos veículos de imprensa. "Atualmente, com a velocidade da informação (e da desinformação) proporcionada pelas redes sociais, e com os algoritmos que nos trazem cada vez mais conteúdo que reforça nossas crenças prévias, é de se esperar que a questão se agrave ainda mais", alerta.
NÃO FAZ, MAS NÃO ROUBA – Um dos experimentos investigou a prevalência ou não da lógica do “rouba, mas faz” no eleitorado brasileiro, bem como o papel da identificação partidária e da finalidade da corrupção nessa dinâmica. "Os dados demonstram que os desvios para enriquecimento pessoal do político são punidos de forma mais dura do que aqueles para caixa 2, e que a maioria do eleitorado rejeita o 'rouba, mas faz'", revela.
Outro apontamento é que parcela do eleitorado parece enxergar "a troca implícita entre corrupção e competência sob um prisma diferente, adotando a honestidade como valor primordial e tolerando alguma incompetência em uma dinâmica que denominamos de 'não faz, mas não rouba'".
Na visão do autor da tese, há uma diferença quanto à rejeição do 'rouba, mas faz' em função da identidade partidária que, embora não seja tão forte aqui no Brasil, há duas forças dominantes manifestadas em posições a favor ou contra o Partido dos Trabalhadores (PT).
"De maneira geral, os petistas parecem punir mais severamente a incompetência que os antipetistas, enquanto são mais condescendentes com a corrupção, em especial nos cenários em que o governador tem maior capacidade administrativa, se alinhando mais claramente ao 'rouba, mas faz'. Novas pesquisas serão necessárias para verificar se de fato os petistas são mais tolerantes à corrupção ou se simplesmente são mais desconfiados dessas notícias, atribuindo-lhes menos crédito", pondera.
O doutor em Ciência Política argumenta que a proposta da dinâmica 'não faz, mas não rouba' vem suprir uma lacuna teórica na literatura, pois o 'rouba, mas faz' pressupõe uma primazia da competência sobre a honestidade, mas limita o escopo da análise ao não considerar parcela do eleitorado que acredita mais no valor da honestidade do que no da capacidade administrativa.
AMOSTRA SUBSTANCIAL – Todos esses apontamentos foram feitos por meio de uma survey experimental, cuja base de dados englobou duas amostras, uma coletada às vésperas do primeiro turno e outra logo antes do segundo turno das eleições nacionais de 2018. Ao todo, foram respondidos mais de 13 mil questionários, sendo que a amostragem foi composta por cotas estratificadas relativas aos principais atributos do eleitorado, tais como região, idade e classe social.
"Até onde sabemos, essa é a amostra mais substancial já utilizada em trabalhos da área, e cada um dos três experimentos de survey realizados conta com pelo menos o dobro de participantes das pesquisas anteriores que foram utilizadas como base para o nosso desenho experimental", assegura Barbosa. Para a coleta de dados, foi contratada uma empresa especializada na aplicação de questionários pela internet.
Com relação à abordagem, foi adotado o método da vinheta experimental, que se assemelha às notícias de jornal, por se tratar da forma pela qual a maioria das pessoas tem acesso às informações sobre corrupção. Isso contribuiu para que o estímulo fosse mais discreto e análogo às experiências reais.
"Em vez de apenas testar, por exemplo, se o eleitor votaria em um candidato corrupto, mas competente, dividimos os participantes em vários grupos e manipulamos diferentes graus de competência (se faz muito ou pouco), de intensidade (rouba muito ou pouco) e finalidade (enriquecimento pessoal ou caixa dois), o que permite uma análise mais refinada da questão", contextualiza.
Ao proporcionar a manipulação de diversos elementos em um mesmo experimento e, por gerar maior credibilidade nas respostas, esse desenho é recomendável para lidar com temas sensíveis como a corrupção. "Essa ferramenta, ainda pouco usada na ciência política brasileira, permite isolar com alta precisão os efeitos de variáveis de interesse e também realizar decomposição dos efeitos já identificados na literatura, como a relação entre corrupção e competência dos eleitos", avalia o docente Mathieu Turgeon.
DESTAQUE NA CAPES – Além da tese de Thiago Barbosa, outros quatro trabalhos de Doutorado da UnB receberam menção honrosa na edição de 2020 do Prêmio Capes de Tese.