Trabalho observa alunos de 11 a 18 anos e conclui que há alta prevalência de agressões física, psicológica e sexual no ambiente familiar e escolar

 

O tipo e o alcance da violência que afeta jovens entre 11 e 18 anos são os focos de tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. A pesquisa da egressa do doutorado Iglê Ribeiro, orientada pela professora Lenora Gandolfi, da Faculdade de Medicina, foi desenvolvida em uma região administrativa do Distrito Federal. O estudo durou dois anos, estimulado por dados coletados anteriormente em um projeto de extensão coordenado pela docente.

 

Para reunir os dados analisados, Iglê, que é professora de Educação Física, aplicou um questionário com 58 perguntas para 368 jovens de sete escolas públicas. Os estudantes davam respostas para questões que objetivavam traçar o perfil do aluno por escola, idade e sexo, além de identificar a situação de moradia em que se encontravam, religião e a pessoa com quem mais conviviam.

 

Para doutora egressa, jovens se sentem culpados pelas agressões sofridas. Foto: Beatriz Ferraz - Secom/UnB

Após responderem as perguntas que deram base para traçar a prevalência de atos violentos, os alunos eram questionados sobre as situações vivenciadas. Os resultados foram muito significativos: 85,4% já sofreu violência física, 62,5% psicológica e 34,7% sexual.

 

O maior índice de agressões físicas foi encontrado dentro de casa, sendo o pai e a mãe os principais perpetradores. “Percebe-se que a violência é tratada de forma naturalizada pelos responsáveis e pelos jovens. Encontramos respostas como ‘apanhei sim, mas mereci’ nos questionários. Quer dizer, a própria criança acha que a reação violenta é adequada para um comportamento errado”, explica Iglê.

 

A pesquisadora concluiu que o adolescente se sente culpado por ter sido agredido. Ela registrou em seu trabalho algumas dessas respostas que, segundo a doutora egressa, "deveriam deixar perplexa uma sociedade que se importa com as crianças":

 

-[Apanhei porque] tirei a paciência deles (pais);
-Os meninos da minha sala me amarraram de brincadeira;
-As vezes minha mãe me deixa sem comer porque estou gordinha;
-A professora gritou comigo, ela tinha razão;
-As pessoas me xingam da minha cor (negra).

 

Arte: Marcelo Jatobá - Design/Secom UnB

 

“É triste ver isso. Tive medo de olhar os questionários”, conta Iglê Ribeiro. Ela relata que alguns jovens a procuraram para compartilhar coisas que nunca tinham dito a ninguém antes. “Uma aluna me disse que sofreu abusos constantes do avô entre os sete e os 14 anos, que a pagava após cada relação sexual”, diz. “Me confessou que o dia mais feliz da vida dela foi quando o avô morreu”, lembra.

 

A professora de Educação Física sugere como prevenir a violência contra as crianças: “nunca deixe seu filho sozinho com ninguém”. No geral, as crianças responderam que se sentem mais protegidas na escola.

 

“Notei que as crianças não são ouvidas socialmente. Quando tiveram espaço para falar, falaram muito. Foi como se aquele momento fosse o único lugar que tinham para se expressar”, relata.

 

Orientadora relata que pesquisa surgiu como desdobramento de projeto de extensão. Foto: Beatriz Ferraz - Secom/ UnB

“A nossa cultura compreende que bater é educar e não uma violência contra a criança. Isso é endossado inclusive religiosamente”, afirma.

 

Segundo a pesquisadora, entre os 11 e 15 anos, os jovens sofrem violência em casa, de colegas e de professores. “Isso inibe o desenvolvimento em uma fase em que o indivíduo está se formando”, finaliza.

 

De acordo com pesquisas da Unesco, a situação de violência dificulta o bem estar e o desenvolvimento dos jovens. Isso afetará o comportamento que eles terão na idade adulta, e quem é vítima hoje pode virar agressor amanhã.

 

O trabalho foi apresentado à direção das escolas para que possam saber o que se passa na casa dos alunos. Também foram oferecidas palestras de conscientização aos pais, jovens e professores.

Palavras-chave