Sair do sedentarismo e iniciar a prática de atividade física é uma decisão que quase sempre vem acompanhada de dor muscular. Pessoas fisicamente ativas também sofrem com o desgaste ocasionado após treinos de alta intensidade. Diminuição da força, inchaço na musculatura e encurtamento na amplitude do movimento são sintomas comuns que caracterizam o Dano Muscular Induzido pelo Exercício (DMIE).
Muitos fatores podem interferir na recuperação. Acelerar esse processo desperta interesse especial em atletas que necessitam de desempenho máximo para competir ou treinar pouco tempo depois do esforço físico. É nesse contexto que está a Crioterapia de Corpo Inteiro (CCI), técnica que expõe o indivíduo a temperaturas bem abaixo de cem graus Celsius por alguns minutos dentro das chamadas criocabines. O tema foi objeto de estudo do professor João Batista Ferreira Júnior na tese Uma sessão de crioterapia de corpo inteiro (-110 º C) acelera a recuperação do dano muscular – trabalho agraciado com Grande Prêmio UnB de Tese Lauro Morhy.
PESQUISA – Para estudar os efeitos da terapia, o pesquisador avaliou um grupo com 26 homens fisicamente ativos que executaram série padronizada de exercícios com o objetivo de induzir o dano muscular. Dez minutos após finalizar a série, metade dos participantes foi exposta por três minutos a uma CCI à -110º C e outra metade permaneceu em temperatura ambiente de 21º C.
Como resultado, o primeiro grupo teve recuperação da força, menor inchaço muscular e alívio da dor em até 72 horas. Em contraposição, o grupo controle não recuperou a força nos níveis avaliados, teve maior inchaço muscular e permaneceu por até 96 horas com as sensações dolorosas. Assim, a conclusão apontada pelo pesquisador é de que a sessão de CCI a -110º C aplicada imediatamente após o treino acelera a recuperação muscular.
Professor de Educação Física da Polícia Federal, Valdinar de Araújo Rocha Júnior, um dos voluntários da pesquisa, nunca havia feito a CCI e fala sobre a experiência. "A sensação de dor nas extremidades foi bem marcante. Os dedos dos pés e das mãos doíam muito. Mas, ao sair da cabine, é um alívio imediato, porque a temperatura retorna ao normal rapidamente. Acho que pegar um frio menos intenso por um período prolongado seria bem pior".
ORIGEM – O termo de origem grega, cryo (frio) e therapy (tratamento), refere-se à utilização de baixas temperaturas como recurso terapêutico. Popularmente é conhecido pela aplicação de compressas de gelo em machucados e lesões. A sua forma mais recente é a Crioterapia de Corpo Inteiro e consiste na exposição do corpo ao ar frio utilizando criocâmaras ou criocabines, cuja temperatura pode variar entre -100 e -195º C por um período de dois a três minutos.
Os registros apontam que a CCI foi utilizada pela primeira vez no final da década de 70 no tratamento de artrite reumatoide proporcionando diminuição da dor para que o paciente suportasse os exercícios terapêuticos. Outros benefícios foram constatados, como diminuição do edema, da inflamação e relaxamento da musculatura esquelética. Posteriormente a técnica se mostrou positiva também no tratamento de sintomas de ansiedade, depressão e de espasmos de quadros neurológicos.
No meio profissional a crioterapia de imersão (técnica conhecida como banho de gelo, que consiste no mergulho em água entre 0 e 20º C por um intervalo que geralmente varia entre 5 e 20 minutos) é uma prática recorrente. Com as descobertas recentes, a tendência é que seja cada vez mais substituída pela CCI. “A CCI a -110º C tem se mostrado mais eficiente no processo de recuperação muscular do que a técnica de imersão. Além disso, o sujeito pode fazer uma sessão de CCI sem ter o seu rendimento comprometido para um treino logo em seguida, diferente do que acontece na crioterapia de imersão. No exterior, já é frequente o uso dessas cabines na recuperação de atletas”, afirma Ferreira Junior.
ENTENDA – Uma possível explicação para o dano muscular é que durante a repetição do movimento há rompimento de partes do músculo - denominadas sarcômeros. Com isso, leucócitos (células presentes no sangue também chamadas de glóbulos brancos) migram para o interior da célula muscular liberando moléculas inflamatórias que contribuem para agravar o quadro.
O pesquisador explica que “a crioterapia diminui o número de moléculas de adesão existentes na membrana da célula que permitem a entrada dos leucócitos. Assim, menos substâncias inflamatórias são produzidas, o que acelera a recuperação muscular”. A justificativa é que com a diminuição da temperatura, o organismo humano busca uma forma de regular essa variação com a vasoconstrição - contração dos vasos sanguíneos com redução do fluxo de sangue na periferia do corpo para diminuir a perda de calor. Esse processo leva à redução nas moléculas de adesão e, então, a membrana fica menos permeável à entrada de leucócitos que desencadeiam o processo inflamatório.
Ao evitar uma inflamação aguda, atenua-se também o dano secundário o que contribui para recuperar a força muscular e diminuir o edema. Nesse processo, dois motivos são associados à redução da dor: com menor inchaço há menos pressão no local lesionado, evitando a ativação de nociceptores (receptores sensoriais responsáveis pela percepção de dor); e ao abaixar a temperatura da pele ocorre diminuição da condução do estímulo nervoso que comunica o processo de dor.
AVANÇOS – Até o momento, os achados científicos asseguram que, além dos benefícios constatados, a CCI realizada antes ou após o treino não prejudica o sistema sanguíneo, imunológico e nem a função cardíaca. Devido ao curto período de exposição, também não há risco de congelamento ou de queimaduras na pele. Logo após sair da cabine, a temperatura corporal é naturalmente reestabelecida. Contudo, os efeitos analgésicos da técnica duram pouco tempo.
Ferreira Junior relata que, até o momento, apenas outros três estudos abordaram o uso da CCI na recuperação do DMIE. Um deles apontou maior recuperação do dano, o outro identificou a retomada da força muscular mais rápida, e o terceiro não constatou melhora no quadro. O pesquisador explica que cada trabalho utilizou metodologias diferentes (como o número de sessões, o intervalo entre elas, além do tempo que levou para o participante fazer a CCI após a conclusão do exercício), o que culminou em conclusões díspares.
“Mais pesquisas são necessárias para verificar o efeito de diferentes temperaturas na recuperação muscular. Outra variável a ser investigada é qual o efeito obtido de acordo com a duração da sessão. No meu estudo, eu investiguei três minutos, mas outros estudos podem contribuir investigando outro intervalo. Outra questão interessante seria avaliar outros grupos, como mulheres e idosos”, conclui o doutor.
>> Confira matéria da UnBTV sobre a técnica:
Confira outras matérias sobre o Grande Prêmio UnB de Tese:
<< Relações internacionais, governança e meio ambiente
<< Vencedor do Grande Prêmio UnB de Tese fala sobre o gosto por desafios e pela matemática