Tornar viável uma nova forma de pensar e executar a agricultura tradicional, levando-a para mais perto do desenvolvimento rural sustentável, com produtos orgânicos, atenção ao produtor e uso de tecnologias limpas. Esse é um objetivo a que se dedica a agroecologia, área de estudo com papel crescente no Brasil e no mundo.
Na Universidade de Brasília, o Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Agroecologia (NEA) reúne estudiosos que se dedicam ao tema. Em 2018, a Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología (Socla), reconhecida instituição da área, selecionou dois projetos produzidos no NEA/UnB para receberem fomento em suas pesquisas.
Um deles é desenvolvido pela estudante de mestrado Sarah Luiza Moreira. Ela é pesquisadora no núcleo e estuda no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural (Mader) da UnB, ligado à Faculdade de Planaltina (FUP). O foco de seus estudos tem sido o impacto produzido pela da Marcha das Margaridas na elaboração e no fortalecimento de políticas agroecológicas.
Realizada no Brasil desde 2000, a marcha é considerada a maior mobilização de mulheres camponesas da América Latina e busca estabelecer um campo de diálogo e de negociações com o governo federal sobre as demandas do segmento. Encabeçada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a iniciativa também homenageia uma das protagonistas na luta pelos direitos das trabalhadoras rurais, a líder sindical Margarida Alves, assassinada na década de 1980.
“Busco entender quais diferentes concepções sobre o tema a marcha construiu e, em um segundo momento, como essa pauta influencia a construção de políticas públicas para a agroecologia no Brasil”, destaca a pesquisadora, sobre os objetivos do estudo, ainda em fase de consolidação.
Para se aprofundar na questão, Sarah partiu da percepção das próprias lideranças da marcha e de movimentos parceiros, além de diálogos com representantes do poder público. Com base em entrevistas realizadas com pessoas desses segmentos, buscou elementos conceituais e políticos que evidenciassem os esforços da marcha para se avançar na consolidação de iniciativas em defesa do modelo agrícola.
“Conforme as entrevistadas, a Marcha das Margaridas foi e tem sido fundamental para dialogar com os governos sobre a criação de políticas para mulheres rurais, de forma geral”, expõe análise preliminar.
A pesquisadora destaca como um dos resultados dessa atuação a elaboração da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Lançada em 2012 por decreto presidencial, a política visa integrar e adequar ações indutoras da produção orgânica e de base agroecológica.
“O processo de construção se deu como resposta à demanda da marcha para criação de um programa de agroecologia no Brasil. No encerramento da quarta edição, foi lançada a proposta de um grupo de trabalho, composto por governo e sociedade civil, para pensar o que viria a ser a PNAPO”, frisa Sarah Moreira.
AGRICULTURA SOLIDÁRIA – Outra pesquisa desenvolvida no NEA e selecionada pela Socla é liderada pela egressa do curso de Engenharia Florestal Thábata Lohane Bezerra, pesquisadora do núcleo. Em seu trabalho, ela buscou se aproximar de agricultores assentados, com o intuito de analisar a integração com as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSAs).
As CSAs seguem um modelo de agricultura solidária, com base na agroecologia, que consiste em parceria firmada entre consumidores e produtores orgânicos para organização e financiamento da produção, com riscos compartilhados. Enquanto os consumidores se comprometem a cobrir os custos da produção agrícola por um ciclo, os agricultores destinam os alimentos cultivados diretamente a seus investidores.
Em contato com agricultoras do assentamento Oziel Alves 3, em Planaltina, Thábata pôde observar as influências dessas comunidades no processo de adequação das culturas aos métodos sustentáveis na área rural. Entrevistando essas mulheres, a engenheira florestal verificou impactos positivos das relações na garantia da conservação dos recursos ambientais, na manutenção econômica de suas famílias, no estabelecimento de maior vínculo entre quem planta e quem consome os alimentos e na qualidade do produto ofertado.
“Achei muito interessante como esse acordo promove uma autonomia do agricultor. O pessoal da cidade levanta todo o custo de produção do zero e depois divide mensalmente o total investido em um ciclo de um ano. O agricultor tem a certeza de que receberá um salário no fim do mês e de que conseguirá escoar sua produção”, avalia Thábata.
O NÚCLEO – Criado em 2016, o Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Agroecologia (NEA) é fruto de política nacional de fomento a criação e fortalecimento de grupos de pesquisa voltados à agroecologia em instituições científicas e de ensino superior de todo o país. Atualmente, 150 estruturas como essa atuam no Brasil, a partir da integração de projetos de pesquisa, ensino e extensão para a construção e socialização de conhecimentos e técnicas relacionadas à agroecologia e à produção orgânica.
O grupo desenvolve pesquisas em parceria com outras universidades, além de comunidades rurais, organizações não-governamentais e Embrapa. De acordo com a coordenadora do NEA, a professora Flaviane Canavesi, da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV), os trabalhos perpassam quatro eixos de abordagem: políticas públicas, sistemas sustentáveis de produção, mercados e inovação. “A ideia é trabalharmos a extensão e pesquisa dentro das comunidades e aproximar a Universidade da realidade da agricultura familiar e da agroecologia, onde elas estão”, afirma.
Em projeto recente, integrantes do NEA realizaram oficinas de cocriação de tecnologias sociais para agricultores de Planaltina e Paracatu. Durante a atividade, os trabalhadores foram incentivados a identificar as principais necessidades nas suas rotinas de produção no campo e a desenvolver suas habilidades na criação de ferramentas que contribuíssem para a solução dos problemas. “Passamos a metodologia de cocriação para que eles mesmos construíssem suas próprias tecnologias, com foco nas seguranças hídricas, alimentares e energéticas”, resume a pesquisadora Carolina Alzate.