Docentes da Universidade desenvolvem estudos a partir de achados de William G. Kaelin e de mais dois ganhadores do prêmio em 2019. Agraciado fará palestra no auditório da ADUnB dia 30

Universidade de Duke

 

Há muitas décadas já se sabe que quando existe queda nos níveis de oxigênio, como quando se vai a lugares de alta altitude, o corpo é obrigado a se adequar e produzir mais glóbulos vermelhos, responsáveis por captar e transportar este elemento pelo organismo. O que não se sabia, até alguns anos atrás, era como exatamente as células percebem a disponibilidade de oxigênio e então adaptam sua atividade metabólica.

 

Em 2019, o mundo conheceu os resultados de anos de pesquisa de Gregg Semenza, Sir Peter Ratcliffe e William G. Kaelin – que estará na Universidade de Brasília na próxima quarta-feira (30). Ainda na década de 1990, eles descobriram juntos como se dá esse processo de adaptação celular e, quatro anos atrás, foram agraciados com o Prêmio Nobel de Medicina/Fisiologia. Os achados do trio reverberam em estudos desenvolvidos atualmente na UnB.

 

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Gregg Semenza conseguiu identificar a proteína HIF (hypoxia-inducible factor, ou fator induzido por hipóxia), capaz de controlar os genes responsáveis pela produção de outras proteínas e de glóbulos vermelhos quando há pouco oxigênio disponível.

 

Kaelin, que já pesquisava a síndrome de von Hippel-Lindau (VHL) – doença genética rara caracterizada por tumores benignos e malignos em múltiplos órgãos –, observou o papel crucial do gene supressor de tumor também denominado VHL na ativação da HIF quando a concentração de oxigênio é baixa.

 

E Ratcliffe, por sua vez, conseguiu entender como o VHL ajudava a destruir a proteína HIF em situações em que havia muito oxigênio.

Professora Doralina Rabello ressalta a importância das descobertas dos agraciados com o Nobel de Medicina para o aprofundamento nas pesquisas de combate ao câncer. Foto: Arquivo pessoal


“Os estudos realizados por William G. Kaelin., Peter J. Ratcliffe e Gregg L. Semenza abriram novos e importantes horizontes na área de pesquisa em câncer, pois levaram à descoberta do mecanismo pelo qual as células percebem e se adaptam às variações no nível de oxigênio, o que foi essencial para esclarecer como os tumores malignos sólidos crescem e também levou a vários outros estudos sobre novas terapias contra o câncer”, afirma a professora de Patologia da Faculdade de Medicina da UnB, Doralina Rabello Ramos, que trabalha com pesquisa básica em câncer.


As investigações da docente estão focadas em tumores malignos que se desenvolvem nas regiões da cabeça e do pescoço, que geralmente têm diagnósticos tardios, tratamentos debilitantes e alta taxa de mortalidade.

 

“A falta de marcadores clinicamente úteis para prever e detectar a progressão do tumor ou sua resposta à terapia dificulta ainda mais o tratamento dos pacientes com estes tumores. Nosso objetivo é identificar potenciais marcadores moleculares que possam ser usados na prática clínica para melhorar o cuidado e a qualidade de vida destes pacientes", explica.


E prossegue: "A identificação destes marcadores também pode trazer esclarecimentos sobre como o tumor maligno funciona, abrindo possibilidades para novas formas de tratamento da doença”.

 

Doralina acredita que a passagem do professor Kaelin na UnB trará ânimo e inspiração para pesquisadores, estudantes e professores. "Será enriquecedor ouvirmos sobre a sua trajetória acadêmica e os desafios que enfrentou, além de uma ótima oportunidade para reafirmarmos a importância da ciência para a transformação e o desenvolvimento do mundo.”

 

INTERFACE EM PESQUISAS – Também professora da Faculdade de Medicina e chefe do Serviço de Endocrinologia da UnB, Luciana Naves estuda, dentro da oncologia endócrina, a oncogênese ou carcinogênese, ou seja, o processo de formação de câncer. Segundo ela, o desenvolvimento de tumores envolve um desbalanço entre fatores estimuladores da proliferação celular (oncogenes) e genes supressores tumorais, que existem naturalmente em equilíbrio em um organismo saudável. O objeto de sua pesquisa são os fatores que induzem o crescimento de tumores.

 

“O professor Kaelin estuda fatores envolvidos na circulação sanguínea e nutrição de tumores, além da oferta de oxigênio para o crescimento celular. Eu trabalho em fatores que predispõem esse crescimento e mutações gênicas que induzem o desenvolvimento tumoral. O trabalho do professor Kaelin influencia todas as pesquisas que se associam à oferta de oxigênio e de sangue para a proliferação. A pesquisa dele aprofunda os mecanismos de desenvolvimento e proliferação de diversos tumores”, explica Luciana Naves, que também coordena o Centro de Excelência no Tratamento de Tumores Hipofisários do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Pesquisa de Luciana Naves, docente da Faculdade de Medicina, tem afinidade com as descobertas dos agraciados com o Nobel de Medicina de 2019. Foto: Arquivo pessoal

 

APLICAÇÕES – As descobertas de Semenza, Ratcliffe e Kaelin já têm implicações em estudos para o tratamento de outras doenças além do câncer, como anemia, infarto do miocárdio e derrame.

 

Na Universidade de Brasília, também há pesquisas que se baseiam na solução proposta pelo trio de vencedores do Nobel de Medicina de 2019 e focam nas respostas do sistema imunitário, por exemplo.

 

De acordo com o professor André Nicola, da Faculdade de Medicina, nos últimos anos apareceram diversas evidências de que a descoberta de como as células percebem e se adaptam ao oxigênio também tem algumas funções no sistema imunitário. Ele ressalta que uma peça-chave do esquema descoberto pelo trio foi o complexo de proteínas HIF.

 

“Em outras palavras, o HIF controla se alguns genes na célula estão ‘ligados ou desligados’. Vários desses genes que são ligados pelo HIF são importantes para a célula se adaptar à quantidade de oxigênio presente no ambiente", explana André Nicola.

 

"Mas, nos últimos anos, descobriram que o HIF participa de outras coisas também. Particularmente, ele é importante para regular a inflamação, uma resposta do nosso sistema imunitário importante em doenças infecciosas”, explica a interseção entre seu trabalho e o do Nobel.

Professor André Nicola pesquisa a influência da proteína HIF na atuação do sistema imunitário. Foto: Arquivo pessoal

 

André conta que já se descobriu, por exemplo, que a resposta imunitária à infecção por fungos está ligada à atuação do complexo HIF sobre os macrófagos, células do sistema imunitário que "engolem" microrganismos e os matam. Estas células desempenham papel essencial na resposta de defesa a vários agentes de doenças infecciosas. O HIF estabilizado ativa genes que ajudam o macrófago a controlar melhor a infecção.

 

“Macrófagos com mais HIF estabilizado matam micróbios melhor, macrófagos sem o HIF não conseguiram controlar tão bem os microrganismos”, sintetiza o docente.

 

HIF E FUNGOS – No Laboratório de Biologia Molecular de Fungos, localizado no campus Darcy Ribeiro, a professora da Faculdade UnB Ceilândia (FCE) Patrícia Albuquerque se debruça há alguns anos sobre este tema. Dedicada ao estudo de doenças causadas por fungos patogênicos humanos, a docente explica que muitas vezes o que determina se uma pessoa vai ficar doente ou não, ou se vai desenvolver uma forma mais ou menos grave da doença após a infecção por esses fungos, é justamente o sistema imunitário de cada um.

 

“Uma grande pergunta é: o quê que faz o nosso sistema imunitário responder de uma maneira ou de outra, o que tem na característica própria de uma pessoa, do sistema imunitário dela, que vai fazer com que ela seja mais suscetível ou mais resistente a uma determinada doença? Em um dos trabalhos que analisamos, identificamos que quando infectávamos com esse fungo células derivadas de animais resistentes ou suscetíveis, nas células suscetíveis  havia uma maior indução desse fator de transcrição induzido por hipóxia, que é o HIF do trabalho do Kaelin”, conta Patrícia.

 

“E o que a gente viu é que o maior acúmulo desse fator de transcrição poderia estar relacionado com a regulação de outros processos celulares que poderiam afetar a sobrevivência do fungo dentro da célula hospedeira”, complementa a docente.

 

Um dos fungos estudados por Patrícia é o Paracoccidioides brasiliensis, comum em zonas rurais. Quando o vento levanta a poeira do solo contaminado, geralmente esse microrganismo é aspirado e fica alojado nos pulmões, mas também pode se espalhar para outros tecidos do corpo.

 

Nos pulmões, o sistema imunitário cria estruturas chamadas granulomas, para tentar conter o fungo. E a literatura científica aponta que, muitas vezes, esses granulomas se tornam ambientes com pouca concentração de oxigênio (hipóxia), o que pode induzir justamente a estabilização do fator de transcrição HIF. “Isso pode ter um papel na sobrevivência do fungo dentro dessa estrutura, que é o granuloma”, relata Patrícia.

Em laboratório, a professora Patrícia Albuquerque estuda o papel do HIF no organismo infectado por fungo. Foto: Arquivo pessoal

 

“Depois que descobrimos isso, nossa ideia é tentar estudar um pouquinho mais o papel desse fator de transcrição na regulação da resposta imune do hospedeiro a esse fungo. Tem vários estudos mostrando que em alguns casos ele pode ser benéfico para o microrganismo e, em outros, para o hospedeiro – nesse caso, ele induziria as funções microbicidas que vão fazer com que o nosso sistema imunitário consiga destruir aquele microrganismo que poderia causar algum dano para gente”, explica.

 

No caso do P. brasiliensis, ainda não é possível afirmar com certeza, mas os dados da pesquisa até o momento indicam que o HIF pode favorecer a sobrevivência do fungo nos granulomas e, portanto, no organismo infectado.

 

“Mas isso temos que investigar mais, é um resultado relativamente recente, do finalzinho de 2019, quando a pandemia já estava chegando. Então é um projeto que a gente ainda está começando, mas que, a princípio, pode ter resultados bastante interessantes que poderiam ajudar a entender um pouquinho melhor essa doença. Por exemplo, que pacientes podem ter uma maior ou menor predisposição a desenvolver as formas mais graves. Isso poderia ajudar até a conseguir um melhor prognóstico da doença, o que ajudaria na vida dessas pessoas”, espera a docente da FCE.

 

KAELIN NA UNB – O Nobel William G. Kaelin estará na Universidade de Brasília no próximo dia 30 de agosto, quando fará, às 10h45, uma palestra aberta ao público, no auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), com o tema Como as células de mamíferos sentem e respondem ao oxigênio (e minha improvável jornada a Estocolmo). Na sequência, se encontrará no Salão de Atos da Reitoria com pós-graduandos selecionados pelos programas da Faculdade de Medicina da UnB e, às 14h30, receberá no auditório da Reitoria o título de Doutor Honoris Causa, em reconhecimento à sua contribuição em prol da ciência e da humanidade.

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