Já são mais de seis milhões de casos confirmados de dengue, 220 mil de chikungunya e oito mil de zika, no Brasil, apenas em 2024. O montante destaca a importância de combater essas doenças. Uma abordagem pode ser a incorporação do método Wolbachia, apresentado em artigo, publicado neste mês de julho, na revista internacional de grande relevo The Lancet Regional Health.
Intitulado Avaliação econômica baseada em simulação do método Wolbachia no Brasil: uma estratégia custo-efetiva para o controle da dengue (em tradução livre, do inglês), o artigo apresenta simulações matemáticas de custos e consequências da adoção da técnica em sete cidades brasileiras.
“Nossa entrada nesse projeto aconteceu em 2022, quando abriu uma chamada para que alguma pesquisa avaliasse economicamente essa estratégia”, comenta o professor Ivan Zimmermann, do Departamento de Saúde Coletiva da UnB (DSC/FS). Ele assina o artigo junto com Henry Maia Peixoto, professor da Faculdade de Medicina (FM/UnB), além de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O método consiste em infectar e colonizar ovos do mosquito Aedes aegypti com a bactéria wolbachia, presente naturalmente em cerca de 60% das espécies de insetos, como abelhas e borboletas, mas não encontrada no mosquito vetor da dengue, zika e chikungunya e febre amarela.
Os docentes explicam que, ao causar essa infecção, observou-se redução em 50% no tempo de vida do mosquito e diminuição da capacidade de transmissão de vírus. Além disso, ao se reproduzirem na natureza, os mosquitos infectados criam uma população ainda maior com a bactéria wolbachia, o que confere sustentabilidade ao método e ajuda a reduzir a incidência das arboviroses no país.
Henry Maia Peixoto destaca que a pesquisa vem sendo realizada há anos em outros países e que, cada vez mais, está sendo difundida no Brasil. “É uma alternativa interessante porque é um agente que não agride o ambiente, sendo uma alternativa natural e autossustentável”, ressalta.
Os pesquisadores salientam que os estudos revelam uma diminuição de mais de 70% no número de casos de dengue com a utilização do método. A redução se dá por dois fatores principais: o mosquito infectado com a bactéria tem uma expectativa de vida menor e há diminuição da capacidade de transmitir o vírus. Vale ressaltar que não há modificação genética do mosquito e que a bactéria wolbachia não pode ser transmitida para humanos ou outros mamíferos.
ESTUDO – No Brasil, os pesquisadores tiveram o desafio de atestar a eficiência, do ponto de vista econômico, uma vez que a eficácia do método já está comprovada cientificamente. Para isso, utilizaram modelos matemáticos para estimar custos e consequências da aplicação do método no controle da dengue.
“Nosso objetivo era saber se a gente consegue pagar essa tecnologia e se vale a pena, com uma evidência mais finalística que ajudará os gestores a decidirem ou não pela incorporação”, salienta Henry.
Assim, o estudo foi aplicado nas cidades de São Paulo (SP), Fortaleza (CE), Campo Grande (MS), Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Manaus (AM) e Niterói (RJ). A escolha deu-se pelo tamanho populacional, carga da doença, região e outras características sociais e demográficas.
O modelo de simulação matemática considerou uma população de quase 23 milhões de habitantes em um horizonte temporal de 20 anos, de 2023 a 2042, com transições entre cinco estados de saúde (suscetível, caso inaparente, caso ambulatorial, hospitalização e óbito), por meio da utilização de modelo matemático chamado microssimulação.
“Conseguimos mensurar a economia com custos de internações e novos tratamentos, e calcular o quanto deixamos de perder com uma pessoa que ficaria afastada do trabalho por um caso de dengue ou até pela morte, por exemplo”, comenta Ivan.
Os dados mostram a redução da incidência da doença, economia em gastos hospitalares e uma relação custo-benefício positiva. “Ao final desses 20 anos projetados, o retorno é positivo. Embora haja um custo inicial alto, o investimento é superado pelo que o governo vai deixar de gastar, sendo uma estratégia poupadora de recursos”, diz Henry.
DESENVOLVIMENTO – Segundo os pesquisadores, o método Wolbachia não apenas é viável, como já está sendo implementado no país. Em abril, o Ministério da Saúde inaugurou a Biofábrica Wolbachia em Belo Horizonte (MG), em parceria com a Fiocruz e o governo de Minas Gerais. A fábrica produzirá até dois milhões de mosquitos por semana, inicialmente para Brumadinho e outros 21 municípios da bacia do Rio Paraopeba, com expansão prevista para todo o estado.
A cidade de Niterói (RJ) já viu uma redução significativa nos casos de dengue, chikungunya e zika após a implementação do método, iniciado em 2015 com uma ação piloto e expandido para 33 bairros, em 2017. Em 2023, a cidade tornou-se a primeira com 100% do território coberto.
Originário da Austrália, o método passou a ser aplicado em 2014 no Brasil, quando o país integrou o grupo de 11 nações do Programa Mundial de Mosquitos (World Mosquito Program, da sigla em inglês). Aqui, a iniciativa é liderada pela Fundação Oswaldo Cruz, com financiamento do Ministério da Saúde em colaboração com governos estaduais.
Durante o pico de transmissão da dengue no primeiro semestre de 2024, a UnB aderiu à campanha Dengue: juntos combatemos. A Prefeitura da Universidade (PRC), com apoio da Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema-DF), montou uma força-tarefa, que seguiu um cronograma pré-definido para eliminar focos do mosquito transmissor.
O grupo foi criado em fevereiro pela Reitoria por meio do Ato nº 0206/2024 e atuou para combater os focos de proliferação do mosquito nos quatro campi e orientar sobre práticas de prevenção.