A obra Pirâmide Urubu, do artista Maurício Chades, acaba de receber o prêmio Frankenthaler Climate Art. O trabalho foi selecionado por um júri especializado formado por representantes de instituições como o Hirshhorn Museum and Sculpture Garden e o National Gallery of Art. O prêmio busca promover conscientização sobre a crise climática através do olhar de uma nova geração de artistas visuais.
Realizado em 2019, Pirâmide Urubu é um ensaio visual que, além de discutir os limites do cinema, traz à tona o problema da poluição luminosa e reflexões sobre diferentes maneiras de se fazer cidade.
Com duração de cinco minutos, o vídeo feito para o concurso recria uma cosmologia do Núcleo Rural Córrego Urubu, a 4 km do Plano Piloto de Brasília, onde o artista fez uma espécie de residência artística que se iniciou no mestrado em Artes Visuais na UnB. Nele, Maurício descreve parte da obra criada durante sua estadia no lugar. O trabalho, que envolve performances, instalações e curtas-metragens com a participação do público, foi exibido em duas ocasiões, uma vez ao ar livre e outra nas cúpulas da Torre de TV Digital.
“Fazia parte do projeto de mestrado me mudar para uma área periurbana, pois estava interessado em investigar a expansão da cidade sobre o Cerrado a partir da observação de signos como o cercamento do espaço e índices luminosos”, recorda.
Localizado no Lago Norte, o Córrego Urubu é um dos oito núcleos rurais que compõem a Serrinha do Paranoá. Com uma vista panorâmica da capital, a região abriga mais de 80 nascentes que abastecem o lago Paranoá. Além de cachoeira cercada de vegetação nativa, o local conta com trilhas, mirantes, parques ecológicos, produção orgânica, sistemas agroflorestais, e projetos de permacultura, reflorestamento e educação ambiental.
Ainda irregular, o acesso à área, que foi ocupada por casas e alguns condomínios ao longo dos anos, se dá por estrada de chão. Postes de iluminação foram instalados recentemente. “Ali a comunidade se mostra mais atenta em manter uma relação menos predatória e mais ecológica com o espaço”, observa Maurício. “Algo que pode acabar se for levada adiante uma proposta de construção, no local, de um complexo habitacional para 7 mil residências, havendo o risco de secar as nascentes”, aponta. “O ‘progresso’ sobe as ladeiras em carros acelerados e, apesar de lamentar a degradação de um espaço que deveria ser preservado pelo seu potencial ecológico, aproveito a experiência para tentar pensar nas contradições que fundam essa cidade construída como ficção”, reflete o artista.
Maurício Chades atualmente cursa o Master in Fine Arts na School of the Art Institute of Chicago. Seus curtas foram exibidos em diversos festivais no Brasil e no exterior. Ele também participou do coletivo Ninho de pesquisa em Arte, Interatividade e Agroecologia. Sua primeira exibição solo ocorreu na Torre de TV Digital, em Brasília. Neste ano, um dos curtas participa do Cinema Urbana que acontece em agosto, também em Brasília.
POLUIÇÃO LUMINOSA – O exercício de imaginar mundos possíveis em que o natural e o artificial se encontram acaba por atravessar uma série de questões socioambientais e culturais. Entre os temas que perpassam o trabalho de Maurício, é possível citar a relação da sociedade de consumo com a morte, a interação entre seres humanos e demais espécies e o conflito entre floresta, campo e cidade.
O pesquisador entende que a tecnologia em si não é algo ruim, mas seu uso inadequado e excessivo pode causar danos à natureza. E que o mesmo princípio vale para a presença humana, que pode ser benéfica ao meio ambiente. “Se utilizadas adequadamente, não vejo problema em integrar tecnologias eletrônicas e digitais à natureza. As relações humanas com a natureza também não precisam se basear no extrativismo, que esgota recursos de um lugar. Em um sistema sintrópico, por exemplo, os seres humanos podem ajudar a produzir água e nutrientes ao estimular a interação de diferentes espécies”, pontua Chades.
No filme Juca, gravado no local com os vizinhos, o problema da poluição luminosa aparece quando o grupo precisa pedalar cada vez mais longe para conseguir ver as estrelas. “No Urubu, isso passou a acontecer depois da instalação dos postes de luz”, lembra. “Pode parecer trivial frente a outros tipos de poluição que causam impactos mais evidentes, mas pesquisas recentes mostram que os efeitos do fim da noite são devastadores”, garante. “Nesse sentido, a relevância do meu trabalho está em introduzir um tema pouco debatido e criar consciência sobre ele por meio da experiência estética.”
Chades chama atenção para o fato de que o excesso de luz artificial pode privar o ser humano de uma experiência de vida saudável em que a escuridão é necessária do ponto de vista não só biológico, mas mitológico. O excesso de luz artificial pode alterar a temperatura do ambiente e o comportamento de espécies, o que pode afetar o clima e desequilibrar ecossistemas. Porém, para além disso, o excesso de luz pode nos afastar de algo essencialmente humano que é a capacidade de perceber a vida como parte de algo maior, de se imaginar parte de um universo infinito.
A astrônoma Tânia Dominici, do Laboratório Nacional de Astrofísica, reforça que o excesso de luz atrapalha a vida dos animais que se guiam pelo brilho das estrelas. Caso dos pássaros na fase migratória e de filhotes de tartarugas que, ao sair dos ovos, se guiam à noite pela luz das estrelas refletidas no mar. Em relação à saúde humana, se ficarmos expostos à iluminação artificial ao longo da noite, nosso corpo produz menos melatonina e já acordamos cansados. Na astronomia, a poluição luminosa atrapalha a visibilidade dos corpos celestes.
“Da mesma maneira que outras formas de intoxicação, a poluição luminosa amortece os sentidos. O fim da noite sinaliza um ensimesmamento. Não estamos vendo mais claro, estamos vendo mais perto. Os postes colocados para iluminar nossas estradas, por exemplo, podem nos impedir de ver muito mais longe e então nos separar de nossa presença cósmica”, observa o artista, de forma crítica.